Uma velha piada entre jornalistas recomenda: ‘Nunca deixe os fatos atrapalharem uma boa matéria’. Especialmente, ao que parece, quando se pode ajeitá-los.
Durante o atual ‘julgamento’ de Tiger Woods via tabloides, o exemplo mais notório disso foi uma reconstituição por computador do acidente de trânsito que o golfista sofreu. O vídeo mostra uma simulação robótica da mulher dele, Elin Nordegren, perseguindo-o com um taco de golfe, contou Noam Cohen no New York Times.
A animação foi criada pela empresa Next Media, de Hong Kong, dona de jornais sensacionalistas como o Apple Daily. Os vídeos, que se baseiam em relatos da internet e de jornais, foram realizados por programadores, designers, animadores e atores. Representam a forma como os profissionais acham que os fatos ocorreram.
Ou não.
‘Trata-se de uma criação’, disse ao Times Ken A. Bode, representante do espectador junto ao grupo sem fins lucrativos Corporação para a Televisão Pública. ‘Como algum jornalista taiwanês sabe o que aconteceu entre Tiger Woods e a mulher dele?’ Mesmo assim, o vídeo, em chinês, já foi visto mais de 2,3 milhões de vezes no YouTube.
‘Não saber’ não impediu que promotores italianos no julgamento da universitária norte-americana Amanda Knox exibissem uma animação em vídeo mostrando como eles acham que sua colega de moradia Meredith Kercher foi morta, segundo o Times.
Essa versão mostra Knox numa briga com Kercher, enquanto seu namorado segura uma faca no pescoço da vítima e outro cúmplice a agarra por trás.
A animação incluía fotos horripilantes da autopsia de Kercher, talvez conferindo um ar de autenticidade ao que era pura especulação. Knox, 22, e seu ex-namorado italiano Raffaele Sollecito, 25, foram condenados por homicídio.
Loucos demais
Podemos estar entrando em uma era na qual a separação entre a simulação em vídeo e a realidade foi borrada a ponto de as pessoas terem dificuldades para distingui-las. Mas Daisy Li, roteirista da Next Media e responsável pelo vídeo sobre Tiger Woods, confia no seu público. ‘Os leitores podem diferenciar que isso é uma ilustração’, afirmou ela ao New York Times.
Em outra reportagem, John Anderson disse que o cineasta James Cameron está tentando ‘dissolver a barreira entre emoção humana e animação’ em seu novo filme, Avatar, que custou US$ 230 milhões e usa um avançado processo digital chamado ‘captura de atuação’, que traduz os movimentos de um ator em imagem gerada por computador.
É algo que pode ou não revolucionar o cinema. Avatar, do mesmo diretor de Titanic, estreou neste mês em 107 países e já faturou US$ 232,2 milhões nas bilheterias.
Gert Nielsen, consultor dinamarquês para jornalismo gráfico, disse ao New York Times que é um dos poucos nesse setor que acha mais importante a história numa ilustração jornalística do que a precisão em cada detalhe.
‘Se você não sabe se o carro do vizinho é vermelho ou preto, isso não deve impedi-lo de fazer um gráfico’, disse ele. Mas Nielsen acha que, ao criar uma história e usar ‘balões de pensamento’ para descrever o que Nordegren estaria pensando, ‘os caras do Apple Daily são loucos demais até para o meu gosto’.
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Do New York Times