Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O futuro em pauta





Elaborar, indicar e sugerir políticas públicas é o objetivo da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), iniciada na noite de segunda-feira (14/12), em Brasília. O encontro, organizado pelo governo federal, reúne os diversos setores da sociedade e tem como objetivo aprovar propostas para guiar as ações do governo. Ministérios, sindicatos e organizações não-governamentais selecionaram 59 propostas das mais de seis mil que foram discutidas ao longo do ano nas conferências regionais.


Entre as mais polêmicas, estão as que prevêem a criação de mecanismos para fiscalizar o setor privado de rádio e TV. O fortalecimento dos veículos estatais e públicos, a concessão de outorgas de rádio e TV a ocupantes de cargos públicos, a regulamentação das rádios comunitárias e o incentivo à imprensa regional também estão na pauta na conferência. A maioria dos empresários da área de comunicação e das entidades patronais optou por não participar do evento, o que gerou fortes críticas à Confecom.


O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (15/12) pela TV Brasil avaliou o que está em discussão na conferência e, para isso, contou com a participação de especialistas em mídia. Em Brasília, estiveram presentes a jornalista Elvira Lobato e o jornalista e sociólogo Venício A. de Lima. Repórter especial da Folha de S. Paulo, Elvira Lobato tem 36 anos de profissão. Venício Lima, colunista do Observatório online, é pós-doutor em Comunicação e fundador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (Nemp), da Universidade de Brasília. No estúdio do Rio de Janeiro, o convidado foi o jornalista Nelson Hoineff, produtor e diretor de televisão. Hoineff é especialista em novas tecnologias de TV e presidente do Instituto de Estudos de Televisão (IETV).


Imprensa sob censura


Antes do debate ao vivo, na coluna ‘A Mídia na Semana’, Alberto Dines avaliou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter a censura imposta a O Estado de S.Paulo. Há mais de quatro meses o jornal está impedido de publicar informações sobre Fernando Sarney, filho do senador José Sarney (PMDB-AP), obtidas na Operação Boi Barrica, da Polícia Federal. Dines classificou a decisão como ‘surpreendente e chocante’ e disse que o senador saiu vitorioso do episódio. ‘Assim como na ditadura os militares consideravam-se legitimados a determinar o que poderia ser publicado ou não, agora temos os censores togados escolhendo a seu bel-prazer o que a imprensa pode informar’, criticou.


Para o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) Maurício Azêdo, entrevistado para o programa, a decisão do STF fere o Estado Democrático de Direito. ‘A instância que deveria ser a guardiã das garantias constitucionais, que é o Supremo Tribunal Federal, tem adotado decisões que são prejudiciais à integridade do regime democrático entre nós’, disse. Azêdo acredita que, com esta decisão, o Supremo ‘deu um aval’ à censura prévia – que é expressamente proibida pelo artigo 220 da Constituição Federal.


No editorial que precede o debate ao vivo, Dines ressaltou que os veículos de comunicação não gostam de se discutir e que, por isso, o maior mérito da Confecom é a sua própria realização. ‘Nunca é demais lembrar que os três setores não se importaram muito com o misterioso sumiço do Conselho de Comunicação Social. Previsto na Constituição como órgão auxiliar do Congresso, o Conselho de Comunicação Social (CCS) teve curtíssima duração e como já lembramos inúmeras vezes neste Observatório até hoje ninguém se deu ao trabalho de explicar por que razão evaporou-se e foi desativado’, disse. Dines destacou que as propostas geradas na Confecom podem superar as ‘omissões e a obsolescência de uma comunicação concebida antes da era da Comunicação’.


Comunicação em pauta


A reportagem produzida pelo programa entrevistou Franklin Martins, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). Para o ministro, é necessário modernizar a estrutura legal das comunicações no Brasil sem que isso represente uma ameaça à liberdade de imprensa. A expectativa do ministro em relação ao encontro é positiva porque o Brasil precisa discutir ‘de forma aberta e ampla os problemas, impasses e desafios da Comunicação’.


