Mesmo com os recursos da tecnologia da informação e das novas ferramentas de comunicação, certas características da concorrência entre os jornais ainda permanecem e podem criar situações curiosas. Uma delas acontece na terça-feira (22/12): a Folha de S.Paulo anuncia, em uma pequena nota no pé da primeira página, que o ministro Arnaldo Esteves Lima, do Superior Tribunal de Justiça, suspendeu toda a Operação Satiagraha, investigação da Polícia Federal que condenou o banqueiro Daniel Dantas a dez anos de prisão.
A chamada remete a uma nota na coluna da jornalista Mônica Bergamo, o que sugere que se trata de informação exclusiva, pois para isso existem essas colunas.
Mas a notícia está longe de ser um ‘furo’: o principal concorrente da Folha, o Estado de S.Paulo, e o Globo, publicam a mesma informação em manchete e dedicam a ela muito mais espaço, com mais detalhes, o que indica que seus jornalistas tiveram tempo bastante para trabalhar o material.
Na disputa por melhor esclarecimento, os leitores da Folha foram lesados.
Suspeito blindado
Difícil acreditar que a Folha considerou ter acesso exclusivo à decisão judicial, porque a notícia já estava disponível na Redação antes das 21 horas de segunda-feira e foi publicada na edição online do jornal às 21h11.
Qualquer jornal concorrente teria tempo de tomar conhecimento do fato e correr atrás de fontes para reproduzir a notícia. O mais provável é que a decisão de publicar a nota na coluna e não como reportagem na editoria de Brasil tenha sido tomada pela direção do jornal.
Tentar imaginar as razões pelas quais a Folha omitiu detalhes da informação de seus leitores seria dar curso a meras especulações. Ainda mais porque o jornal paulista já foi acusado de favorecer o banqueiro Dantas em sua contenda com a Polícia Federal.
Além do mais, a decisão do STF atinge diretamente o juiz Fausto Martin De Sanctis, personagem que provocou polêmicas na imprensa justamente por sua obstinação em condenar o banqueiro. A decisão do ministro Arnaldo Esteves Lima bloqueia qualquer ato da operação contra Daniel Dantas, incluindo a ação penal pela qual ele foi condenado por corrupção ativa e o processo principal por crimes financeiros, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
Como os tribunais entram em recesso, a operação contra Daniel Dantas fica suspensa até fevereiro, e nesse período o juiz De Sanctis não poderá baixar qualquer ato e nem mesmo determinar novas investigações contra o acusado.
O suspeito está blindado pela Justiça e o juiz foi colocado sob suspeição.
O que vem por aí
A decisão do ministro Arnaldo Esteves Lima encerra com nova polêmica um ano cheio de controvérsias, embora não haja nenhum elemento no perfil do magistrado, disponível na internet, que autorize dúvidas sobre sua conduta.
Consta que ele tem grande experiência como julgador, demonstra visão abrangente em matéria de direitos e garantias individuais e costuma questionar o senso comum. E é justamente no chamado senso comum que repousa toda a polêmica que envolve Daniel Dantas.
Neste ano que se encerra, o Judiciário esteve em destaque. Há quem diga que apareceu demais, para as conveniências de discrição do poder. Na política, tivemos a partilha igualitária de escândalos entre os principais partidos. Na economia, o Brasil passou do catastrofismo à euforia, sem escalas.
A imprensa começou o ano enterrando antes da hora as chances brasileiras de retomada do crescimento – criticou abertamente a declaração do presidente da República de que a crise internacional se manifestaria por aqui como uma marolinha – e terminou embarcando na euforia da Bolsa de Valores. Depois, participou ativamente no processo de antecipação da campanha eleitoral de 2010.
Alberto Dines:
Jornalistas cobrem os fatos do dia, mas não podem perder de vista o que aconteceu ontem e assim, combinando presente e passado, ficam preparados para conjecturar sobre o futuro. Na sua última edição de 2009, tal como fez em 2008 com o mesmo grupo de especialistas, o Observatório da Imprensa na TV fará uma prospecção sobre as grandes tendências para 2010. Venha participar desta reunião de pauta, aberta a todos. Nesta terça-feira às 23 horas pela TV Brasil, ao vivo em rede nacional. Em São Paulo pela NET, canal 4 e TV-A, canal 181.