Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Erramos?

A capa da Folha de ontem [26/12] diz que ‘na mídia e em declarações de autoridades americanas, o caso [do menino Sean Goldman, devolvido ao pai após uma novela de cinco anos] ganhou contorno de disputa entre países’.

É verdade e, por isso mesmo, o papel da mídia precisaria ser discutido nesse caso.

Trata-se de um assunto de família, exclusivamente de família. Não há interesse público envolvido. Há, sim, curiosidade pública, o que é bem diferente. Do que decorre a pergunta que me parece central e me causa desconforto: temos, os jornalistas, o dever, a obrigação, de atender sempre a curiosidade do público, mesmo quando ela é invasiva? Neste caso, é pior ainda, porque invasiva de uma criança.

Não, não me venham dizer que invadimos cotidianamente a privacidade de muitas pessoas. É verdade, mas, em 99,9% dos casos, trata-se de pessoas públicas, que procuraram a notoriedade, não raro apoiando-se na mídia.

Jornalismo-espetáculo

A busca pelos holofotes tem preço. Muitas vezes, os holofotes acesos pela mídia é que impedem abusos de diferentes naturezas.

Mas Sean não procurou os holofotes. Seu caso acabou por se transformar em exercício de jornalismo-espetáculo.

E não apenas no Brasil: a rede norte-americana NBC não fretou um avião para levá-lo aos EUA com o pai por amor à infância, mas por amor ao espetáculo.

Nesse espetáculo acabamos por cometer um pecado grave: demos abrigo a uma acusação, feita pela avó materna, de que o Executivo e o Judiciário brasileiros venderam-se aos Estados Unidos pagando com Sean pela manutenção de vantagens comerciais.

Nenhum jornalista sério diria tal coisa por sua conta. Se o dissesse, correria o risco de purgar elevada pena. No entanto, no jornalismo-espetáculo, a acusação foi ao ar e ao papel. Incomoda, não?

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Andar de cima

Elio Gaspari # reproduzido da Folha de S.Paulo, 27/12/2009

No século 19, o grande fazendeiro e senhor de escravos Joaquim de Souza Breves resolveu desafiar os poderes do mundo e sequestrou a neta Paulina, filha do Conde Fé D´Ostiani com sua filha Rita, que morreu quando a criança tinha seis anos.

Não houve força capaz de convencer vovô Breves a devolver a menina ao pai. D. Pedro 2º se fez de bobo e ao rei da Itália só restou esperar.

Breves acabou cedendo. Paulina casou-se com o conde Tristan, filho do almirante Montholon e de Albine, provável namorada de Napoleão em Santa Helena. (O imperador seria o pai de uma criança chamada Helene Napoleone e murmurava-se que o corno envenenara o corso).

Passou-se mais de um século e um ramo dos Lins e Silva do Rio teve seu momento-Breves. Até o início deste ano, usufruíram de uma mordaça judicial imposta à imprensa. Depois, lutaram no Judiciário até a exaustão de suas relações pessoais e profissionais. Ao fim, o padrasto João Paulo Lins e Silva devolveu o garoto Sean Goldman ao pai americano num desnecessário e deliberado espetáculo circense.