Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Existe mesmo um risco de golpe e guerra civil?

A semana andou assustada com um anunciado risco de golpe de Bolsonaro, no fim do ano, para não entregar o poder em janeiro de 2023, no caso de ser derrotado. É para levar a sério ou faz parte da tática do presidente? Desde sua posse, Bolsonaro acena aos seus seguidores com uma ditadura, seguidores decepcionados depois do fracasso do 7 de Setembro.

Mas desta vez, não há mais lugar para adiamentos. Faltam apenas seis meses para as eleições e as pesquisas, embora possam errar, assinalam uma rejeição majoritária de Bolsonaro. Caso se confirme a derrota, no final de outubro, Bolsonaro terá dois meses para fazer as malas e limpar as gavetas. Exceto se quiser colocar em prática aquela velha marchinha de Carnaval “daqui não saio, daqui ninguém me tira… ainda mais com quatro filhos…”.

Ora, como se quisesse assegurar aos seus seguidores sua permanência em Brasília, Bolsonaro enviou seu recado, mesmo na sua linguagem disléxica, enaltecendo a necessidade do povo se armar, pois só aceitará eleições com “votos contados” e não nas urnas eletrônicas, dispondo-se mesmo a sacrificar sua vida por isso. Essa conversa de exigir voto impresso já parecia ultrapassada e foi reaberta na última viagem ao Rio Grande do Norte. 

Bolsonaro foi eleito diversas vezes deputado federal com voto eletrônico e nunca se queixou. Porém, logo depois de derrotar Haddad para a presidência, inventou a história de que com voto impresso teria sido eleito no primeiro turno. E vem utilizando sempre esse mesmo argumento, a fim de criar nos seus cegos seguidores a insana ideia de irregularidades nas apurações por antecipação. Ou seja, Bolsonaro disputará as eleições afirmando aos seus eleitores já estar eleito, caso contrário será tramoia e roubo de votos.

O argumento é o mesmo utilizado por Trump contra Biden. Nas eleições norte-americanas, Trump fazia a campanha eleitoral como vitorioso, convencendo seus seguidores de que uma derrota só poderia ser manipulação. Ao ser derrotado, Trump incitou seus eleitores a invadir o Congresso, a pretexto de fraude eleitoral, e impedir a posse de Joe Biden. Cerca de 600 fanáticos, seguidores do movimento Q ́anon, chegaram a invadir o Capitólio e só não mataram senadores norte-americanos por eles terem se escondido. Mesmo assim, cinco pessoas morreram.

Sem grande criatividade, Bolsonaro quer adaptar o mesmo cenário de Trump caso perca as eleições. Porém, com número bem maior de atores, contando para isso com seus seguidores devidamente armados. O gesto da “arminha” e as leis tornando possível a posse de armas já eram uma ideia inicial de provocar uma guerra civil a pretexto de fraude eleitoral, caso não fosse reeleito. Para quem fez campanha eleitoral dizendo ser necessário matar umas 30 mil pessoas, quem é responsável também por cerca de 650 mil mortes na pandemia do Covid por propor remédio ineficaz e não querer comprar vacina logo no começo do surto, não irá se emocionar com mais mortes numa guerra civil.

A semana andou assustada com essa perspectiva de golpe armado, mesmo porque as principais redes sociais mostraram essa possibilidade. Muito bolsonarista se armou, muitos clubes de tiros foram criados e o fanatismo bolsonarista não diminuiu, ao contrário, foi incentivado. Poderia também ocorrer uma utilização dos evangélicos com a utilização maciça de fake news. Não é nenhum delírio imaginar os milicianos já existentes se encarregando de organizar esses grupos de civis, sem se esquecer da possibilidade de uma adesão militar.  

Seria talvez importante se imaginar, desde já, como evitar a transformação das ameaças de Bolsonaro num dramático pesadelo. Medidas preventivas legais que garantam a manutenção da ordem, o respeito ao resultado das urnas, medidas que impeçam o caos no final do ano e consolidem definitivamente a democracia no Brasil. 

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.