Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa, clima, contradições

A imprensa registrou como um grande fiasco dos líderes globais a Conferência do Clima em Copenhague. Houve até mesmo um colunista que colocou Copenhague na Suécia, mas a falha deve ser debitada à ansiedade pelas férias de final de ano.


Mas o fracasso não deve ser debitado apenas aos chefes de Estado e de governo. Afinal, chega a ser um contra-senso os jornais, tão ciosos do liberalismo econômico, cobrarem do Estado uma solução para problemas criados em maior parte pela iniciativa privada.


A rigor, a suposta impossibilidade de concluir o encontro de cúpula na Dinamarca com um acordo-compromisso de todos os países pela redução das emissões de gases que produzem o efeito estufa é resultado das limitações da própria humanidade em prover sua segurança e bem-estar.


Pode-se mesmo afirmar que o sentido de humanidade ainda é apenas uma subjetividade no ambiente cultural que se reflete na imprensa. E a imprensa não tem se mostrado capaz de estimular uma mudança de qualidade nesse ambiente, ou seja, não é capaz de estimular o desenvolvimento da consciência social.


Novos paradigmas


Assim como as partes representadas na conferência da ONU, a imprensa dedica mais energia a apontar as responsabilidades alheias do que em buscar uma visão consensual que sirva de ponto de partida para as mudanças necessárias.


Como conciliar, por exemplo, a urgência de novos hábitos de consumo com a natureza do negócio da imprensa, baseado na publicidade, ou seja, no estímulo ao consumo cada vez maior?


A imprensa sempre reage a qualquer tentativa de regular a publicidade, mesmo que o objetivo dos normatizadores seja defender a saúde pública, como no caso do cigarro e das bebidas alcoólicas.


A Conferência do Clima não deve ser considerada um fracasso, uma vez que as mudanças reais não acontecem porque os governos decidem que devam acontecer. Elas se tornam realidade quando o nível de consciência alcança a massa crítica para a ruptura. Nesse sentido, a imprensa pode jogar um papel crucial, impregnando todo o noticiário com os novos paradigmas que podem reduzir a vulnerabilidade do planeta.


O ano em que descobrimos o perigo


Alguns estudiosos do tema sustentabilidade costumam afirmar que a imprensa tem se interessado gradualmente pela questão ambiental, mas ainda não consegue retratar de uma maneira integral e sistêmica essa temática em suas edições.


Assim, os problemas climáticos continuam sendo publicados nas seções de ciência ou qualidade de vida, e a questão da responsabilidade social navega entre os temas de políticas públicas e de boas práticas de negócios.


Ao tratar as notícias como unidades isoladas de informação, cada uma em um contexto à parte, a imprensa não ajuda seu público a entender as correlações que existem entre os diversos fatos do cotidiano. Por exemplo, os jornais especializados em economia e negócios já começam a tratar como rotina os investimentos em projetos de desenvolvimento sustentável.


Nas duas últimas semanas de 2009, o noticiário dava conta de alguma desvalorização no mercado de compensação de carbono, uma novidade no mundo dos negócios produzida pelas mudanças climáticas. Mas esses novos paradigmas não alcançam os chamados jornais genéricos, não especializados, que ainda não enxergam com clareza o potencial de mudanças trazido pela preocupação com o meio ambiente. De modo geral, o destaque ainda é dado apenas aos resultados financeiros das empresas, quando muitas delas já colocam em seus balanços análises de seus resultados sociais e ambientais.


Ainda falta


No caso das políticas públicas, o destaque é para grandes investimentos e para os indicadores tradicionais da economia, enquanto o próprio compromisso anunciado pelo governo, de reduzir as emissões de gases nocivos, deveria induzir a imprensa a exigir esclarecimentos sobre o potencial de danos em cada grande projeto de obra pública, por exemplo.


Por outro lado, a crescente mobilidade social observada em muitas sociedades, e especialmente no Brasil, requer novos conceitos sobre classes de renda e de educação.


O jornalismo precisa se reestruturar em torno dessas novas necessidades.


O ano da cúpula de Copenhague, quando a humanidade se deu conta de que vive em perigo, termina também de forma frustrante para a imprensa. O jornalismo não conseguiu representar com clareza essa realidade.