A expressão ‘responsabilidade histórica’ foi fortemente lembrada e repetida em Copenhague, no âmbito das operações de relações públicas nas discussões sobre um novo tratado climático global. Depois dos slogans marqueteiros da responsabilidade social e da sustentabilidade, empresas e governos nada comprometidos com as causas ambientais, a responsabilidade histórica esteve nos discursos de Sarkozy e Lula.
Responsabilidade histórica é o conjunto das responsabilidades corporativas. Ou seja, a comercial, a ambiental, a social e a cultural, ao longo da história da organização – que examino em meu livro Relações Públicas: na construção da responsabilidade histórica e no resgate da memória institucional das organizações, lançado em 2007. Mais do que tudo, a responsabilidade histórica é a forma como a sociedade vê e se relaciona com temas como o tempo, a memória, a vida e a morte, questões que as discussões do tratado climático de Copenhague colocaram na mídia global, de maneira doutrinária e filosófica. Nunca a vida e a morte foram discutidas em tal dimensão: bilhões de humanos discutem temas que uma dúzia de gregos geniais passou a vida debatendo.
O tempo, como nosso pai e algoz, está implícito na discussão do nosso destino diante das questões que envolvem as conseqüências do aquecimento global. Francisco Goya, na sua alegoria pintada entre 1821 e 1823, que retrata Saturno devorando os seus filhos, o tempo – Cronos para os gregos e Saturno para os romanos – é representado como o ministro da morte. O que nos lembra a irreversibilidade do fim e sua contraposição, quando o tempo é pensado de maneira cíclica, que aponta para um eterno recomeço: a visão milenar dos dias e estações que sempre voltam e de uma humanidade que tem os seus mortos substituídos pela eterna juventude.
Os desastres anunciados
Homero expressa, em um trecho da Ilíada, o pensamento grego acerca do tempo cíclico e suas renovações: ‘Tal o nascimento das folhas, tal o dos homens. Há folhas que o vento espalha por terra, mas a floresta potente produz outras, a Primavera retorna. O mesmo sucede aos homens: nasce uma geração, a outra finda’ (A Ilíada. Homero. Editora Europa-América, pág.92, 1999). O antigo desenho circular da serpente que morde o próprio rabo representa também o atributo desse tempo que repete eternamente suas criações, uma idéia de tempo que tranquiliza porque promete outras existências e a possibilidade de resgatar vidas estupidamente perdidas ou esvaziadas pela falta de entusiasmo ou rumo.
Em nossos dias, essa idéia entrou em crise, assim como as idéias de Deus e do progresso inevitável. De tal forma que, ante os desastres anunciados, principalmente os ecológicos, ficamos simultaneamente sem mitos e sem ciência. Restam-nos as toneladas de dióxido de carbono produzidas na passagem para o ano de 2010 nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e outras, como exemplos de má responsabilidade histórica.
Feliz 2010.
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Jornalista, professor da ECA-USP e diretor-geral da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)