Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Veja

TELEVISÃO
Sérgio Martins

‘Eu me sentia rejeitado’

‘Na sexta-feira passada, a Rede Globo exibiu o último capítulo da minissérie Maysa – Quando Fala o Coração. Biografia romanceada da cantora carioca Maysa (1936-1977), ela obteve a excelente média de audiência de 29 pontos – mas foi também uma vitória pessoal de seu idealizador, o diretor Jayme Monjardim. Filho de Maysa com o industrial André Matarazzo, Monjardim nasceu em maio de 1956 na cidade de São Paulo. No ano seguinte, seus pais se separaram. Com a morte de Matarazzo, em 1964, Maysa colocou Jayme num colégio interno na Espanha. A decisão deixou profundas marcas no filho. Jayme se sentiu rejeitado e passou anos sem falar com a mãe. Ele e Maysa se reconciliaram em 1975, dois anos antes da morte da cantora. No fim dos anos 70, ele ingressou no mundo artístico. De seu currículo constam sucessos de audiência como Pantanal, na extinta Rede Manchete, e O Clone, na Rede Globo. Cinco anos atrás, fez sua estreia no cinema com o filme Olga, que teve mais de 3 milhões de espectadores. Monjardim falou com a reportagem de VEJA em sua casa no Rio de Janeiro.

Depois da morte de seu pai, sua mãe o deixou num internato na Espanha. O senhor ficou lá dos 7 aos 17 anos. Qual foi o peso dessa experiência?

Em quase dez anos, minha mãe nunca me visitou e me mandou apenas duas cartas. Nas vezes em que saí do colégio para encontrá-la, fui incorporado à equipe que a acompanhava em seus shows. Fiquei noites intermináveis sentado em banquinhos, esperando o fim de uma apresentação. Ou então trancado num quarto de hotel. Lembro de dizerem: ‘Fechem a porta para o Jayminho não fugir’. Foi um período terrível, de muita angústia.

Sua mãe chegou a lhe explicar a razão de um afastamento tão prolongado?

No fim da vida de minha mãe, toquei nesse assunto. Ela não soube responder. Disse que já não lembrava o motivo de me deixar na Espanha, longe da família e do Brasil. Ela mesma, quando criança, foi para um colégio interno – mas por apenas dois anos. Gosto de pensar que entre as motivações, fossem quais fossem, houve algumas positivas. Minha mãe queria que eu tivesse uma cultura europeia para, quem sabe, assumir a administração dos negócios deixados por meu pai. Suponho que também quis, de alguma forma, me preservar de seus próprios problemas – com álcool, por exemplo.

O senhor chegou a odiar sua mãe?

Ódio é uma palavra forte demais. Houve um período na infância em que o sentimento dominante foi de rejeição. Eu me perguntava cotidianamente o que havia feito de errado para ser esquecido tão longe, num colégio interno em outro país. Depois veio a revolta. A gota d’água se deu em 1970, quando voltei ao Brasil – e ela não foi me buscar no aeroporto. Fui para a casa dela e tivemos uma briga homérica. Tempos depois, fui morar em São Paulo com os meus tios. Nosso afastamento parecia irremediável. Mas então, cerca de dois anos antes de sua morte, fui visitá-la em sua casa em Maricá, no litoral do Rio de Janeiro, e criamos um novo laço.

O que aconteceu nesse reencontro?

Eu estava partindo para uma viagem quando senti o impulso de visitar minha mãe. De repente, eu me dei conta de que ela tinha se tornado uma mulher muito solitária – e eu nem sequer falava com ela. Tivemos uma linda conversa e segui viagem. Quando voltei, retomei o contato. Em um ano e meio, recuperamos dezoito anos de estranhamento. Viajamos juntos, rimos e sofremos juntos. A partir daquele encontro, eu passei a defender minha mãe na imprensa e briguei com inúmeras pessoas que insistiam em lhe oferecer bebida.

O senhor viu sua mãe alcoolizada?

Infelizmente, sim. Nada é mais desagradável do que ver seu pai ou sua mãe tendo uma crise de alcoolismo. Eles perdem a razão e às vezes tomam atitudes para as quais você não está preparado – por exemplo, pular de um carro em movimento. Até hoje me lembro em detalhes de alguns desses momentos terríveis. Os cheiros, os sons estão marcados a fogo na minha cabeça. Havia duas Maysas. A primeira era uma pessoa alegre, amorosa e descontraída. A segunda era a Maysa que bebia e ficava agressiva e temperamental.

Há um momento da infância que o senhor relembre com carinho?

