Ex-ministro preocupou-se em ser fiel ao Bolsonaro e deixou de lado administração do ministério da Educação.
Se um dia forem feitos os perfis dos ministros do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) certamente o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, 64 anos, vai merecer uma atenção especial pelo seu deslumbramento com o cargo. Para quem não é um velho jornalista como eu, uma explicação. Nos tempos das máquinas de escrever nas redações era usual, na conversa entre os repórteres, dizermos que “fulano de tal ficou deslumbrado com o cargo e acabou enfiando os pés pelas mãos”. Até ser ministro de Bolsonaro, Ribeiro, apesar de empilhar títulos como os de pastor presbiteriano, teólogo, advogado e professor, era um ilustre desconhecido.
Ao se tornar ministro, por influência da primeira-dama Michelle Bolsonaro, ele começou a “botar as unhas à mostra”, um dito popular usado para dizer que uma pessoa está mostrando quem é realmente. E ele é uma pessoa preconceituosa. Afirmou, em uma entrevista ao Estadão, que “filhos gays algumas vezes vêm de famílias desajustadas”. E foi arrogante na mesma entrevista, falando que as desigualdades sociais que limitaram o acesso à internet dos alunos pobres durante a pandemia não tinham sido criadas pelo seu ministério. Citei esses dois casos. Mas há muitos outros documentados pela imprensa.
Na visão do então ministro da Educação, que ocupou o cargo de julho de 2020 a março de 2022, o seu desempenho na pasta era medido pelo grau da sua obediência às determinações e crenças políticas e sociais do presidente Bolsonaro. Isso não é opinião. São fatos que relatamos nos jornais. Tanto que quando os pastores da Assembleia de Deus Arilton Moura e Gilmar Santos começaram a cometer ilegalidades na Educação, achacando prefeitos com a promessa de liberação de verbas oficiais, Ribeiro apenas disse que eles tinham sido enviados pelo presidente. No dia 19 de abril de 2022, publiquei o post Imprensa erra ao chamar os “pastores do MEC” de lobistas. Eles são vigaristas. Não deu outra.
Na semana passada, quarta-feira (22), a casa do ex-ministro da Educação caiu. Ele e outros quatro foram presos preventivamente pela Polícia Federal (PF) na Operação Acesso Pago. Foram soltos no dia seguinte. E, pelas matérias que temos publicado, Ribeiro acredita que foi preso porque querem prejudicar Bolsonaro. Ora, ele é advogado e sabe que os “pastores do MEC” estão enfiados até o pescoço em ilegalidades. E que os “15 minutos de fama” que teve ao ser ministro da Educação vão lhe custar muito caro. Isso fica claro pelo conteúdo das escutas da PF que vem sendo publicado nos noticiários. Ainda é cedo para tirar conclusões sobre o caso do ministro.
Agora, podemos usar os conteúdos que conhecemos sobre esse caso para fazer uma reflexão. Ribeiro não foi o único deslumbrado no governo do presidente Bolsonaro. A maioria dos ocupantes de cargos importantes até então eram ilustres desconhecidos que se deslumbraram com o poder e hoje estão enfrentando problemas com a Justiça. Vou citar um deles: o general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, que foi ministro da Saúde entre 2020 e 2021, no auge da pandemia causada pela Covid-19. Foi ele que tornou em política de governo o negacionismo do presidente da República sobre o poder de contágio e letalidade do vírus. É dele a frase referindo-se a Bolsonaro: “Um manda e outro obedece”.
Nos dias atuais, o general ocupa o cargo de secretário de Assuntos Estratégicos. A sua espera, quando sair do governo, existe uma imensidão de provas nas 1,3 mil páginas do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid, de crimes praticados durante a sua gestão na Saúde, que colocam as digitais do governo federal nas mais 600 mil mortes de brasileiros pelo vírus. É regra no governo de Bolsonaro que só ocupam cargos pessoas que obedecem às suas ordens. Incluído aí o ministro da Economia, Paulo Guedes, apelidado pelo presidente de “Posto Ipiranga”. Até se aliar a Bolsonaro, Guedes era mais um economista do mercado. Por sinal, marginalizado pelos seus colegas. Não tenho os números. Mas, sem medo de cometer um excesso, há um número considerável de aliados do presidente da República que hoje estão com problemas na Justiça porque se deslumbraram com os cargos e acabaram enfiando os pés pelas mãos.
Lembro que, logo que o presidente assumiu o mandato, a grande dificuldade que nós jornalistas tínhamos era saber como o governo funcionava entre as quatro paredes. Não precisa ser um gênio para perceber que havia muita fantasia por parte do presidente e seus ministros. Com o correr do tempo algumas coisas foram ficando claras, como por exemplo: Bolsonaro sempre tem alguém que faz o “serviço sujo” por ele, incluindo os seus três filhos parlamentares Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo. Uns raros se deram conta e entregaram o cargo antes de se meter em fria, como o então ministro Saúde e médico Nelson Teich, que pediu demissão um mês depois de assumir o cargo em 2020.
Ele “sentiu a maldade” no ar e caiu fora. A bem da verdade, é bom que se diga que o presidente da República não colocou a faca no pescoço de ninguém, forçando a pessoa a assumir um cargo no seu governo. Muito pelo contrário, ele ofereceu a oportunidade para pessoas que jamais sonharam que seriam ministro do Brasil. E elas não só aproveitaram a oportunidade como também se deslumbraram com o cargo. Afinal, ser ex-ministro também é status. Já os problemas com a Justiça é outra história.
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.