É positiva a iniciativa da Fenaj de enviar para o Congresso Nacional sua proposta de substitutivo para o projeto de lei de criação do Conselho Federal de Jornalismo. O novo texto, disponível no site O Jornalista (http://www.ojornalista.com.br/news1.asp?codi=791), ajuda a ampliar a discussão sobre a regulamentação da profissão, pois resgata alguns dos temas que foram excluídos do texto enviado pela entidade sindical ao governo em dezembro de 2002. Eu havia criticado essas exclusões no artigo ‘Como a Fenaj esvaziou o debate sobre o CFJ’, neste mesmo Observatório (edição 296, de 28/9/04, veja remissão abaixo).
Apesar das mudanças agora sugeridas, e de não constar mais no texto a menção à natureza de autarquia anteriormente proposta, o novo texto parece não esboçar uma entidade distinta do padrão dos demais conselhos profissionais. Aliás, seria muito interessante que o Conselho Federal da OAB – que, segundo consta, teria ajudado a elaborar a nova proposta – dirimisse algumas dúvidas. Para isso, vale a pena retomar em outro contexto alguns questionamentos já apresentados anteriormente.
‘Princípio de isonomia’
Uma das principais alterações previstas no novo texto é a mudança do nome do órgão proposto. De ‘Conselho Federal de Jornalismo’, passaria para ‘Conselho Federal dos Jornalistas’, assim como o de cada um de seus órgãos regionais de ‘Conselho Regional de Jornalismo’ para ‘Conselho Regional dos Jornalistas’.
O objetivo dessa proposição seria, com base em declarações anteriores de membros da Fenaj, o de descaracterizar a intenção de ‘orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo’, como passou a constar no projeto de lei após a reelaboração da proposta da Fenaj, pela Casa Civil da Presidência da República. [Veja a tabela ‘Como era e como ficou a proposta de criação do CFJ’ em (http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/
download/289JDB005.doc)].
Apesar dessa alegada intenção de não estender o poder de fiscalização do CFJ e dos CRJs às empresas jornalísticas (o novo texto refere-se somente às ‘sociedades de jornalistas’), fica a dúvida se o substitutivo efetivamente exclui ou não essa finalidade explicitada no projeto de lei para os veículos de comunicação. Esta dúvida se coloca na medida em que tal atribuição é prevista por lei que vale para todas as entidades fiscalizadoras do exercício de profissões:
‘O registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros.’ (Lei 6.839, de 30 de outubro de 1980, art. 1º)
Em outras palavras, há muito o que discutir ou pelo menos se esclarecer sobre esse ponto, uma vez que existe essa lei em cuja ementa consta que ‘dispõe sobre o registro de empresas nas entidades fiscalizadoras do exercício de profissões’. Vale lembrar mais uma vez as palavras da juíza Luísa Hickel Gamba, da 2ª Vara Federal de Joinville:
‘A exigência atende ao princípio de isonomia, já que é por meio dela que se submete o exercício da profissão por pessoa jurídica às mesmas condições ou qualificações profissionais exigidas para o exercício por pessoa física.’ [Luísa Hickel Gamba, ‘Aspectos materiais da inscrição nos conselhos de fiscalização profissional’, in: Vladimir Passos de Freitas (org.), Conselhos de Fiscalização Profissional: Doutrina e Jurisprudência, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2001, pág. 174]
Público vs. privado
Curiosamente, o substitutivo que agora é proposto para o CFJ imita a lei que institui o Regulamento da OAB, na medida em que ela define a entidade dos advogados como ‘serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa’ – embora o texto da Fenaj acrescente ‘serviço público não governamental’. O substitutivo também imita a OAB (Lei 8.906, de 4 de julho de 1994), pois se furta à definição de ser o CFJ uma entidade de direito público ou privado, que é um tema controverso até mesmo entre juristas, especialmente na área de direito administrativo público.
O Conselho Federal da OAB foi explícito na sua sugestão de o CFJ não ser uma autarquia:
‘O projeto deve prever também, conforme visão do pleno da OAB, apoio à criação de uma entidade dos jornalistas ‘numa estrutura não vinculada ao Poder Público e, portanto, não-autárquica’’. [‘OAB aprova Conselho de Jornalistas e sugere aprimoramento’, 19/10/2004, (http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=2964)]
Mas a questão da natureza jurídica dos conselhos profissionais já foi julgada em novembro de 2002 ao apreciar artigos de medidas provisórias do governo FHC que tentaram fazer os conselhos profissionais passarem a ser de direito privado. Foi quando o STF entendeu que a atribuição de poder de polícia desses conselhos implica considerá-los entidades de direito público, vinculadas à administração pública. Como já mencionamos neste Observatório, em seu parecer, o relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 1.717-6, ministro Sidney Sanches, afirmou que sua análise…
‘(…) leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados’.
Desse modo, salvo melhor interpretação – e para isso seria interessante o posicionamento explícito da OAB e também de outros juristas –, parece que fica totalmente sem efeito no substitutivo da Fenaj o parágrafo 1º do artigo 1º que afirma que ‘O CFJ não está vinculado a quaisquer entes estatais’.
Não seria também interessante o Conselho Federal da OAB esclarecer se sua colaboração com a Fenaj representa um consenso do pensamento jurídico brasileiro ou se baseia em tema controvertido? Com a palavra, os doutores da lei.
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Em tempo: Valeu a pena participar do debate, no dia 11 de novembro, em Florianópolis, na IV Semana de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, com José Carlos Torves, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul, organizado pelos alunos do curso. Inicialmente previsto com a participação do presidente da Fenaj, Sérgio Murillo de Andrade, o evento foi uma demonstração de que é possível uma discussão em torno de idéias e de princípios, fugindo à polarização maniqueísta que se estabeleceu desde o anúncio do envio do projeto de lei do CFJ para o Congresso Nacional. Mais que isso, foi possível realizar um debate com o discernimento de que ser contra o CFJ não significa necessariamente ser defensor dos barões da mídia nem ser contra qualquer tipo de regulamentação, assim como ser a favor dessa proposta não implica ser teleguiado dos ministros José Dirceu ou Luiz Gushiken. Torves atuou como um debatedor honesto e transparente; defendeu a criação do CFJ e os CRJs, mas nem por isso se furtou a reconhecer pontos questionáveis do PL, como os artigos que previam a nomeação da primeira diretoria do órgão pela Fenaj. E felizmente a entidade propôs a retirada dessa excrescência em seu novo texto.