A melhor lembrança que tenho é de quando ela cantava para mim. Eu estava ali, sentado na coxia de um teatro, e de repente minha mãe saía do palco e cantava A Noite do Meu Bem olhando para mim. Ela me encarava de tal maneira que eu ficava numa confusão de sentimentos. Muito emocionado – a tal ponto que, às vezes, chegava a sentir medo.

É verdade que sua iniciação sexual ocorreu com a ajuda de sua mãe?

A escola em que estudei era extremamente rigorosa. Era simpática ao ditador espanhol Franco e os professores nos batiam por qualquer motivo. Nesse ambiente repressor, era difícil até olhar para uma mulher. Para dar uma ideia da situação, nós íamos à loucura ao ver os joelhos das meninas que arrumavam nossos quartos e limpavam nossos sapatos antes da hora de dormir. Então, aos 13 anos, eu fiz uma das minhas visitas ao Brasil. Numa conversa, minha mãe me perguntou se eu já tinha tido alguma espécie de contato com uma mulher. Eu disse que não. Ela então me disse: ‘Tenho uma amiga que quer te levar para passear, conhecer os lugares bonitos do Rio’. Saí com essa mulher e aconteceu. Não foi uma relação profissional. E também não foi uma atitude constrangedora por parte de minha mãe. Foi uma das boas coisas que ela fez por mim.

Sua mãe foi uma transgressora?

Sim. E essa foi uma das características de sua história que me motivaram a fazer a minissérie. Maysa foi transgressora porque ousou viver com prazer e sofreu profundamente. Muitas pessoas sonham em ser como ela, mas lhes falta coragem para isso. Minha mãe falava o que pensava, nunca teve meias palavras e foi intensa em todos os sentidos. Isso é raro. Todo mundo se esconde atrás de uma máscara. Maysa, não. Nunca teve vergonha de assumir o que era e sabia que despertava nas pessoas à sua volta uma sensação de preocupação e medo.

Qual a importância musical de Maysa?

Ela representou a transição do período das cantoras do rádio para a bossa nova. Começou como uma mulher que, ousadamente, despejava seus sentimentos na canção. Quando a bossa surgiu, aderiu ao novo gênero. O disco Barquinho, de 1961, foi um dos primeiros lançamentos de uma grande cantora a trazer compositores de bossa nova. Ela também foi a primeira artista a levar a bossa nova para os palcos internacionais. No exterior, era acompanhada pelo Tamba Trio. O escândalo é que os artistas de bossa nova mal tocam no nome da minha mãe. Somente o Roberto Menescal lhe dá o devido valor. A maioria se refere a ela como ‘a cantora que namorou o Ronaldo Bôscoli’. Ninguém diz que Barquinho teve uma repercussão maior do que a de qualquer outro disco de bossa nova lançado naquele momento, muito menos que foi ela quem levou João Gilberto para cantar na televisão pela primeira vez. Minha mãe foi injustiçada.

A série transmite a ideia de que o grande amor de Maysa foi seu pai, André Matarazzo. Foi isso mesmo?

Não tenho dúvida de que ela morreu apaixonada pelo meu pai. Ela estabelece isso muito bem em seu diário. No dia em que conheceu meu pai, escreveu: ‘Hoje eu encontrei o homem da minha vida’. Minha mãe era obcecada pela ideia de ser muito feliz, de se relacionar com um homem que a aceitasse como ela era. E se sentiu muito frustrada em não poder realizar essa ideia com o André. Durante muitos anos, procurou em outros homens uma relação de amor como ela encontrara com meu pai. Para mim, ela morreu amando meu pai. E o Manoel Carlos, que escreveu a minissérie, também acha isso.

Por que o senhor aboliu o sobrenome Matarazzo?

Porque quando eu comecei a trabalhar como cineasta as pessoas implicavam com o sobrenome Matarazzo. Eu ia pedir patrocínio para fazer meus filmes e tinha de ouvir as pessoas falando: ‘O cara é Matarazzo, não precisa de dinheiro para nada e vem se meter a fazer cinema?’. Elas achavam que o patrocínio só era válido para os cineastas que tinham nascido pobres e ralavam na vida. Eu comecei a me sentir discriminado porque me chamava Matarazzo e não podia fazer cinema. Passei a assinar Jayme Monjardim porque as pessoas iam falar que, sendo filho de artista, eu podia ter mais chances.

De que maneira esses sentimentos de filho interferiram em seu trabalho ao dirigir Maysa?

