Seja quem for o próximo presidente do Brasil são grandes as chances de ele ser recepcionado por uma greve dos caminhoneiros. A situação do setor nunca esteve tão a perigo como nos dias atuais. Os reajustes nos preços do óleo diesel elevaram o litro para mais de R$ 6,20. Os insumos, como peças de reposição e pneus, nunca estiveram tão caros por conta da pandemia da Covid-19 e da guerra entre Rússia e Ucrânia. Qualquer foca de redação sabe que os caminheiros só entram em greve se houver a concordância dos grandes empresários do setor, como aconteceu em 2018, quando uma paralisação de 10 dias custou ao país um prejuízo de R$ 16 bilhões e implodiu o governo do presidente Michel Temer (MDB-SP). Além de colaborar para a eleição de Jair Bolsonaro (PL) a presidente da República. Para nós, jornalistas, a greve de 2018 deixou algumas lições que não podem ser esquecidas. A principal delas foi não termos levado a sério o movimento por desconhecimento do que estava acontecendo. Esse desconhecimento contribuiu para que provocássemos um “efeito manada”, uma corrida dos consumidores aos postos de abastecimento, o que acabou gerando muita confusão e fortalecendo a greve.
Antes uma explicação que considero necessária. Uma das vitórias do movimento grevista dos caminhoneiros em 2018 foi a criação da Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte de Rodoviário de Cargas (PNPM–TRC), que foi regulamentado pela Lei 1.3703/2018. O preço mínimo do frete é controlado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Mas, em última análise, quem determina o preço é o mercado de fretes, que costuma oscilar conforme o andamento da economia ao redor do mundo. E o espaço que o mercado de fretes reserva para o repasse do aumento de custo real é curto. E fantástica a velocidade com que os custos estão aumentando atualmente – há matérias sobre o assunto na internet. Voltando a nossa conversa. O que sabemos sobre a atual situação do transporte de cargas? Temos noticiado aqui e ali pequenas notas no pé da página dos noticiários. A maioria delas são feitas pelos comentaristas econômicos que defendem com unhas e dentes o direito da Petrobras de manter a sua política de preços dos combustíveis alinhados às oscilações dos mercados internacionais. Mas o que fazer se os caminhoneiros ganham em reais e o diesel e outros insumos são corrigidos em dólar?
Mil coisas têm sido sugeridas, como a formação de um fundo especial que amortize os aumentos dos combustíveis. Mas o que o caminhoneiro autônomo anda falando a respeito do assunto pelos postos de combustíveis à beira das estradas? E os empresários do setor, o que eles andam conversando entre as quatro paredes? Esse tipo de avaliação é muito escasso nos noticiários. A greve de 2018 nos deixou como ensinamento que as entidades do setor não têm poder sobre a categoria. Para saber o que está acontecendo é necessário colocar repórteres na estrada para conversar com caminhoneiros e donos de transportadoras. Lembro que, em 2019, houve um rumor de que haveria uma greve. Não aconteceu. Na ocasião, em dezembro daquele ano, publiquei o post Se os donos das transportadoras aderirem, a greve dos caminhoneiros sai e cresce. É escassa a possibilidade dos jornais colocarem repórteres nas estradas para conversar com os caminhoneiros e os empresários do setor. Então, como faremos para informar o nosso leitor? A maioria das cidades do Brasil tem postos de combustíveis onde os caminhoneiros abastecem e dormem. Ali é possível encontrar gente de todos os cantos do país e obter uma ideia aproximada do que está rolando. Um cuidado que precisamos tomar nas nossas matérias é quanto ao uso dos termos “empresários” e “donos das transportadoras”. Porque muitos caminhoneiros são donos de três ou quatro caminhões. Mas os grandes empresários, donos das maiores empresas de transporte de cargas do país, são poucos e desconhecidos. E poderosos, porque além da sua frota própria eles contratam caminhoneiros autônomos e pequenas empresas para levar as suas cargas.
Quem são os grandes empresários do ramo de cargas? Sabemos que a maioria das grandes empresas teve a sua origem em firmas familiares e hoje são sociedades anônimas administradas por CEOs, um profissional que ocupa o cargo de diretor-executivo e tem como meta fazer a empresa dar lucro e os acionistas ganharem dinheiro. Pela prática que tenho em quatro décadas como repórter aprendi que a maioria das informações de boa qualidade e com procedência relevante que se consegue nas grandes empresas de transporte são obtidas em off, o que significa que o repórter precisará ter conhecimento do assunto e confiança na sua fonte para não escrever bobagem. Uma explicação para quem não é jornalista. “Em off” é quando a fonte fornece uma informação sigilosa ao repórter sob a condição de não ser identificada. A pergunta que nós jornalistas precisamos responder de maneira rápida e com um bom grau de certeza para os nossos leitores é simples. Por que os caminhoneiros estão apanhando quietos? Nunca pagaram tanto pelo litro de diesel. Estão quietos porque nós não fomos lá falar com eles? Ou simplesmente estão esperando o governo do presidente Bolsonaro terminar para botarem a boca no trombone? Não podemos ser surpreendidos e sair por aí escrevendo bobagem. Enchendo linguiça e torrando a paciência do leitor lembrando, a essa altura dos acontecimentos, que o Brasil fez a opção errada de ter apostando no sistema rodoviário para o transporte de cargas, deixado no abandono os trens e barcos.
A nossa realidade é que estamos nas mãos dos caminhoneiros e dos donos das empresas de transporte de carga. E eles estão nas mãos da Petrobras. Uma explicação para quem não é jornalista. Encher linguiça é inserir na matéria um monte de informações desnecessárias. Voltando à conversa. A disputa pela Presidência da República está polarizada entre Bolsonaro, que concorre à reeleição, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP). Quem ganhar terá um baita abacaxi para descascar, que é a questão dos preços do diesel, da gasolina e do gás de cozinha. E não terá muito tempo para resolver o rolo. A Petrobras é uma empresa estatal de economia mista, protegida por uma série de leis e decretos que impedem o seu presidente de vergar a coluna para o ocupante do Palácio do Planalto. Como disse, é um baita abacaxi.
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Carlos Wagner é jornalista e trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais.