Durante o 11º Simpósio do ObservaNordeste, realizado no Recife de 25 a 27 de novembro, que tratou dentre outras coisas de mídia, poder e democracia frente os desafios da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), o editor da Revista Fórum e também ativista da comunicação livre Renato Rovai concedeu entrevista exclusiva ao Observatório do Direito à Comunicação.
Rovai, que como tantos outros atores que encamparam a disputa da comunicação como um direito está completamente envolvido na realização da 1ª Confecom, fala sobre o que ele acredita ser os principais desafios para garantir que as políticas de comunicação no Brasil trilhem o caminho da democratização depois dessa conferência.
As vésperas da realização do II Fórum de Mídia Livre, evento que também recebe intensa contribuição de Rovai, o jornalista fala das principais bandeiras de luta para os ‘midialivristas’, defende a banda larga pública, a internet livre, a taxação da publicidade e a redefinição dos critérios de concessões. Propõe, ainda, repensar a lógica e o modelo de negócio que envolve a informação para superar o que ele chama de ‘velha mídia’.
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Você falou durante a sua exposição no ObservaNordeste de uma velha mídia que está em crise. Como você caracteriza essa velha mídia e como você caracteriza essa crise? E quais soluções possíveis?
Renato Rovai – Essa velha mídia que está em crise, ao meu ver, é a mídia que se organiza na lógica dos antigos meios de comunicação – como TV, jornal, revista –, mas não é isso que as torna velha mídia. O que torna essas mídias velhas é porque elas estão fundadas, alicerçadas num modelo que para mim está em crise, que é o modelo da lógica comercial, das organizações verticais, dos grandes conglomerados, de tratar a informação como mercadoria. Isto é que torna esses veículos de comunicação parte de uma velha mídia. Existe uma nova mídia em construção. Uma mídia que tem se revelado muito mais ampla e democrática, que se constrói a partir da diversidade, a partir do compartilhamento, na lógica da gratuidade, inclusive da solidariedade, da contribuição, do diálogo e da troca. Isso é o que caracteriza grande mídia. Pode até haver um protagonista principal, mas não é esse protagonista principal que o tempo todo pauta o debate. Em muitos momentos, na prática do bloguismo, um comentário gera uma pauta. No diálogo, na troca que caracteriza a nova mídia, há participantes também que acabam se tornando blogueiros naquele processo. A nova mídia é uma mídia na qual aquela velha lógica formal do emissor-receptor está condenada a ser esvaziada. Não é que não vá existir pessoas que se destacam. Isso vai existir, mas já é um modelo diferente. Os jornalistas considerados grandes comentaristas políticos ou então especializados dos chamados jornalões, dos veículos tradicionais, essas pessoas não conseguiram, não foi imediato elas montarem seus blogs e estar em portais. Muitos deles sumiram; tentaram marchar nessa área, viram que não tinham condições de fazê-lo porque estão acostumados com o palanque nos quais eles falam sozinhos.
Qual a saída para esta nova mídia superar a velha mídia?
R.R. – A saída é impedir que a internet ou os novos veículos de comunicação sejam controlados. Isso vale para todas as novas tecnologias – o celular, por exemplo, que vai se tornar mais convergente do que o computador –, mas falo a internet porque ela é a forma pela qual a informação chega ao celular. Temos que garantir que esse espaço se mantenha plural, que não seja interditado, que não exista controle. Por um lado é isso, e por outro lado é garantir que esse acesso chegue à casa do maior número de pessoas, na casa de todos os cidadãos e que eles possam dispor da comunicação como dispõem e tem acesso à água, à alimentação, á saúde – ou como deveriam ter. É aí, eu acho, que se realiza o direito humano à comunicação. No momento em que essa pessoa tem isso ao dispor, não só para ser receptor, mas para ser produtor de comunicação. Você vai ter linguagens que nunca tiveram espaço para reverberar podendo ter sua oportunidade. É um espaço muito maior, que não tem restrição. Daí vai ter o blog do menino da favela, da cozinheira, da pessoa que trabalha com a construção civil e fazendo suas coisas, mostrando suas estórias. De certa forma, a gente já vê isso no YouTube. Não necessariamente o vídeo que está na imprensa é o vídeo mais acessado do YouTube. As vezes é até o contrário: a mídia tradicional é que vai dar destaque a vídeos que estão no YouTube.
