Existe na cúpula do governo Lula um grupo de auxiliares que insiste na ideia de estatizar a banda larga e conferir à velha Telebrás a função de atacadista dos serviços e gestora da infraestrutura de cabos ópticos em escala nacional. Caberá ao presidente da República e à maioria de seus ministros dentro de duas semanas optar por um dos planos de banda larga em discussão quase secreta, seja o estatizante, seja outro, baseado no modelo das parcerias público-privadas (PPP).
A velha estatal nunca foi uma operadora de telecomunicações, mas apenas uma holding que controlava as 27 subsidiárias do chamado Sistema Telebrás. Seu quadro de pessoal hoje é mínimo: 20 pessoas.
Comparada com a situação atual, a herança da velha empresa foi das mais pobres. Até 1997, o telefone era um serviço elitista. Só as classes A e B podiam ter telefone. A escassez geral levava ao câmbio negro de linhas telefônicas, que chegaram a custar US$ 10 mil em São Paulo. Sem capital para investir, a Telebrás vendia planos de expansão de linhas telefônicas por preços que variavam de US$ 1 mil a US$ 3 mil, de 1988 a 1998.
Comparemos dois períodos das telecomunicações brasileiras. O sistema estatal, em 25 anos (de 1973 a 1998), investiu R$ 60 bilhões. Num período muito menor, de apenas 11 anos (1998 a 2009), as operadoras privadas já investiram R$ 180 bilhões. O crescimento da oferta passou de 24,5 milhões de acessos telefônicos (entre fixos e móveis) para os 207 milhões de hoje.
Em 11 anos, o Brasil saltou de uma densidade franciscana de 14 para os atuais 107 telefones por 100 habitantes. O total de celulares em serviço, que era de apenas 5,2 milhões em julho de 1998, chegou a quase 170 milhões em novembro de 2009. E, ao longo de 2010, quebrará a barreira dos 200 milhões.
Tudo perfeito? Não: ainda falta muito ao País para alcançar o patamar dos mais desenvolvidos do mundo em telecomunicações, especialmente quanto à qualidade do atendimento e à oferta de banda larga.
Papel do Estado
O mundo moderno sepultou a ideia de Estado mínimo, da mesma forma que rejeita o Estado hipertrofiado. O que funciona é o meio termo, do Estado forte, mas enxuto, sem gorduras flácidas, ético, sem desperdício, o mais eficiente possível.
Que missão tem hoje o Estado na área de telecomunicações? Muito mais nobre e relevante do que investir e assumir o lugar das empresas privadas na operação dos serviços de telecomunicações – o verdadeiro papel do Estado – é regular, fixar normas, elaborar programas, formular políticas públicas, estabelecer metas e objetivos, fiscalizar, supervisionar e agir proativamente no tocante à confiabilidade e à qualidade dos serviços, utilizar intensamente as novas tecnologias e a infraestrutura existente visando à implementação do governo eletrônico, estimular as empresas privadas a inovar e a investir permanentemente em pesquisa e desenvolvimento, negociar e conduzir parcerias público-privadas, com a participação de todas as empresas operadoras.
É esse papel que o governo parece ignorar.
Calamidade
Como se comporta o Estado brasileiro na área de serviços? Façamos um rápido balanço dos serviços estatizados e da qualidade da infraestrutura deste País. A previdência social é uma montanha de desserviços e ainda causa um rombo de R$ 45 bilhões por ano. A assistência à saúde e os hospitais estão entre os mais precários do mundo. As estradas federais continuam em estado deplorável. Na escola pública, professores mal pagos, prédios sem segurança, sem conforto mínimo. Em 2007-2008, durante quase um ano e meio, a Infraero e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) nos impuseram o maior apagão aéreo de nossa história. No mês passado, um apagão elétrico alcançou 28 Estados por quase 24 horas. A Justiça continua cada vez mais lenta e ineficiente. A segurança pública, cada dia mais insegura. Acho que esses exemplos bastam.
Por falar em Procon, vale insistir na necessidade de um órgão de defesa do consumidor para todos os serviços, sejam estatais ou privados. Denunciar e punir os maus serviços prestados só por empresas privadas é hipocrisia e meia defesa do cidadão. Se o governo pune (às vezes) maus serviços de concessionárias privadas, seja banco ou empresa aérea, por que não defender, com muito mais razão, o cidadão contra a montanha de maus serviços prestados pelo Estado brasileiro?
Os governos sugam tudo que podem das telecomunicações. Retiram o máximo de impostos e confiscam seus fundos. Esse setor é uma espécie de galinha dos ovos de ouro, pois gera mais de R$ 40 bilhões de ICMS, por ano. De 2001 para cá, o Tesouro Nacional já confiscou cerca de R$ 10 bilhões do Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações (Fust) e R$ 15 bilhões do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel).
Diante desse quadro, que sentido terá recriar a Telebrás e ampliar a esfera de atuação do Estado?
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Jornalista