Quando Manoel Carlos aceitou escrever o roteiro da série, teve essa exata preocupação. Insistiu que eu teria de esquecer os vínculos pessoais, caso contrário o trabalho seria impossível. Eu sabia que era capaz de alcançar o distanciamento necessário, não apenas porque tenho 52 anos e sou um profissional maduro, mas também porque já sofri tudo o que tinha de sofrer e já expiei tudo o que havia para expiar no que diz respeito à relação com minha mãe.

Houve momentos da gravação em que o senhor deixou esse distanciamento de lado?

Sim, houve alguns momentos em que fiquei emocionado. Como na cena do acidente de carro que tirou sua vida ou na cena em que a gente se despede. Mas eu tinha um compromisso com o elenco. Não podia simplesmente cancelar a gravação e dizer: ‘Gente, hoje não vamos gravar porque estou emocionado’. Eu fazia as cenas e depois ia chorar no meu canto.

Como a minissérie vai se refletir em sua carreira?

Posso dizer tranquilamente que minha trajetória se divide em a.M. e d.M. – antes e depois de Maysa. A série é muito rica em detalhes. Tive a oportunidade de me esmerar na direção de arte, de trabalhar a luz de cada cena, de usar um elenco de atores pouco conhecidos e burilar cada personagem, de editar com tempo e carinho. A minissérie foi um enorme passo à frente para mim. Além de todo o significado pessoal.

Qual sua ambição como diretor?

Quero fazer filmes populares, para a massa. Em vez de ser o Antonioni, quero ser o Fellini. Em vez de ser o François Truffaut, quero ser o Steven Spielberg. E decidi que não vou mais me importar com certos preconceitos do meio artístico brasileiro. Em outros países, a classe artística reverencia quem está indo bem. Aqui, você faz um filme com mais de 3 milhões de espectadores, como foi meu caso com Olga, e seus colegas ficam com raiva. Nenhum deles liga, nem que seja para lhe dizer: ‘Olha, eu não gostei do filme, mas o sucesso contribui para o cinema brasileiro’.

Duas mulheres com quem o senhor foi casado tiveram papel de destaque em suas novelas. Em Maysa, o senhor empregou dois filhos. Isso não é nepotismo?

Anos atrás, era comum deparar com grandes diretores da Globo casados com estrelas. Era o Paulo Ubiratan casado com a Natália do Vale, o Roberto Talma casado com a Maria Zilda. Por conta disso, virou comum achar que determinada atriz tem um papel de destaque porque está casada com o diretor de novela. Nada disso. Ingra Liberato e Daniela Escobar, pessoas com quem eu tive um relacionamento e por acaso tive a felicidade de dirigir, são grandes atrizes. Não posso negar à minha mulher um trabalho que ela mereça fazer. Com Jayminho e André, que aparecem em Maysa, aconteceu a mesma coisa. O Manoel Carlos pediu para eles fazerem um teste. Na hora, eu fiquei apreensivo porque era uma exposição muito grande. Mas o Jayminho fez o teste e conquistou o papel graças a seu talento. Já dei oportunidade a tanta gente nova, por que negaria uma chance a minhas mulheres e meus filhos?

O senhor se considera um bom pai?

Tive uma dificuldade imensa em ser pai. Como eu poderia dar afeto e atenção se não sabia o que era isso? Jayminho e Maria, meus filhos mais velhos, sofreram muito. Não dei 20% do que um bom pai poderia dar. Eu era ausente, e me escondia atrás do trabalho. Com meu filho mais novo, André, creio que cheguei aos 80%. Espero que alcance a marca de 100% caso tenha outro filho.’

 

Comédia financeira

‘O quadro Manda Quem Pode, Obedece Quem Tem Juízo, que o Fantástico exibe nos quatro domingos deste mês, não tem nada de original. Inspira-se numa série da BBC sobre adolescentes usuários de drogas e repete a fórmula didática de dissecar e organizar o orçamento de uma família utilizada com frequência pelo programa. No entanto, o quadro é campeão de cartas e, nas duas vezes em que foi ao ar, a audiência do Fantástico, que registra média de 26 pontos, subiu 6 pontos. Isso se deve a Wellington Amorim, sua mulher, Mônica, suas filhas, Ingryd e Bruna, e sua sobrinha Jéssica. Moradores do subúrbio carioca de Santíssimo, eles têm renda familiar de 2 000 reais, estão endividados até o pescoço e são um daqueles achados que fazem a alegria da produção de qualquer reality show. Wellington, sócio de uma oficina mecânica, sustenta as quatro mulheres e dois cachorros, Jorge e Mel. Além destes, acaba dando comida também a um cão de rua negro, sugestivamente batizado de Obama, que não sai da porta da casa porque Mel está no cio. Mônica, a mãe, passa as manhãs cantando e dançando músicas de Claudia Leitte. Quem faz comida e passa roupa é o mecânico.