Franklin Martins acredita que a conferência tem que responder aos problemas atuais, pois o panorama é de convergência de mídia acelerada. ‘Dentro de muito pouco tempo vai ser difícil dizer o que é um sinal de radiodifusão que se recebe em um aparelho e o que é o sinal que se recebe, por exemplo, através da tecnologia de 3G, banda larga, em um mesmo aparelho’, explicou. O ministro acredita que o importante será o conjunto final de propostas da Confecom – que será enviado aos poderes Executivo e Legislativo e posteriormente devolvido para a sociedade continuar a discussão. ‘Se você me perguntar o ponto alto desta conferência, é que o tema da Comunicação volta à agenda nacional’, afirmou.


Fabiano Angélico, coordenador de projetos da organização não-governamental Transparência Brasil, disse que o setor de comunicações não é transparente, sobretudo em relação às concessões dos canais de rádio e TV. ‘As emissoras de rádio e TV são concessões públicas. Ou seja, são empresas, mas exploram o espaço público. Por isso, têm um vínculo com a sociedade e deveriam ser mais transparentes’, cobrou. O Ministério das Comunicações, na avaliação de Angélico, não repassa aos cidadãos as informações necessárias para o acompanhamento do setor.


Outro ponto levantado por Angélico foi a distribuição de verbas oficiais para publicidade, entendido por ele como uma forma de intimidação do jornalismo investigativo, combativo e crítico. ‘Os governantes lançam mão deste artifício para intimidar, silenciar ou ao menos passar recados sutis para os meios de comunicação no sentido de que eles sejam mais `amigos´ do poder’, disse. Ele defende que o Estado intervenha no setor de comunicações, mas ressaltou que é preciso regras claras para que a sociedade possa se proteger de maus governantes.


Um caldeirão de opiniões


No debate ao vivo, Dines pediu para Elvira Lobato, que está trabalhando na cobertura da Confecom, contar o porquê de o ministro das Comunicações, Hélio Costa, e João Saad, representante da Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra), formada pela Band e pela Rede TV!, terem sido vaiados na abertura da Confecom. A jornalista explicou que havia na platéia uma forte presença de grupos ligados a rádios e TVs comunitárias, que reivindicam a concessão de canais de radiodifusão. Para este segmento, o ministro é identificado com o empresariado, por isso representa um entrave à pulverização da concessão de emissoras. ‘Aquilo ali é um caldeirão. Há pessoas representando os mais diversos e antagônicos pontos de vista’, relatou.


Em seguida, Dines perguntou se Venício Lima concorda que a Confecom deveria ter começado com uma manifestação contra a manutenção da censura ao Estado de S.Paulo. O entrevistado explicou que a conferência é dotada de uma ‘sistemática muito especial’ para o encaminhamento de debates e propostas. Até o momento, apenas na sessão de abertura houve espaço para livres manifestações. Durante a maior parte do primeiro dia do encontro, os trabalhos estiveram voltados para a discussão do regimento interno, que deveria ter sido aprovado antes do início do evento.


Nelson Hoineff acrescentou que o empresário João Saad passou boa parte do dia ‘ameaçando cair fora’ do evento devido à discordância sobre as questões de encaminhamento das propostas. Desta maneira, dificilmente a conferência irá abrir espaço para temas como o embargo ao Estado de S.Paulo. Hoineff destacou que o Projeto de Lei nº29, aprovado recentemente pela Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, abre caminho para uma ‘mudança de peso’ em toda a área da TV por assinatura. Está prevista, por exemplo, a entrada oficial das operadoras de telefonia na distribuição de conteúdo. Outro ponto importante é o espaço para a difusão de conteúdo nacional, que retoma a discussão sobre a natureza da TV por assinatura. Ao longo dos anos, no Brasil, o setor vem sendo tratado como apenas um serviço.


A questão do controle da mídia fora do Brasil


O programa explicou como funcionam os sistemas de controle da mídia nos Estados Unidos e no Reino Unido por intermédio da participação de correspondentes. O jornalista Caio Blinder, de Nova York, contou que o poder regulatório da Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos (FCC, na sigla em inglês), uma agência independente, está em uma ‘encruzilhada histórica’. Questiona-se o que a comissão deve fazer para ajudar a ‘velha imprensa’ e manter o ‘sinal verde’ para inovações tecnológicas sem incentivar monopólios de comunicação, favorecer determinados setores e preservar os interesses dos consumidores. Blinder disse que a agência está ficando ‘mais agressiva’ para defender a abertura na internet e, assim, mostra-se mais próxima aos provedores de conteúdo e aplicativos que querem o acesso irrestrito à rede mundial de computadores.


