INTERNET
Flagrar, fotografar, celebrizar
‘O blog The Sartorialist mostra fotos de estranhos mundo afora, selecionados por outro estranho – Scott Schuman, durante visita ao Rio de Janeiro. O planeta moda inteiro sonha estar lá.
Às 8h21 da manhã de uma quinta-feira, o americano Scott Schuman publica em seu blog, The Sartorialist (em tradução livre, alguém que lida com assuntos relativos a roupas finas e estilo), a foto que tirou de uma bela loira de vestido vermelho, cinto azul e salto alto. A primeira observação chega minutos depois. Até o fim do dia, serão cerca de oitenta apaixonados comentários sobre os sapatos bicolores, a pose elegante e até a combinação de cores entre o vestido e a pichação na parede atrás da completa estranha com quem ele cruzou em suas andanças por Nova York. Diariamente, 90.000 pessoas visitam o Sartorialist – e não existe ninguém ligado à moda, profissionalmente ou por puro gosto, que não dê suas passadinhas por lá. Por causa dessa audiência global e altamente informada sobre tudo o que se relacione à forma de se vestir, Schuman virou uma das pessoas mais influentes do mundo da moda. Embora não tenha um rosto muito conhecido, não se vista de modo extravagante nem sequer seja gay, Schuman pode influenciar modismos com a simples escolha de uma foto. Nascido em Indiana, no Meio-Oeste americano, um dos lugares menos glamourosos do planeta, ele deu duro para chegar ao posto de guru planetário. Trabalhou durante quinze anos para grandes marcas da indústria do vestuário e chegou a ter um showroom de novos estilistas em Nova York. Hoje, aos 40 anos, casado, duas filhas, comanda um negócio em expansão. Além das habituais duas horas diárias batendo pernas (musculosas, como se viu quando esteve no Rio de Janeiro) e fotografando gente, mantém colunas em revistas e sites de moda. Também fotografa ou produz o clima de reportagens de moda e campanhas de grandes grifes, sempre procurando reproduzir o ar de cenas de rua que faz o sucesso do seu site.
A ideia que fundamenta o Sartorialist é simples: fotos de pessoas comuns que cruzam com a Canon 5D de Schuman pelas ruas de grandes cidades. Bem, para quem não é ligado no planeta moda, as pessoas que aparecem lá são qualquer coisa, menos comuns. O segredo está em ter olhos para encontrar gente criativamente produzida ou em simplesmente se colocar no lugar certo – a entrada dos grandes desfiles de moda é garantia de infindáveis personagens. Apesar de extremamente bem-vestidos, os frequentadores dos desfiles perdem, na comparação, para os jovens anônimos que parecem estar sempre expandindo as fronteiras das novidades e dos conceitos de bom gosto. ‘Eu vivo procurando aquela pessoa em que, ao bater o olho, penso: ‘Nunca combinaria essa roupa assim’, define Schuman. ‘Não faço um site sobre moda. Não me interessa se a roupa é Prada ou Zara, se custou caro ou barato, se é vintage ou nova. Faço um registro daquilo que eu considero interessante por um detalhe específico ou pela composição toda.’
Em busca dessas imagens, ele vive viajando: Paris, Milão, Londres, Moscou, Nova Délhi ou Rio, que conheceu em novembro numa sessão de desfiles de moda praia – ocasião perfeita para reunir na mesma foto o relações-públicas Cacá de Souza, de calça estampada e mocassins amarelo-gema, e Hamish Bowles, editor da Vogue americana, de blazer estampado e mocassins fúcsia. Fotos de mulheres bonitas e cheias de estilo são as campeãs de audiência. ‘Mas às vezes pode ser a de uma pessoa que lembra o avô, a avó, ou que atinge um grupo específico’, conta Schuman. Fenômeno de audiência, por exemplo, foi um rapaz de macacão cinza e salto alto fotografado em Paris: recebeu 254 comentários, a maioria frases bem-humoradas que saudavam a petulante ousadia do personagem. No Rio, Schuman circulou menos – e sempre com dois seguranças, o que inibiu a espontaneidade do trabalho. ‘Não há tanta variedade como em Paris, Londres ou Nova York, mas achei homens e mulheres vestidos de forma interessante e sexy’, registra. ‘A sensação que tive é que as pessoas da classe alta se vestem e se portam de forma a ser perfeitamente identificadas com esse grupo. Afinal, quem precisa de variedade quando todo mundo é tão bonito?’, pergunta, sempre fino.
Para Schuman, a cidade mais elegante do mundo é Milão – ganha até da capital francesa. ‘As duas se parecem, mas em Paris é tudo trabalhado no preto, e em Milão, com cores’, diz. Ele garante que não interfere nos fotografados; no máximo dá uma arrumadinha na roupa e orienta a pose ‘para aproveitar melhor a luz’. O blog tem leitores recorrentes, do tipo que faz comentários todo dia, e também pessoas fotografadas em diversas ocasiões, sobretudo se elas circulam no mundo do alto estilo, como o editor de moda paulista Fabrizio Rollo – ‘Um dos melhores personagens do site’, na definição de Schuman. ‘Dramático e seguro em relação ao próprio estilo. As pessoas adoram ou não entendem. Sempre provoca uma discussão interessante.’ Rollo retribui: ‘O blog se tornou uma passarela virtual na qual eu desfilo com muita frequência. Fico feliz, porque é a minha sensibilidade reconhecida pela sensibilidade dele’. Ser selecionado e retratado por Schuman é o ápice da aprovação estética, uma espécie de atestado global de modernidade. O site também funciona como fonte de inspiração e de emulação. ‘As pessoas se interessam e participam porque acham que podem fazer igual, podem aprender’, avalia Schuman. ‘Muitas querem fazer parte daquele mundo, mas ainda não sabem como. Eu entendo isso muito bem, fui criado no Meio-Oeste.’ Alguns fãs mais exibidos extrapolam e mandam fotos que tiraram, de si mesmos ou de conhecidos, para publicação no site. Inútil: Schuman deleta todas. Só ele tem o dom de escolher, clicar e, mesmo que por breves instantes, celebrizar.’
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