‘García Márquez diz que todo jornalismo é investigativo, mas isso é exagero. Escrever sobre o filme que estréia na sexta-feira não envolve nenhuma dificuldade de apuração, mas é jornalismo.’ Assim o gerente-executivo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Marcelo Soares, deu início ao seminário que discutiu investigação e meio ambiente, em Porto Alegre, no dia 20/11.
Convidadas internacionais
‘Os desafios do jornalismo investigativo’ foi o tema do debate inicial. A primeira convidada a discursar foi Barbara Crossette, que dirigiu a sucursal do New York Times na Índia, de 1988 a 1991, e o escritório do jornal norte-americano na ONU, entre 1994 e 2001. Ela alertou sobre a necessidade de se contextualizar as questões ambientais nas reportagens, visto que o meio ambiente não se refere apenas às árvores e praias, mas engloba da economia à saúde, da política à alimentação, do local ao global. Para melhor cobrir os assuntos relacionados ao meio ambiente, segundo ela, é necessário ter uma boa visão comparativa das questões, situando seu país e sua localidade no contexto mundial. A segunda palestrante foi a cubana Adelfa Fiallo Pestano, da TV oficial da ilha.
Jornalismo de desenvolvimento
No painel ‘Para não se perder na selva da informação’ foram debatidas as complexidades dos temas ambientais, soluções para se cobrir questões relacionadas aos transgênicos e o jornalismo especializado. Carlos Tautz, ex-colunista de meio ambiente do Pasquim e hoje pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), foi o primeiro palestrante a explicar o funcionamento do jornalismo ambiental no país. Para ele, o termo mais adequado deveria ser ‘jornalismo de desenvolvimento’, uma vez que meio ambiente, política e economia estão interligados e as denúncias, nestas áreas, buscam contribuir com o desenvolvimento do país.
Tautz falou sobre a dificuldade de se trabalhar e investigar o meio ambiente no Brasil em função da economia e da atuação das holdings. Entretanto, ressaltou o crescimento deste campo de atuação dos jornalistas: ‘O lobby envolvendo o meio ambiente tem um campo enorme para investigação. Jornalismo é política na sua essência e eu falo da ciência política que está envolvida. No Brasil, foi o lobby que venceu a questão dos transgênicos. Somos ainda o maior produtor de soja não transgênica e a Europa só compra produtos não modificados geneticamente. Temos uma reserva de mercado e um poder de barganha que o Lula está abrindo mão. É preciso investir nesse campo’.
Juarez Tosi, membro do Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul, falou sobre a Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental e salientou a importância do repórter, principalmente o ambiental, como a extensão do educador na mídia. ‘A nova consciência deve ser trabalhada e transmitida’.
Marcelo Beraba, presidente da Abraji e ombudsman da Folha de S. Paulo, falou sobre a atual crise de identidade dos jornalistas (em meio à divisão entre redação e assessorias), a crise financeira das empresas e do modelo de imprensa, a importância do jornalismo especializado e a pressão que ele próprio vem sofrendo dos leitores no cargo que atualmente ocupa no jornal.
De acordo com Beraba, os leitores e cidadãos estão mais conscientes e exigentes. ‘O jornalismo está evoluindo justamente por causa deste monitoramento dos leitores e das instituições. Há uma cobrança em relação ao cumprimento dos fundamentos do jornalismo: observação, entrevista, pesquisa, documentação e verificação. É uma tendência que só vem para melhorar a imprensa’.
O jogo do off
Sob o tema ‘A independência no jogo cruzado das fontes’ foram levantadas questões relacionadas ao acesso primário à informação. Hélio Schuch, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), apresentou a teoria dos jogos, ainda pouco conhecida no Brasil, que pressupõe interação humana e pode ser aplicada em qualquer situação, não apenas no jornalismo. ‘O jogo do off‘ foi o título que ele utilizou para explicar a relação estratégica e matemática entre repórter e fonte.
‘No jogo, os jogadores são racionais, ou seja, estrategistas. A interação é egoísta, porque os dois querem ganhar. No jornalismo, a informação é assimétrica: a fonte sempre sabe mais que o repórter, mas também deve ganhar algo com isso, já que é proprietária da informação. É o ‘toma-lá-dá-cá’. O jornalista só suaviza a sua dependência com a fonte quanto mais conhecimento e poder de estratégia ele tiver, como num jogo de xadrez.’
Maurício Tuffani, jornalista da revista PrimaPágina e membro fundador da Abraji, falou sobre a Rio-92. Em sua análise, deixou claro que jornalismo, principalmente o especializado, não é um mero tradutor de termos científicos. ‘A investigação deve ser feita com conscientização e comprometimento com o leitor. As reportagens ambientais que encontramos na imprensa ficam baseadas nas fontes do governo e das ONGs, gerando uma cobertura oficialista e pouco investigativa. A Abraji vem lutando pelo acesso legal de informações de interesse público e é preciso que se explore, dia-a-dia, as brechas para a veiculação de reportagens sobre meio ambiente.’
Poucos presentes
A Abraji foi criada em dezembro de 2002 e, desde então, promove cursos e seminários com o objetivo de aperfeiçoar o trabalho dos jornalistas brasileiros. Apesar do alto nível das discussões e do ineditismo do tema em seminários realizados no país, o público de Porto Alegre ficou aquém do esperado.
Somente 15 pessoas se inscreveram e tiveram contato com os especialistas presentes, embora a divulgação tenha sido feita corpo a corpo nos principais veículos de comunicação da capital gaúcha. Dois dos participantes eram jornalistas de Rondônia e atravessaram o Brasil para prestigiar o evento e debater jornalismo investigativo e ambiental. Infelizmente, os profissionais e estudantes locais ainda não se deram conta da lacuna que a Abraji preenche com seus seminários e a possibilidade de interação que proporciona com importantes jornalistas.
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Estudante de jornalismo da PUC-RS