Sílio Boccanera, jornalista baseado em Londres, disse que o Reino Unido controla a mídia eletrônica com uma estrutura parecida com o FCC, mas oferece um modelo peculiar de supervisão da mídia impressa, a Comissão de Queixas da Imprensa (PCC, na sigla em inglês), que examina questões de supostos abusos de jornais e revistas. O órgão de auto-regulamentação é composto por um comitê de 17 pessoas, a maior parte representando a sociedade, que examina os casos de acordo com um Código de Ética Nacional, subscrito também pelos órgãos de imprensa. O órgão de auto-regulamentação não impõe multas ou determina prisões, mas o Código de Ética é respeitado por empresários e jornalistas. Uma violação pode prejudicar a carreira de um profissional de imprensa.


Na volta do debate no estúdio, Dines perguntou a Venício Lima de que forma o Brasil pode agir para adotar mecanismos de observação da imprensa, uma vez que o Conselho de Comunicação Social está paralisado. O sociólogo relembrou que durante a Constituinte, uma das propostas mais polêmicas foi a criação de um conselho de comunicação nos moldes da FCC americana. ‘Nunca se conseguiu isso no Brasil. Um acordo de última hora articulado pelo então deputado federal Artur da Távola conseguiu incluir a criação do CCS como órgão auxiliar do Congresso Nacional, vinculado fisicamente e estruturalmente ao Senado’, explicou. O conselho só foi instalado 12 anos depois da promulgação da Constituição, funcionou por dois anos e está inativo há três. ‘Nós não temos tradição de debate entre os diferentes atores interessados na área no nosso país’, avaliou.


***


Iniciativa bem-vinda


Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 532, exibido em 15/12/2009


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Se esta é mesmo a era da comunicação, é imperioso comunicá-la. Comunicá-la e discuti-la. Sobretudo nos seus aspectos concretos, imediatos. No entanto, os veículos de comunicação são geralmente reservados: não gostam de se discutir, como se os comunicadores tivessem receio dos comunicados.


O maior mérito da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) é a sua própria realização. Convocada pelo primeiro setor, o governo, teve entusiástica adesão do terceiro setor, as entidades não-governamentais. Mas o segundo setor, a iniciativa privada, inicialmente renitente, acabou afastando-se definitivamente: das sete corporações empresariais da mídia, apenas uma participou do evento. Ponto para a única que permaneceu.


Nunca é demais lembrar que os três setores não se importaram muito com o misterioso sumiço do Conselho de Comunicação Social. Previsto na Constituição como órgão auxiliar do Congresso, o Conselho de Comunicação teve curtíssima duração e, como já lembramos inúmeras vezes neste Observatório, até hoje ninguém se deu ao trabalho de explicar por que razão evaporou-se e foi desativado.


A Confecom recebeu cerca de 6.200 propostas, a maioria claramente retórica, mas na abertura e ao longo do dia de hoje nenhuma ONG ou movimento social lembrou-se de protestar contra a decisão do STF que manteve – e até legitimou – a censura prévia imposta ao Estadão. Esperemos que a omissão seja reparada amanhã ou depois. Com este renascimento da censura não adianta discutir a comunicação.


De qualquer forma, as propostas geradas pelos diversos órgãos do primeiro setor, devidamente debatidas pelo Legislativo e a sociedade, podem superar as omissões e a obsolescência de uma comunicação concebida antes da era da comunicação.


***


A mídia na semana


Todas as decisões do STF são históricas mas a manutenção da censura imposta ao Estado de S.Paulo, além de surpreendente e chocante, converte a nossa Suprema Corte na grande referência para justificar a censura judicial.


Assim como na ditadura os militares consideravam-se legitimados a determinar o que poderia ser publicado ou não, agora temos os censores togados escolhendo a seu bel-prazer o que a imprensa pode informar.


A grande vitoriosa foi a família do senador José Sarney, cujos negócios foram devassados pela Polícia Federal. O Estadão foi impedido pelo Tribunal de Justiça de Brasília a publicar os relatórios da PF graças ao voto de um desembargador ligado à família Sarney. Agora os magistrados do Supremo evitaram contrariar seus colegas do TJ da capital sem se importar com a confusão que provocaram na cidadania.


Se a Justiça tornou-se uma corporação profissional, quem será a garantidora do estado de direito democrático?