Ingryd, de 15 anos, a filha consumista que ficou responsável por colocar ordem no orçamento da casa, tem crises de choro quando falta dinheiro para as contas e se queixa do programa. ‘Comer macarrão com alguém te filmando é horrível’, diz ela, de prato na mão, com uma espontaneidade que impressiona Luiz Nascimento, o diretor do Fantástico. ‘Eles não se intimidam diante das câmeras’, afirma. É fato. Os Amorim expõem seus sonhos de consumo em rede nacional com candura comovente: comprar bijuteria na praia, pedir no restaurante um prato de peixe frito com limão, adquirir uma daquelas raquetes que eletrocutam mosquitos. Só não esperavam que tamanha sinceridade acabasse acrescentando uma despesa ao orçamento. O diretor da companhia de água e esgoto do Rio notou que a conta de água não aparecia entre as despesas da casa e mandou fiscais ao local. Descobriu que a família e mais dezoito vizinhos faziam ligação clandestina de água. Agora, todos terão de regularizar a situação.’

 

Isabela Boscov

Uma gente diferente

‘Um produto desenvolvido pelos japoneses desencadeou uma revolução de costumes: graças ao TruBlood, um sangue sintético que imita quase à perfeição o original humano, os vampiros que assim o desejam podem viver como seres sociais, sem mais se alimentar na jugular de inocentes. Milhares deles, então, saíram do armário – ou do caixão. Junto com eles, emergiu uma subcultura que agora quer ter direito à propriedade, ao voto, ao casamento. E, como seria de esperar, uma onda de resistência se formou também. Grupos religiosos invocam o fogo do inferno contra a abominação de seres que não são mortos nem vivos; e a gente do interior ouve com desconfiança os rumores sobre pessoas depravadas que se entregam ao sexo perigoso com vampiros (as mordidas são imprescindíveis durante a transa), ou sobre as redes para o tráfico de ‘V’ – o sangue dos vampiros, que, em seres humanos, tem o efeito de uma droga ultrapotente. Gente provinciana como, por exemplo, a de Bon Temps, na Louisiana, um desses redutos sulistas em que a valentia dos soldados confederados na Guerra Civil dos anos 1860 ainda é comemorada. Bon Temps, assim, entra em polvorosa com a chegada de seu primeiro vampiro. Não estivesse ele morto há um século e meio, William Compton (Stephen Moyer) seria um herói local, já que lutou pelo Sul durante a Secessão. Mas, quando ele aparece para reclamar a casa da família e se encanta com a garçonete Sookie Stack-house (uma adorável Anna Paquin), ‘Vampire Bill’ logo se torna suspeito de uma série de assassinatos que estão abalando Bon Temps. Esse entrecho ao mesmo tempo fantasioso e crivado de comentário social é o ponto de partida de uma série instigante – True Blood, que estreia neste dia 18, às 22 horas, no canal HBO.

Depois de se dedicar a uma família californiana de agentes funerários em A Sete Palmos, o criador e roteirista Alan Ball passa aqui para o gótico – e o cômico, o romântico, o dramático e o policial: um dos trunfos de True Blood é não se ater a convenções de gênero, fundindo-os todos de maneira quase sempre fluida. Como na série anterior e no roteiro de Beleza Americana, porém, Ball tem um ponto firmemente em vista. Em oposição à imagem de mobilidade social ilimitada da sociedade americana, ele argumenta que as regras para a aceitação são restritas: ter a cor, a orientação sexual, a origem, a profissão ou a crença ‘errada’ joga o indivíduo à margem. Donde todos estão de certa forma à margem, e lutando para se incluir em um círculo ideal que nunca se abrirá de fato. Sookie, que tem o dom incômodo da telepatia, sempre foi considerada diferente – mas, ao se envolver com Bill, percebe que a sua exclusão é muito mais extensa do que imaginava. Os pensamentos que ela ouve (e que às vezes são manifestados alto e bom som) sobre si própria e sobre os vampiros são de um preconceito mesquinho e chocante. Muito mais, ainda, por nada terem de original. São todas aquelas velhas frases que já foram ditas, e não raro continuam a sê-lo, sobre os negros, os judeus, os homossexuais e todos os outros que em algum momento sejam alvo de desfavor. Em True Blood, os vampiros são só mais uma dessas classes – e certamente não a última.’

 

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