Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A inovação no jornalismo pela visão de produto

(Foto: Unsplash)

Qual o futuro do jornalismo? A pergunta, que pode gerar esperança ou desespero, martela na mente dos profissionais da redação à direção comercial – além dos pesquisadores, é claro. Enquanto a preocupação dos primeiros está mais relacionada às condições de trabalho e transformações nos formatos jornalísticos, a atenção dos segundos está voltada para manter o equilíbrio entre o capital econômico e político do negócio jornalístico.

Das redações internacionais aos veículos nativos digitais independentes essa pergunta continua sendo feita ano após ano e sempre com um prognóstico não muito favorável para quem quer viver da produção noticiosa. Neste Comentário da Semana, proponho a reflexão sobre como os estudos e experiências em produtos digitais podem contribuir com o desenvolvimento de produtos jornalísticos – os chamados News Products – promovendo novas fontes de receita para os veículos digitais. Também levanto dilemas e desafios que podem emergir deste encontro, considerando que esta é uma metodologia nascida nas empresas de tecnologia e exige adaptação na cultura organizacional. Antes disso, faço um breve levantamento sobre as bases do Product Thinking.

O que é mentalidade de produto, afinal?

O Design de Produto já é uma disciplina solidificada no desenvolvimento de produtos físicos, quando era chamado de Design Industrial, desde a metade do século XIX. Reunindo  conjunto de conhecimentos, metodologias e técnicas de pesquisa e desenvolvimento, os designers de produtos foram responsáveis por criar objetos físicos alinhados às demandas do público. De modo resumido, o objetivo é desenvolver produtos adequados às necessidades de uma pessoa, buscando o melhor custo-benefício e contribuir com as metas do negócio. O mouse do computador, por exemplo, foi sendo aperfeiçoado ao longo dos anos devido aos estudos de design industrial.

Este conjunto de saberes foi adaptado para o meio digital, mantendo 3 pilares básicos: a experiência do usuário, os objetivos do negócio e a disponibilidade tecnológica. Para complementar, a captação de dados em ambientes digitais abriu alas para que a mentalidade de produto (ou product thinking) também fosse pautado pela análise de dados.

A partir de então, os produtos digitais passaram a incrementar as métricas nas tomadas de decisões para criação, otimização e expansão dos negócios. A mentalidade de produto, em suma, é uma abordagem teórica e metodológica que combina inovação, design thinking e negócios.

Esta abordagem ganhou força em times de tecnologia de start-ups, fintechs e big techs e, nos últimos anos, está entrando em redações, especialmente naquelas que nasceram já no ambiente digital. Em contraponto a uma abordagem tradicional, as estratégias de produto destas equipes são pautadas em pequenas entregas, passíveis de testes, colocadas no ar já considerando otimizações futuras. Essa característica tem encontrado espaço no contexto de inovação jornalística, que vive um momento de implementação de novas tecnologias para narrativas, formatos e modelos de negócios digitais.

Produtos estão contribuindo com rentabilidade das organizações jornalísticas

O potencial da mentalidade e as metodologias de produtos digitais está na aplicação em redações enxutas – desde que com equipe diversificada – até nos grandes veículos. Como o modelo de negócio baseado em venda de mídia deslocou do jornalismo para as big techs, todas as empresas jornalísticas se viram obrigadas a repensar as fontes de monetização em um lugar onde ninguém quer pagar por informação.

A estratégia de paywall tem se sustentado em veículos tradicionais, que já cultivaram uma audiência, mas não é igualmente rentável em jornais independentes e de localizações não-centrais que não têm fluxo suficiente de audiência pagante. Já os modelos de crowdfunding e assinatura se mostraram promissores, porém, sem um planejamento adequado de recorrência e escalabilidade, a tendência era perder o engajamento da audiência no médio prazo.

O foco na centralidade do usuário e nos objetivos de negócio aprofunda o uso de diferentes estratégias de monetização pelas organizações jornalísticas. Já em 2014, Caio Túlio Costa reconhecia que o modelo de negócios que atua para além da informação seria uma das soluções para o jornalismo digital, dando a eles o nome de “serviços de valor adicionado”,

“Trata-se de expressão emprestada da indústria das telecomunicações e usada para definir aqueles produtos ou subprodutos que não fazem parte do coração da empresa. Em tese, não são a principal fonte de recursos. A expressão se refere a produtos capazes de ajudar a promover o principal serviço e ainda assim trazer faturamento”. (COSTA, 2014).

