Quanto mais a eleição se aproxima, mais eu me pergunto como vai ser a cobertura da imprensa até lá, sobre o que vamos tratar das redes sociais ao telejornalismo. E como? Quem vai pautar quem? Quais serão as fontes? Quem vai ter espaço pra falar? Quem irá ouvir? Quem será ouvido? Será que o jornalismo aprendeu alguma coisa com suas crises e transformações? Será que o período mais assustador da pandemia, que colocou o jornalismo como protagonista na produção de informações, trouxe mudanças no modo de atuar, contar histórias e informar?
O jornalismo ajudou a construir e a conduzir novas perguntas e novas respostas, a promover o debate em torno das dúvidas que tínhamos, passou a entrevistar as pessoas por outros meios e encontrou formas de aproveitar uma tendência e passou a negociar de alguma forma, por necessidade, a produção de conteúdo das pessoas a respeito da pandemia.
Foram pacientes fazendo vídeos dentro de hospital, médicos em alas onde os jornalistas não conseguiam entrar, dialogando muitas vezes com as produções. Outras vezes não, mas de alguma maneira com impacto no jeito de reportar. Passamos a pensar mais nas histórias e nas experiências que as pessoas tinham com um tema novo e uma realidade que não podia ser comparada com nada que o mundo já tivesse vivido. Mesmo quando lembravam e pautavam outras epidemias.
Entrou em questão um cabo de força importante, hoje num novo contexto tecnológico e de disputa narrativa, que é a presença dos jornalistas e das jornalistas no local e a negociação e importância dos leitores, hoje produtores de conteúdo, que estão entre a tensão de pressionar a produção jornalística, participar dela ou produzir fora dela, hoje direto em suas contas digitais.
E agora? E a cobertura política e da realidade brasileira deste ano? A pandemia do coronavírus ainda é pauta, passou por momentos de interesse diferentes desde a crise inicial, ensinou novas maneiras de debater, foi laboratório também de narrativas, inclusive para o jornalismo.
E depois disso? E agora em ano eleitoral? O que a cobertura jornalística aprendeu desde a cobertura da eleição de 2018, com uma pandemia no meio, que impactou tudo e também o jornalismo, e mais as transformações e crises do próprio setor, que continua a acontecer sem parar. Para rememorar, quando falo em crises e transformações, penso especialmente nas transformações tecnológicas e no jornalismo digital que acontece de forma preponderante e quase exclusiva.
E quando falo em crises, penso nas fakenews, na apropriação da forma e do conteúdo jornalístico para espalhar mentiras, materiais sem checagem, perda de protagonismo diante de tantas formas diretas e individuais de produzir conteúdo, na falta de possibilidades de financiar conteúdo independente. E ainda na insistência de modelos velhos como as reportagens de televisão que passam minutos e minutos lendo documentos que são destacados como se estivessem sendo marcados com caneta marca-texto e falados em voz off.
Depois de 2 minutos daquela leitura de um parecer, um documento do STF, uma nota oficial, eu me pergunto quem ainda deve estar assistindo, prestando atenção à reportagem e entendendo a leitura. Porque produção audiovisual contemporânea e que engaje as pessoas é que não é.
Voltando aos meses que antecedem às eleições, essas perguntas fazem sentido na hora de procurar conteúdo e narrativas que nos apresentem o que será esse pleito, que pautem questões fundamentais da realidade e da política brasileiras.
Por onde andará a narrativa jornalística? Claro que é uma pergunta para muitas respostas. Porque se a diversidade de conteúdo e de plataformas indica a impossibilidade de uma resposta apenas, os públicos diversos também provocarão produtos, projetos e narrativas diversas para que a atenção e os interesses de diferentes grupos gerem engajamento sobre o tema.
Ainda assim me pergunto pra onde vamos na cobertura desse processo eleitoral, que se trata dos meses anteriores e do período do pleito. Estamos atravessando essas questões e esses meses pensando nas formas de divulgação de pesquisas eleitorais, na escolha de enfatizar ou não as declarações oficiais de toda ordem, de instituições e pessoas, que geram interesse, entrevistas, reportagens, manchetes sobre temas suscitados por elas.
Mas e os temas específicos ou nacionais, locais ou de grupos como serão abordados? Vamos andar algumas casas no jogo ou modelos, declarações e fontes apenas vão se repetir quatro anos depois? É o grupo do WhatsApp que vai ditar as pautas e as explicações? Ou o jornalismo vai assumir um novo lugar perto do protagonismo que foi capaz de encontrar durante a pandemia?
Para pensar em possibilidades que podemos explorar e desenvolver formas de renovar a linguagem e aproveitar tendências, penso no que anda fazendo mais uma vez a produção historiográfica.
Por algumas décadas o jornalismo abriu mão de um potencial intrínseco, que eram as informações coletadas nas ruas, bairros e nas histórias das pessoas e, de uma forma geral, preferiu dar espaço crescente às declarações oficiais e institucionais. Tá aí um dos motivos da crise.
Por outro lado, a História como área fez o caminho inverso. Largou a preferências pelas grandes narrativas e os protagonistas oficiais e institucionais para olhar para as fontes subalternas e invisibilizadas. Décadas depois, a História Pública se pergunta, seguindo também transformações que atingem todas as áreas que contam a realidade, como produzir pesquisa historiográfica mantendo o rigor, mas pensando nos públicos, em engajamento e em como se comunicar.
Essa área, que se desenvolve em diferentes instituições de pesquisa e países do mundo, se pergunta como produzir para um ou mais públicos, no público e, sobretudo, com o público. Essa última pergunta é a mais desafiadora e ao mesmo tempo cheia de possibilidades porque ela considera que é preciso pensar sobre autoria e autoridade. E vale a pena se perguntar e se desafiar a produzir nesses termos.
É não produzir apenas para um público de pesquisa ou acadêmico, mas para a sociedade em outros lugares, com outras linguagens e seguindo uma tendência da comunicação contemporânea, que é achar o público, ir até onde ele está. A necessidade de engajar as pessoas e apenas de informar. E que as possibilidades tecnológicas e digitais fazem parte desse desafio e também geram possibilidades.
O jornalismo pode dialogar com essa busca da História porque passa por questões parecidas e por respostas também possivelmente semelhantes e desafiadoras. Como produzir para diversos públicos, incluindo também uma diversidade de fontes, de lugares sociais e, sobretudo, como produzir com as pessoas.
É a pergunta se faz quando se fala a respeito de jornalismo cidadão, onde as pessoas também produzem e não apenas consomem informação. E quando as pessoas produzem por conta e fazem de suas redes sociais o seu espaço para compartilhar o que produzem. Muitas vezes sem critérios e sem checagem de informações, mas outras provocando questões que o jornalismo parou de perguntar ou não se levanta do home office frequentemente para isso.
Faremos isso na cobertura do processo eleitoral?
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Vanessa Pedro é jornalista e pesquisadora associada do objETHOS