Então, nessa lógica, você não veria como problemática, por exemplo, a medida que vem tomando grandes grupos como o News Corp., do magnata Rupert Murdoch, de restringir informações em sites de busca como o Google, medida esta que está sendo seguida por outros grupos, inclusive aqui no Brasil…
R.R. – Eu posso estar enganado, você me cobre daqui um ano, mas eu acho que não vai dar em nada. É impossível restringir esse tipo de acesso. Isso me parece uma reação muito semelhante à reação do mercado fonográfico, que quis impedir a distribuição de músicas. Ninguém respeita isso. As pessoas pegam e já baixam da internet e hoje ninguém mais compra CD. Tá uma crise no mercado porque eles trabalham com o direito do autor, que é uma lógica também do velho mundo. O que é mais engraçado é que você vê gente de esquerda defendendo esses valores que são da orbita do capitalismo. Eles não estão se dando conta de que estão defendendo o que há de mais essencial da dinâmica capitalista, da lógica da informação como mercadoria. Se você quer exigir o cumprimento do direito autoral você está defendendo a lógica capitalista da informação como mercadoria. Quando se diz ‘isso aqui não pode ser compartilhado e deve ser vendido’, reforça-se também essa lógica. Eu entendo completamente a lógica do Murdoch, ele está querendo defender o seu negócio, mas em geral isso não deu certo até hoje na internet. Pode até dançar o Google, como dançaram com alguns outros buscadores de música. Mas o pessoal inventa outros dez no mesmo dia e resolve a questão. Eles vão usar outros buscadores que não estão impedidos de fazer aquilo e pronto. Eu duvido que dê certo. Eles vão ter que procurar outra estratégia, porque está óbvio que não é assim que vão resolver esse problema.
Para quem acompanha a área da comunicação, está posto que a blogosfera trouxe mudança no acesso à informação. Contudo o acesso à internet ainda é muito limitado. Mas será que dá para falar de democracia com essa nova onda da blogosfera tendo a realidade indo pouco mais além da classe média?
R.R. – Uma pesquisa recente, feita em um universo de mais de duas mil pessoas, quase uma pesquisa presidencial, mostra que, ainda sendo pequeno o acesso, os blogs e sites de informação já são a segunda maneira que as pessoas usam prioritariamente para se informar. Mesmo com restrição ao acesso. Eu não estou dizendo que não é restrito, mas hoje, por exemplo, a minha mãe que tem 70 anos fica mais tempo na frente da internet do que da televisão. Ela foi conquistada pela possibilidade de trocar. Ela descobriu que na relação com o computador ela não é só passiva. Mesmo no âmbito das redes sociais… Tem uma coisa que as pessoas desprezam completamente que a necessidade das pessoas contarem suas estórias pessoais. Algumas pessoas acham que tem que proibir o Orkut. Qual o problema de as pessoas estarem no Orkut? As pessoas estão no Orkut e estão criando suas redes. Para minha mãe é importante, por exemplo, falar da história da família dela e ela fica ali fazendo seu álbum de família para deixar para o netos. O que também era feito um tempo atrás, mas sem esse mecanismo das redes sociais, das fotos digitais. Os jovens usam para construir sua rede de relacionamento, para deixar recados, falar de suas vidas, para contar o que aconteceu ontem no barzinho, na festa. Até as redes sociais tem uma importância muito grande da necessidade que as pessoas têm e falar sobre elas mesmas. Se a pessoa é jovem, depois dos 20, se ela não tem acesso em casa, ela tem no trabalho. Se não tem no trabalho, tem na lanhouse no bairro, na escola, na faculdade. Em algum lugar, ela tem um lugar onde pode acessar informação, fazer seu currículo.
Com relação à democratização do acesso à internet, a banda larga pública seria a solução?
R.R. – Não tenho dúvida que seria. Hoje, você tem banda larga em apenas 6% no Brasil. Não é quase nada. Precisa ampliar. As próprias teles (empresas de telecomunicações) colocam como um desafio ter 75% das famílias com acesso à internet até 2014. Eles elencam uma série de necessidades que teriam para executar esse plano. Eles mesmos reconhecem que é um número ridículo de pessoas no Brasil que têm esse acesso à internet rápida. Sem falar que a banda larga no Brasil não é banda larga, é bandinha larga… Ela tem uma quantidade/velocidade muito pequena com relação a outros países. Acho que tem que garantir que isso seja encarado como um direito para que haja também a necessidade de o Estado garantir a essa pessoas a dimensão total desses direitos.
O Fórum de Mídia Livre está para realizar a sua segunda edição no próximo fim de semana (4 a 6 de dezembro, em Vitória). O que vocês pretendem discutir e quais as principais pautas do FML para defender na Conferência?
