Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A imprensa aloprou

A Folha de S.Paulo consegue se superar a cada nova edição. Mais surpreendente do que a publicação do abjeto texto de Cesar Benjamin (sexta, 27/11), sobre o comportamento sexual do líder metalúrgico Lula da Silva quando esteve preso em 1979, foi a completa evaporação do assunto a partir do domingo (29), exceto na seção de cartas dos leitores.


Num dia o jornal chafurda na lama, dois dias depois se apresenta perante os leitores de roupa limpa e cara lavada, como se nada tivesse acontecido. E pronto para outra.


Não vai pedir desculpas? Não pretende submeter-se ao escrutínio da sociedade? Não se anima a fazer um debate em seu auditório e depois publicá-lo como faz habitualmente? E onde se meteram os procedimentos auto-reguladores que as empresas de mídia prometem há tanto tempo quando se apresentam como arautos da ética? Não seria esta uma oportunidade para ensaiar algo como a britânica Press Complaints Comission (Comissão de Queixas contra a Imprensa)?


E por que se cala a Associação Nacional de Jornais? Este não é um episódio que põe em risco a credibilidade da instituição jornalística brasileira? Um vexame destas proporções não poderia servir de pretexto para retaliações futuras? Ficou claro que depois do protesto inicial (‘Isto é uma loucura!’), o presidente Lula encerrará magnanimamente o episódio. A Folha, em compensação, enfiará o rabo entre as pernas.


Ninguém estrila


É bom não perder de vista o fato de que esta lambança de um jornal isolado será fatalmente estendida à mídia como instituição. E logo alimentará as inevitáveis desavenças da próxima campanha eleitoral. Isto não interessa aos que desejam preservar o resto de republicanismo desta imensa republiqueta nem àqueles que levam o jornalismo a sério e não querem vê-lo desacreditado, como acontece na Venezuela.


A verdade é que a imprensa brasileira aloprou, levou a sério sua proximidade com o show-business; a obsessão pelo espetáculo e pela ‘leveza’ levou-a para o âmbito da ligeireza, vizinha da irresponsabilidade.


Por outro lado, o controle centralizado das redações associado ao terror de iminentes demissões em massa desestimula qualquer cautela e a mínima prudência. Ninguém estrila ou esperneia. Os jornalistas brasileiros, apesar de tão jovens, andam encurvados – de tanto dar de ombros e não importar-se.


Ano penoso


Há exceções, tênues, percebidas apenas pelos especialistas, porque nossa mídia – ao contrário do que acontece nos EUA e Europa – faz questão de apresentar-se indiferenciada, uniformizada, monolítica, sem nuances.


Este 2009 foi um ano penoso para a Folha, o jornal talvez prefira esquecê-lo. Mas seus parceiros de corporação deveriam refletir sobre o perigo de atrelar uma indústria ou instituição aos faniquitos juvenis de quem ainda não conseguiu assimilar os compromissos públicos de uma empresa privada de comunicação.


***


Em tempo: O recuo da Folha na edição de terça-feira (1/12) é ainda mais vergonhoso do que a denúncia da sexta-feira anterior. Colocar na boca do pivô do episódio que ‘o artigo de Benjamim é um horror’ é uma manobra capciosa, covarde, para responsabilizar um articulista delirante e inocentar diretores irresponsáveis. A Nota da Redação, na seção de cartas, está atrasada quatro dias: pode satisfazer as dezenas de missivistas que se manifestaram, mas despreza os milhares que, horrorizados, leram o resto do jornal.


 


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