Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Leitura imperdível

Não escrevi sobre o Caso Proconsult, como Jeroen van Graaf, professor da Ciência da Computação da UFMG chegou a me pedir um dia que o fizesse, mas Paulo Henrique Amorim e a Maria Helena Passos escreveram por mim. Imperdível a leitura da reconstituição do Caso Proconsult de 1982, a primeira tentativa de fraude eletrônica nas eleições brasileiras. O levantamento histórico, via jornais e publicações da época, mais depoimentos, estão perfeitos na minha suspeita opinião de brizolista. Paulo Henrique e Maria Helena resgataram, definitivamente, o Caso Proconsult.

Um belíssimo trabalho jornalístico que merece todos os prêmios essos disponíveis (http://plogdopaulohenrique.zip.net/arch2004-11-14_2004-11-20.html).

O trabalho se encerra com a citação do livro de Elio Gaspari, no trecho em que Golbery comenta que, para fazer coisas como essas, fraudar via computador uma eleição, é preciso competência. Em 1982, o SNI não teve essa competência. Só que a partir de 1986, infelizmente, passou a ter. Tanto que foi exatamente nesse ano, em cima do recadastramento eleitoral tocado pelo juiz Roberto Wider, no Rio de Janeiro, que começou uma nova saga: a implantação das urnas eletrônicas – processo que só ficou pronto em 1996, 10 anos depois.

Fizeram devagar e direito, tanto que convenceram a população de que as urnas eletrônicas brasileiras – essas mesmas que, por não imprimirem o voto, têm seu uso proibido em 11 estados norte-americanos – são 100% seguras. Não são.

Aqui, nada

Enquanto não existir no Brasil a contraprova do voto eletrônico em papel, para que seja possível a recontagem, a auditoria dos resultados, teremos no país um sistema eleitoral 100% inseguro, como já disse uma vez o engenheiro Amilcar Brunazo Filho, moderador do Fórum do Voto Eletrônico (www.votoseguro.org), a Paulo César Camarão, o secretário de informática do TSE e um dos pais da endeusada (por eles) urna eletrônica brasileira.

Em 1986, ao lado de Procópio Mineiro e Álvaro Queiroz, na Rádio Roquette Pinto, tive a certeza de que as eleições no Brasil eram fraudadas. Naquele ano, os homens aprenderam a fazer a coisa, via computador, quando finalmente Moreira Franco venceu o PDT e Darcy Ribeiro, tornando-se governador. Foi em 1986 que o TRE-RJ, em vez de aperfeiçoar o sistema contra golpes, usando a experiência do Caso Proconsult de 1982, pelo contrário, nos tirou o mapa da apuração. Nós, partidos políticos e militantes, passamos a não poder mais conferir o resultado da eleição. Passou tudo às mãos da Justiça Eleitoral, e o jeito, a partir de então, foi cruzar os dedos e rezar. Como é até hoje, com as urnas eletrônicas inseguras que temos, que não permitem auditoria, recontagem ou fiscalização.

Novo golpe contra a democracia ocorreu em 1989, quando o PDT solicitou ao TSE uma auditoria internacional do programa de totalização que seria usado na eleição daquele ano, a primeira direta para a Presidência da República, e o TSE – como se fosse a coisa mais natural do mundo – indeferiu o pedido, sem sequer se justificar. No Peru, pelo mesmo motivo, o candidato da oposição se recusou a disputar o pleito contra Fujimori e foi um escândalo internacional. Aqui nada aconteceu: nós do PDT ficamos sozinhos, sem mídia, sem nenhum outro partido para ajudar, absolutamente sós. O TSE fez a eleição do jeito que quis. Não foi à toa – na minha suspeita opinião – que Francisco Rezek deixou o Supremo, depois de presidir o TSE em 1989, e se tornou ministro de Collor. Quando explodiu em escândalos a República das Alagoas, voltou ao Supremo renomeado pelo moribundo Collor. Bela trajetória é isto, o resto é conversa.

Debate na metrópole

Desconfiar da Justiça Eleitoral naquela época era coisa de brizolista maluco. Ninguém nos ouviu, infelizmente. Depois vieram as ‘urnas’ eletrônicas, que de urnas não têm nada. São máquinas programáveis que até 2000 tinham 25% de seu software considerado ‘de segurança nacional’ e infiscalizável. E que hoje são ‘fiscalizáveis’ no período e no ambiente que a Justiça Eleitoral determina. O que na prática continua tornando-as infiscalizáveis, segundo o pessoal que entende do riscado, reunido no Fórum do Voto Eletrônico

Hoje, infelizmente, os homens – embora tenha acabado a ditadura – têm competência para fraudar eleições e nós, cidadãos, precisamos lutar contra essa ‘competência’. Por isso digo sempre que a luta continua. Um dia, sei lá quando, erguerão uma estátua para os listeiros do voto eletrônico – esse exército brancaleone que Amilcar Brunazo Filho, aos trancos e barrancos, juntou em torno da página do voto seguro, no ar desde 1998, que luta pela lisura do processo eleitoral no Brasil.

Ainda bem que essa discussão começa a avançar nos EUA. E, já que lá na metrópole as coisas estão acontecendo, aqui no Brasil começam a nos ouvir também. Imaginem se no plebiscito da Venezuela o Hugo Chávez não tivesse usado urna eletrônica com impressão do voto? Não deixem de ler o texto de Paulo Henrique e Maria Helena Passos. Fico feliz que tenha sido escrito e esteja na internet. Repassem.

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Jornalista