Neste sentido, a mentalidade de produto apresenta ferramentas teórico-metodológicas para tornar esses serviços factíveis e sustentáveis. Apenas para exemplificar, atualmente a Técnica do Duplo Diamante, um método do Design Thinking, tem sido uma das técnicas mais utilizadas entre as equipes de produto em empresas de tecnologia. Existem vários métodos, é claro; o diagrama apenas ilustra como aborda o desenvolvimento de um produto digital.

Técnica Duplo Diamante (Fonte: UX Collective)

 

Analisando o cenário brasileiro pós-pandemia, Santos et a.l verificaram que, de fato, os veículos digitais brasileiros estão apostando em diferentes formas de monetização para conseguir conciliar jornalismo de qualidade e rentabilidade da organização.

Em suas perspectivas sobre os modelos de negócio para a indústria 4.0 de notícias no Brasil, os pesquisadores acreditam que o desafio das organizações jornalísticas brasileiras estará pautado em três fatores: padrão de qualidade, capacidade de implantar novos produtos e serviços e recursos financeiros limitados.

A pesquisa revelou que, mais do que apostar em inovações tecnológicas – ainda não acessíveis para todos os tipos de organizações (concentrando sobretudo no eixo Rio-São Paulo) – as organizações jornalísticas estão se apoiando nas inovações em produtos. Os veículos buscam na variação dos modelos de negócio maneiras de diversificar renda com o lançamento de produtos e serviços: programa de assinaturas, clube de benefícios, programas educacionais, monetização de vídeos, etc.

Desafios e dilemas

Claro que as potencialidades de aplicar a visão de produto nas organizações jornalísticas existem, mas devemos reconhecer que até mesmo na indústria da tecnologia a mentalidade de produto passa por entraves.

A partir das suas experiências como jornalista e diretora do produtos no Jota, Paty Gomes, compartilhou seu aprendizado sobre as principais dificuldades de desenvolver produtos digitais no veículo. Para ela, os mais significativos foram:

  1. Noção de pronto – uma percepção que para o jornalismo vem após a publicação e para o product thinking não acaba até a finalização do produto (o que pode levar meses ou anos);
  2. Colaboração – pilar fundamental do trabalho de produto que conflita com a cultura das redações tradicionais, que tendem ao individualismo e fragmentação da produção noticiosa;
  3. Audiência – as metodologias de produto exigem o conhecimento detalhado da audiência, o que pode implicar em conflitos éticos de enviesamento e comprometimento editorial;
  4. Experiência do usuário – ponto central das atividades de um product designer, a experiência nos veículos digitais ainda não prioriza as jornadas de uso como forma entregar melhores produtos e serviços;
  5. Mercado – refere-se às especificidades de atuação da organização, latente em veículos especializados, que se encontram na intersecção entre o nicho e a empresa jornalística;
  6. Modelos de negócio – as organizações precisam apostar em novos modelos de monetização, uma vez que o paywall, assinatura, anúncios e doações podem não serem suficientes para manter a sustentabilidade do negócio.

Acrescento mais um ponto: a capacitação de jornalistas para a área de produtos. Este é um conhecimento que todos na redação devem desenvolver ou apenas os especialistas em produto digitais?

Sabemos que as exigências sobre a atuação do jornalista se acumulam, especialmente em veículos independentes e fora dos centros urbanos. E as experiências nas empresas de tecnologia salientam a importância de uma equipe diversa, estruturada e com abertura para promover mudanças fundamentais nos rumos dos produtos comercializados. Portanto, organizações que quiserem se apropriar das metodologias e benefícios do product thinking precisam estar abertas, de fato, para a inovação.

Iniciativas que unem jornalismo e abordagem de produto

A abordagem de produto para viabilidade dos negócios jornalísticos já vem sido promovida por diferentes meios. Em Santa Catarina, a Associação Catarinense de Imprensa firmou parceria com a pré-incubadora Co-creation Lab, criadora da metodologia TXM (Think – Experience – Manage) para desenvolvimento de novos negócios. A iniciativa, que aconteceu em 2020, mostrou como a mentalidade de produto pode fortalecer o jornalismo local e fomentar o empreendedorismo entre os jornalistas.

Em 2021, a SembraMedia publicou uma Guia para Desenvolvimento de Produtos Digitais para o contexto latino-americano. O conteúdo é interativo, com exercícios, ensina pilares desde a ideação até a construção da cultura de produto nas redações.

Além deles, vale acompanhar eventos de inovação no jornalismo, como o SRCCON:PRODUCT e News Product Summit, que tem compartilhado experiências de jornais a partir do desenvolvimento e otimização de produtos.

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Luiza Costa é Mestre e Doutoranda em jornalismo pelo PPGJOR/UFSC e pesquisadora do Objethos