Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Separando terror e terroristas

Em sua coluna de 14/12/08 no New York Times, o ombudsman Clark Hoyt discute a espinhosa questão de como separar terror e terroristas. Começa por citar o exemplo dos 10 homens que desembarcaram de um bote inflável em Mumbai, com metralhadoras e granadas, e assassinaram homens, mulheres e crianças. De início, diz Hoyt, o NYT os rotulou como ‘militantes’, ‘pistoleiros’, ‘atacantes’ e ‘agressores’. Suas ações – que deixaram corpos estendidos na principal estação ferroviária da cidade, em hotéis cinco estrelas, num centro judaico, num café e num hospital – foram descritas como ‘ataques terroristas coordenados’. Mas os homens não foram rotulados como terroristas.

Muitos leitores não compreenderam nem aceitaram a decisão do jornal. E se manifestaram enviando mensagens ao ombudsman. ‘Me sinto ofendido quando o NYT (…) chama os criminosos de ‘militantes’’, queixou-se um leitor identificado como Bill.

O terror que baixou em Mumbai colocou uma questão semântica conhecida para os editores do NYT: a de como designar pessoas que buscam objetivos religiosos, territoriais ou não-identificáveis por meio da violência contra civis. Muitos leitores querem que o jornal compartilhe sua indignação moral – ou opinião política – adotando o termo ‘terrorista’, com todas as suas conotações infames. O raciocínio seria: se é um terrorista, é um inimigo das pessoas civilizadas e sua causa merece menos consideração.

O ato e o ator

Tanto na redação do NYT quanto em suas sucursais no exterior, principalmente na de Jerusalém, muito tem sido discutido sobre o uso da terminologia do terrorismo. Editores e repórteres perguntavam-se se, na tentativa de ser neutro, o jornal não correria o risco de parecer insensível. Entre os questionamentos que enfrentavam estava, por exemplo, por que os responsáveis pelos ataques de 11 de setembro são chamados de terroristas e os assassinos de uma menina adormecida, numa colônia judaica, não são. E diziam que, se o uso da palavra ‘terrorista’ pode ser interpretado como um ato político, também seria um ato político não usá-la.

A questão surge quase sempre relacionada ao conflito entre israelenses e palestinos e, para grande pesar dos simpatizantes de Israel – e, às vezes, do outro lado, quando denunciam ações militares israelenses –, o NYT é sóbrio quanto ao uso do termo ‘terrorista’.

Essa relutância ficou exposta quando começaram os ataques em Mumbai. Graham Bowley, no blog The Lede, no sítio do NYT, afirmou que, consciente da conotação embaraçosa do termo, sabia que ‘teriam que ser ‘atacantes’’ até que o jornal tivesse mais informações. A editora Andrea Kannapell disse a Hoyt que, desde o início dos ataques, estava mais preocupada em saber quem eram aquelas pessoas e o que estavam fazendo do que em como chamá-las.

Para leitores como ‘Bill’, no entanto, estas justificativas não bastam, e quando Jim Roberts, editor do sítio do NYT, leu seus comentários, começou a achar que tinham razão. ‘Atirar em civis de forma indiscriminada parece ser, sem dúvida, um ato de terror’, disse. Mas como separar o ato do ator? Roberts conversou com Kannapell, com o editor de notícias Paul Winfield e com o subeditor Phil Corbett. Winfield, por sua vez, conversou com Ian Fisher, subeditor da editoria internacional. Concordaram que, no caso da matéria sobre Mumbai, o termo ‘terrorista’ seria aceitável.

Atitude ‘moralmente neutra’

Para a consternação de muitos leitores, diz Hoyt, o NYT não chama o Hamas de organização terrorista, apesar de suas ações de terror contra Israel. O Hamas foi eleito para governar Gaza e fornece serviços sociais, faz ações de caridade e mantém hospitais e clínicas. ‘Se uma pessoa trabalha numa clínica do Hamas, essa pessoa é terrorista? Me recuso a discutir essa questão’, diz Corbett.

Hoyt cita um caso que lhe foi contado por Ethan Bronner, chefe da sucursal de Jerusalém. ‘Quando a ação de uma pessoa foi examinada e seu objetivo e resultado definitivamente compreendidos, nós a chamamos de terrorista’. É esse o caso de um libanês que seria trocado por dois soldados israelenses mortos – foi matéria de capa, numa edição de julho. O homem, combatente da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), entrara clandestinamente em Israel 30 anos antes e assassinara um homem e sua filha de quatro anos.

James Bennet, chefe da sucursal do NYT em Jerusalém de 2001 a 2004 e hoje editor da revista Atlantic, escreveu um texto de duas páginas sobre o uso das palavras ‘terrorismo’ e ‘terrorista’ que até hoje é citado pelos editores. Dizia ele que é fácil chamar determinadas ações clamorosamente infames de terrorismo ‘e todo mundo concordar com você’. O problema, acrescentava, é saber onde parar antes de chamar de terroristas todos os palestinos que jogam pedras nos militares israelenses. Bennet dizia que, de início, evitava a palavra ‘terrorismo’ e preferia descrever um ataque em seus mínimos detalhes, deixando ao leitor a decisão sobre como rotular a ação. Mas, ao nunca usar o termo, ficava enjoado por sempre perseguir uma atitude ‘moralmente neutra’. ‘O bombardeio deliberado de estudantes numa cafeteria da universidade ou de famílias reunidas numa sorveteria exige ser chamado por aquilo que é’, defendia Bennet.

Sensato, mas conservador

No texto, o jornalista dizia ainda que adotou uma regra firme: ele usaria as palavras, quando fosse o caso, para descrever ataques cometidos dentro das fronteiras de Israel de 1948, mas não nos territórios ocupados da Cisjordânia e de Gaza, reivindicados por israelenses e palestinos desde 1967. Mesmo quando um pistoleiro se infiltrou numa colônia israelense e matou uma menina de cinco anos em sua cama, Bennet não chamou a ação de terrorista. ‘Tudo o que pude fazer foi descrever o ataque e as vítimas da maneira mais clara possível’.

Na opinião de Clark Hoyt, apesar de sensato, o NYT é mais conservador do que ele próprio seria. ‘Se a idéia é a de semear o terror e abalar consciências, sejam os aviões que se chocaram com o World Trade Center, pistoleiros em Mumbai ou um assassino político no quarto de uma menina de quatro anos, eu chamaria isso de terrorismo – praticado por terroristas’, diz.