Diversos, mas não tantos assim, são os critérios para medir a qualidade de um jornal. Escrevendo semana passada na revista eletrônica Mediabriefing (www.mediabriefing.com), Gerald Boyd, o número 2 do New York Times que se demitiu com o chefe Howard Raines por causa do escândalo Jayson Blair, relacionou sete fatores.
Todos são inquestionáveis, a começar do primeiro – ‘o compromisso inabalável com a comunidade’, seja ela o público de um país, metrópole ou cidadezinha.
Esse compromisso, ele não achou necessário acrescentar, se expressa de inumeráveis maneiras. Uma delas, essencial, é a hierarquização das informações, o senso de proporção que prevalece na escolha do que publicar e como.
Presta o necessário serviço à comunidade o periódico que chama a sua atenção para determinados acontecimentos, ao destacá-los, por seu potencial de fazê-la dar importância ao que de fato importa e, assim, entender melhor as coisas que objetivamente mexem com a sua vida — e não para ‘vender jornal’, ou para promover as verdades dos seus donos (quando as tenham).
Pode-se, portanto, aferir a qualidade do serviço público chamado jornal pelo mesmo metro que este utiliza para tratar de fatos e pessoas. Um exemplo de primeira grandeza, no caso, foi a morte de Celso Furtado nos três principais jornais brasileiros.
Ele morreu no sábado, quando as redações trabalham a meia-bomba e o grosso do material da edição de domingo já está fechado, para o desfrute daqueles leitores de banca que gostam de poder comprar hoje, ao cair da tarde, o jornal de amanhã (menos, talvez, pelas notícias do que pelos classificados de carros e imóveis).
O leitor que tinha nenhuma ou apenas vaga idéia de quem foi Celso Furtado aprendeu com a cobertura que a Folha deu ao seu desaparecimento algumas coisas também sobre este país que ele queria que fosse mais desenvolvido, mais igual — e mais brasileiro.
Tal foi o problema que a morte de Celso Furtado causou ao Globo que o jornal teve que encartar duas páginas extras (A e B) entre as de número 48 e 49, no caderno Economia, para dar conta do recado – o que fez sem vôos espetaculares mas tampouco sem dar vexame. E, na primeira página, abriu uma janela para o ‘guru de gerações’, no lugar de honra do bloco de chamadas nobres entre o logo e a manchetona, com foto da viúva, a jornalista e tradutora Rosa Freire d’Aguiar Furtado, beijando o falecido no velório.
Imperdoável foi o que fez O Estado de S. Paulo: sepultou o morto no pé da página 1, com uma chamadeta de 7 burocráticas linhas. Dentro, deu-lhe apenas uma página com o de praxe e outro 1/4 com um artigo técnico do sempre competente Rolf Kuntz sobre os três grandes livros do estudioso que ‘redescobriu o Brasil’ (Formação Econômica do Brasil, Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, e Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico).
Mas só a Folha de S. Paulo deu ao leitor o que ele precisava (e que Furtado, vai sem dizer, merecia). Manchete no alto da primeira, remetendo também para um necrológio de autoria do diplomata Rubens Ricupero.
Pena que a chamada da Folha, assim como a do Estado, aliás, tenha praticado jornalismo de risco zero, com o chavão ‘um dos mais importantes economistas’.
‘Um dos mais’ quem, cara-pálida? Celso Furtado era ‘o economista brasileiro mais respeitado no exterior’ (Globo, na primeira), ‘o mais importante economista do Brasil’ (Globo, dentro), ‘o mais universal, o mais ‘globalizado’ e traduzido dos brasileiros’ (Ricupero), ‘o maior economista’ (sociólogo Francisco de Oliveira, em outro artigo numa das 3 páginas e duas colunas ocupadas pelo assunto na agilíssima Folha).
O leitor que tinha nenhuma ou apenas vaga idéia de quem foi Celso Furtado aprendeu com a cobertura que a Folha deu ao seu desaparecimento algumas coisas também sobre este país que ele queria que fosse menos desenvolvido, menos desigual – e mais brasileiro.
É nessas horas que os jornais se mostram, ou não, à altura dos ‘compromissos inabaláveis com a comunidade’ de que fala o americano Gerald Boyd.