R.R. – Tem muitas pautas. Eu tenho muita dificuldade de pensar as coisas assim elencadas, porque cada comunidade, cada espaço tem as suas prioridades. Cada comunidade tem suas especificidades. Eu acredito que a gente tem que criar algumas propostas-chave e eu tenho defendido que seja a banda larga para todos, porque a banda larga para todos serve para a luta de todos, serve ao movimento de gênero, à questão racial, às rádios comunitárias. Já dei exemplo de como as rádios comunitárias podem usar isso para sair do isolamento como, por exemplo, ter um site para todas as rádios comunitárias do Brasil. Na qual as pessoas possam acessar e conhecer as rádios comunitárias das suas cidades. Para as TVs comunitárias idem. A banda larga define essa dimensão do ‘para todos’. Acho que é a única bandeira que deve ser encampada por todos. Acho que ela tem esse potencial.
A multiplicação das demandas e das pautas não pode ser um problema?
R.R. – Com relação a isso, eu acho que o formato do Fórum Social Mundial é interessante. Porque todas as pautas são validadas, todas as lutas são validades, todos os processos são validados, mas alguns ganham, naturalmente, protagonismo maior. Se a gente tentar fazer consenso em uma só pauta, vai dar um pau danado e não vai se chegar a lugar nenhum. Algumas pautas já estão tendo protagonismo, como por exemplo, a pauta das concessões. Deve-se discutir como que o uso do espaço que é de todos seja mais público e menos privado. Quando se fala de regulação dos espaços de concessões é para garantir que esses espaços façam uma comunicação de interesse público maior. Essa já é uma pauta que tem seu protagonismo. Tem pautas que vão ter uma enorme solidariedade das pessoas da sociedade civil, que são as questões relacionadas às rádios comunitárias, por exemplo. Eu costumo dizer que eles são o movimento sem terra da sociedade civil da comunicação. Eles que estão na ponta, lutando, batalhando e levando porrada. Hoje mesmo (a entrevista foi realizada em 26/11), o companheiro Jerry das rádios comunitárias de São Paulo está sendo preso e Hortolândia. Tem um movimento na internet para soltar o Jerry. (Jerry Alexandre é coordenador da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias em São Paulo e foi preso naquele dia com outros comunicadores comunitários pela Polícia Civil, que inclusive não tem prerrogativas para fazer este tipo de ação.)
Mas o que você acredita ser possível ser construído um consenso e sair do papel depois dessa Confecom?
R.R. – É possível criar uma agenda positiva. Talvez o termo não seja o melhor. Com agenda positiva, eu só consigo pensar em algo com a participação de todos os segmentos. O que dá para ‘colar’ com esses segmentos que estão na mesa? O que dá para ser consenso e sair como um discurso de todos? Porque o que sair assim o governo vai ser obrigado a encaminhar. Banda larga pública e gratuita não vai dar para ser um consenso, tem que ser uma pauta nossa de resistência, de luta. Eu fiz um debate com os empresários em São Paulo, durante a etapa estadual da Confecom lá, e eles topam a instalação e ampliação, por exemplo, do Conselho de Comunicação Social em todos os níveis. Eu acho que isso tem ser um consenso e sair quem sabe como grito de guerra dessa conferência. Se é consenso que o conselho tem que funcionar, o governo deve estar lá e garantir a instalação do conselho para daqui a três semanas. Esses empresários que estão ai são a favor da quebra do monopólio, por exemplo, das tevês pagas, que é capitaneada pela TV Globo. Eles não vêem problema nenhum, ao contrário, vêem até com bons olhos a quebra do monopólio da distribuição de periódicos no Brasil por parte da Editora Abril ou a democratização das verbas da publicidade. Essa foi uma das pautas que a gente colocou na mesa e a Band já falou que quer fazer esse debate e as teles são solidárias. Você imagina que você usa o espaço público concessionado pelo Estado e pela sociedade para fins comerciais sem pagar nada para a democratização e diversificação das comunicações do seu país! Não te parece uma coisa meio estranha? Eu estou tirando proveito de algo que não é meu, que é um serviço público e não estou dando nada em troca. É preciso discutir isso também. Tem várias formas. Na Alemanha, por exemplo, parece que anualmente você tem que entregar um planejamento de como o teu canal vai funcionar no ano seguinte para que seja liberada a exploração daquele serviço. Isso é discutido dentro de um conselho e tal. Mas eu sei que nisso, por exemplo, também não vai haver consenso. Tem muitas pautas. Eu acho difícil a gente grifar algumas e tentar trabalhar só com elas.