Quanto mais perto ficam as eleições, mais claras se tornam as intenções golpistas do presidente Bolsonaro. Praticamente toda mídia brasileira e mesmo parte da mídia internacional passou a se preocupar com o risco de golpe nas eleições presidenciais de outubro. Isso devido à insistência com que o presidente procura desqualificar o voto eletrônico e criar um clima de desconfiança e dúvida caso seja derrotado.
Em contrapartida, a semana ajudou a se criar uma certa confiança quanto à não intervenção das Forças Armadas, antes ou depois das eleições, com declarações e análises pelas quais os militares se negam a participar desse tipo de aventura golpista. Em situação normal, já seria suficiente para se restaurar o clima de confiança nas instituições democráticas e abortar as ameaças. Entretanto, se a quase unanimidade das altas patentes militares se manifestam pela legalidade e pelo respeito à Constituição, mais as declarações claras e firmes de ministros do STF e do mundo político, provocaram o esvaziamento da possibilidade de um golpe, não estará assegurado um clima de tranquilidade durante as eleições se as sondagens não forem favoráveis à reeleição de Bolsonaro, agravando-se a partir do momento em que as apurações confirmarem sua derrota.
O golpe proposto, inflado e sempre repetido por Bolsonaro desde seus primeiros dias de governo, tem uma característica própria e se distingue da maioria dos outros golpes, por não visar a conquista do poder, mas sua manutenção no poder. Em teoria, seria um tipo de golpe facilitado ou confortável, pois o presidente, em princípio, teria a máquina em suas mãos e bastaria apertar algumas teclas no seu celular para se transformar de presidente em ditador.
Teria, mas não tem! O governo Bolsonaro foi um fracasso e a atual crise mundial vai lhe tirando os apoios dos seguidores fanáticos sem juízo crítico. Restam os milicianos e os fiéis teleguiados evangélicos, iludidos por pastores charlatães, únicos capazes de engolir a mirabolante história de que a invasão da Ucrânia e a crise econômica mundial decorrente é um sinal do próximo retorno de Cristo. O governo de Bolsonaro já em seus estertores está nas mãos do Centrão, ao qual não interessa promover agora um golpe, mesmo porque os empresários não querem, nem os Estados Unidos e nem o povo, pois existe uma rejeição de cerca de 60% ao governo Bolsonaro, segundo as últimas sondagens.
Então, de onde provêm as inquietações relacionadas com as eleições? Da obsessão de Bolsonaro pelas armas, da sua velha frase na campanha eleitoral (pela qual a PGR ou o STF poderiam ter impugnado sua candidatura em 2018) de que bastaria matar uns 30 mil, do seu símbolo das “arminhas”, do seu apelo para o povo comprar armas em lugar de feijão e da sua nova frase “povo armado não será escravizado”.
Já se tornou evidente “nas quatro linhas” dos discursos de Bolsonaro: ele conclama indiretamente seus seguidores a não aceitar sua derrota, se for esse o resultado das urnas pelo voto eletrônico. Uma recente sondagem mostrou o seguinte quadro: dos 30% de eleitores bolsonaristas, 20% se declararam dispostos a aceitar uma derrota de Bolsonaro, enquanto 10% afirmaram não aceitar uma derrota, considerando-a fraude nas urnas.
Será que todos eles, cerca de 5 milhões, decidirão usar da violência para manifestar seu desacordo? Provavelmente não, mesmo porque comprar uma arma custa caro. Quem se envolve em manifestações armadas corre o risco de ser morto ou gravemente ferido, além de responder a processo no caso de causar a morte de pessoas. Diversas autoridades contrárias ao uso da violência já se manifestaram pela prisão de todos quantos dela participarem. Resta saber se líderes evangélicos como Malafaia, Macedo, Cláudio Duarte e outros convocariam seus seguidores para esse tipo de luta armada, em contradição com o ensino dos Evangelhos.
Mesmo assim, com essas restrições, se Bolsonaro imitar Donald Trump e incitar seus mais fanáticos seguidores à violência, é provável haver algumas dezenas de milhares dispostos a usar suas armas contra instituições ou mesmo pessoas contrárias a Bolsonaro. A hipótese de se criar um clima de luta armada inexiste porque a oposição a Bolsonaro não tem armas e não quer criar um clima de resistência. Ao contrário dos EUA, onde não havia nem mil excitados na invasão do Capitólio, os excitados bolsonaristas poderiam ser em maior número, provocando o caos em diversos lugares.
Bolsonaro poderia se aproveitar desse caos para decretar um estado de sítio, suspender todas as garantias institucionais e provocar um golpe. Entretanto, mesmo que policiais e militares adiram ao começo de rebelião, é mais provável uma rápida intervenção do Exército contra os arruaceiros com prisão do responsável por incitar seus seguidores contra o candidato eleito. Embora possa haver choques em diversos lugares do país com mortes (hipótese pouco provável), o presidente do Senado assumiria a presidência até a posse do candidato eleito. Alguns comentaristas falam que esse clima acabaria levando a um golpe, mas sem Bolsonaro. Entretanto, após o controle das agitações, o mais provável nesta ficção política acima descrita, seria um rápido retorno à legalidade com a posse de todos os eleitos nos seus cargos e a prisão de todos os envolvidos na tentativa de luta armada.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.