Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

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Jornalistas, professores ou estudantes de jornalismo talvez não se lembrem, nestes últimos dias do ano, de algumas das principais manchetes da imprensa nacional ou internacional em 2009. No entanto, a categoria certamente não esquecerá o quanto o ano foi profícuo em relação aos debates sobre a formação dos jornalistas brasileiros.


Em fevereiro de 2009 foi empossada no Ministério da Educação uma Comissão de especialistas em Comunicação com a tarefa de discutir e elaborar novas Diretrizes Curriculares para a formação de jornalistas no país, em substituição ao documento anterior, de 2001.


A Comissão organizou uma série de audiências públicas. O objetivo era dialogar com a sociedade civil, levando em consideração, na elaboração do documento, a fala dos diferentes setores interessados em colaborar com o processo de gestação das Diretrizes.


Assim, as discussões não se restringiram às escolas de Comunicação Social, à imprensa, suas categorias profissionais ou ao Ministério da Educação. Importantes setores da sociedade brasileira, especialmente organizações não-governamentais ligadas à defesa dos direitos humanos e do jornalismo, participaram dos debates.


As cidades do Rio de Janeiro, Recife e São Paulo sediaram, nos meses de março, abril e maio, respectivamente, os encontros. No conjunto das discussões, alguns pontos importantes foram levantados, como a defesa da qualidade do ensino do jornalismo e a defesa do diploma para o exercício da profissão. No entanto, o eixo basilar foi o entendimento do jornalismo como uma instituição a serviço da democracia e da cidadania.


Simultaneamente às audiências, as diretrizes foram pauta constante em eventos profissionais e acadêmicos da área. Mas a novidade foi que a sociedade civil pode colaborar com o debate também virtualmente. Através da internet, foi possível disponibilizar indicações sobre qual deveria ser o perfil do profissional do jornalismo e assinalar as competências a serem adquiridas pelos alunos nos anos da graduação.


Eventos mais específicos também ocorreram para subsidiar as discussões. A última dessas audiências, por exemplo, ocorreu na capital paulista dois dias depois do encerramento do I Encontro de Cursos de Jornalismo da Região Metropolitana de São Paulo, na Escola de Comunicações e Artes da USP, sob coordenação do professor José Coelho Sobrinho. A formação cidadã do jornalista e as mudanças nas Diretrizes Curriculares foram o tema do evento e acabaram por acalorar a audiência em São Paulo.


Diploma


Entretanto, uma surpresa estava sendo gestada e muitos dos protagonistas desses debates foram pegos desavisados. No dia 17 de junho, a versão online do jornal Folha de S.Paulo trazia a notícia da decisão que foi exaustivamente discutida e comentada nas redações e escolas de Comunicação Social: ‘Supremo derruba exigência do diploma para jornalistas’.


As justificativas do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, tiveram invariavelmente o tom de que o jornalismo, ao contrário de profissões como a medicina ou a engenharia, não coloca em risco a sociedade quando praticado de forma equivocada. Assim, ‘não há razão para se acreditar que a exigência do diploma seja a forma mais adequada para evitar o exercício abusivo da profissão’, avaliou Mendes.


No entanto, as questões relativas ao fim da obrigatoriedade do diploma não se encerraram aí. Ao contrário, talvez a decisão do Supremo as tenha levado a outro nível que pode implicar debates mais democráticos e participativos sobre a questão. Ao longo do ano, representantes públicos, entidades de profissionais da imprensa e escolas de jornalismo buscaram reverter o ato do STF. 2010 trará novidades nesse sentido.


Enquanto o debate sobre o diploma ganhava novos contornos com a decisão do STF, a elaboração das Diretrizes Curriculares continuava na agenda da sociedade brasileira e na pauta da imprensa.


Novas diretrizes


Em setembro, a Comissão de Especialistas entregou ao Ministério da Educação uma proposta (ver aqui). O parágrafo final das novas diretrizes foi claro em relação ao diploma e à natureza do documento.


Nele, a comissão ‘manifesta sua crença na formação superior específica para o exercício da profissão de jornalista’. E prossegue afirmando que ‘A responsabilidade social do jornalismo, seu papel essencial na democracia e a competência específica exigida para exercê-las, lidando com as novas tecnologias, aspectos enfatizados ao longo deste documento, recomendam uma formação fundamentada na ética, na competência técnica, no discernimento social e na capacidade crítica, habilidades que só podem ser adquiridas em uma sólida formação superior própria’.


Assim como o capítulo do diploma, as páginas das diretrizes também não foram completamente escritas. O ano que vem trará novas discussões a seu respeito nas escolas, na imprensa e em alguns setores da sociedade.


Entretanto, o importante é pensarmos que as inquietações levantadas em 2009 em torno dos jornalistas e da sua formação são, sem dúvida, mostras de uma cidadania nacional presente no protagonismo e nas vozes de uma parcela dos seus cidadãos.


A posição contundente dos representantes do povo brasileiro em relação à suspensão da obrigatoriedade do diploma e a sua participação nos embates sobre as Diretrizes conseguiram amalgamar não apenas discursos de cidadania e democracia. Essa posição constitui, na verdade, uma praxis dessa cidadania e democracia.


Educação e cidadania


Discutir educação – ainda que seja do ponto de vista da formação do jornalista – e informação – mesmo que seja no tocante ao jornalismo – é certamente salutar como reflexão e exercício da vida em comunidade. A discussão do diploma é importante, mas nada mais fundamental que debater a qualidade da formação. É ela que torna o diploma indispensável.


E pensar a formação de jornalistas traz, em seu bojo, a certeza que refletir sobre o conceito e a função social do jornalismo é incondicional para o seu ensino e para a formação de jornalistas. Este foi o ponto alto da apresentação do trabalho de pós-doutorado em Jornalismo da professora Nancy Ramadan, no começo de dezembro, na Universidade do Minho, em Portugal. A pesquisadora, professora da Escola de Comunicações e Artes da USP, salientou que essa reflexão é tão importante quanto permanente e inesgotável.


Independente dos interesses por trás da suspensão do diploma ou dos contentamentos e descontentamentos em relação às diretrizes, poucas vezes parcelas da sociedade brasileira discutiram tanto a imprensa e a formação dos seus profissionais. Por conta disso, este ano chega ao fim com um saldo muito positivo para o jornalismo e para todos nós – jornalistas, professores, estudantes e sociedade – que o fazemos, que o ensinamos, que o aprendemos e que o vivenciamos incansável e cotidianamente. Essa é uma boa notícia deixada por 2009 e merece primeira página.

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Jornalista, doutorando e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, professor universitário e pesquisador das relações entre Jornalismo, Educação e Cidadania, atualmente realiza pesquisas de doutorado na Universidade do Minho (Portugal), com apoio da Capes