‘Um trecho do discurso de posse de Barack Obama na terça-feira: ‘Vamos restaurar a ciência a seu lugar de direito e empregar as maravilhas da tecnologia para elevar a qualidade da saúde e reduzir seus custos.
Vamos atrelar o sol, os ventos e o solo para proverem combustível para nossos carros e nossas fábricas. E vamos transformar nossas escolas, nossas faculdades e universidades para que façam frente às demandas de uma nova era. Tudo isso nós podemos fazer. E tudo isso nós vamos fazer’.
A ciência e a inovação tecnológica são fundamentais não apenas por serem uma das maneiras de o ser humano revelar o que tem de melhor em sua natureza mas também por constituírem fator determinante para acelerar a produtividade e, com ela, o progresso econômico e social das nações.
Na quinta-feira, a Folha publicou notícia do corte pelo Congresso de 18% no orçamento para 2009 do Ministério da Ciência e Tecnologia e a reação indignada do setor.
Este jornal tem tradição antiga e consolidada de cobrir bem assuntos relativos à ciência. A prioridade que dá ao tema é indiscutível, ao contrário da educação, que já foi muito importante para ele, mas parece ter deixado de ser (incoerência a ser resolvida).
O jornalismo científico é uma especialização que tem sido muito estudada em diversos países. Sua importância decorre da relevância que a ciência tem para a sociedade.
Quando bem praticado, esse gênero jornalístico dissemina informações sobre pesquisas em andamento ou concluídas, a importância de inovações tecnológicas para indústria, comércio e serviços, esclarece conceitos. Ele educa, democratiza o conhecimento.
Embora em geral faça um bom trabalho no acompanhamento da produção científica, o jornal padece nessa área de um mal comum a diversas outras no que diz respeito à formação de políticas públicas referentes a elas.
A Comissão Mista do Orçamento do Congresso Nacional, que resolveu o corte, não se reúne em sigilo. Sua pauta e agenda são públicas. Qualquer cidadão, inclusive jornalistas, tem acesso a elas.
De setembro a dezembro, ela realizou diversas sessões. Só depois que a decisão foi tomada o assunto apareceu aqui. Quando a divulgação da ameaça de corte poderia ter alertado entidades e indivíduos para se mobilizarem a fim de impedi-lo, nada ou quase nada se publicou a respeito.
É mais um exemplo de como é ineficaz e burocrática a maneira como o jornal cuida dos assuntos do Congresso Nacional. Não faltam espaço e repórteres para ouvir conversa fiada e reproduzir declarações cínicas que só interessam aos que as fazem.
O diz-que-diz inconsequente, as pequenas fofocas, os balões de ensaio de deputados e senadores em busca de cargos e poder, para estes há sempre lugar nestas páginas.
Mas colocar alguém para acompanhar sistematicamente o trabalho das comissões, na de Orçamento, por exemplo, e verificar se absurdos como esse corte estão sendo perpetrados contra o interesse público, isso o jornal não faz.’
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‘Sobre cegos, jovens e jornais’, copyright Folha de S. Paulo, 25/1/09.
‘Recebi do leitor Alisson Azevedo, auxiliar judiciário em Goiânia, a mensagem que transcrevo abaixo.
‘Quero parabenizar Sylvia Colombo e a Folha pela brilhante reportagem sobre audiodescrição do dia 19. A repórter acertou a mão: ouviu um grupo heterogêneo de cegos, foi atrás de quem melhor conceituou e faz audiodescrição no Brasil e, o melhor, tudo sem pieguice e com leveza.
Para mim, cego e leitor de jornais, é reportagem paradigmática de como a imprensa deve tratar cegos e cegueira.
A propósito, e quebrando a regra de tratar apenas de um assunto num e-mail, quero lhe contar uma história sobre cegos, jovens e leitura de jornais.
Tenho 27 anos e desde criança sempre quis ler jornal. Aos 7, sonhava ser jornalista e pedia que alguém lesse para mim a crônica policial e o resumo das novelas.
Um dia, tinha 8 anos, me levaram à inauguração de uma imprensa braile. O governador de Goiás, Henrique Santilo, prometeu que, num ‘futuro breve’, seriam impressos diariamente jornais em braile.
Fiquei empolgadíssimo, mas colegas cegos ‘mais velhos’ e professores me sequestraram a esperança: que o jornal ficaria muito grande, muito caro e que ninguém conseguiria lê-lo num dia.
O surgimento, alguns anos mais tarde, da internet e dos ledores de tela, e a disponibilização de versões integrais (e acessíveis) de jornais na rede, tornaram viável meu sonho.
Gosto de ler virtualmente o mesmíssimo jornal que os videntes leem no papel.
Contei essa história porque sua coluna de domingo passado me remeteu à ambiguidade de uma maioria de leitores rejeitar o papel em favor da internet e uma minoria buscar avidamente nela o papel por anos sonegado.’’
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‘Para ler’, copyright Folha de S. Paulo, 25/1/09.
‘-’Jornalismo Científico’, de Fabíola de Oliveira, Contexto, 2002 (a partir de R$ 17,96) – Relato histórico dessa especialização jornalística com guia de órgãos de pesquisa e divulgação científica
-’Os Desafios e a Avaliação do Jornalismo Científico Iberoamericano’, diversos autores (disponível no site http://www.scidev.net/uploads/File/pdffiles/jornalismo-cientifico.pdf) – Panorama do atual estágio do jornalismo científico em 13 países do subcontinente
PARA VER
-’Da Terra à Lua’, minissérie com 12 episódios, 1997 (em exibição nos canais de TV paga HBO) – Excelente recriação ficcional de um dos maiores projetos científicos da história, o Apolo, com destaque em alguns episódios (em especial 1, 2 e 9) para as dificuldades políticas para aprovar no Congresso as verbas necessárias para seu sucesso
ONDE A FOLHA FOI BEM…
POSSE DE OBAMA
Caderno especial na quarta traz cobertura ampla e competente do evento, com boas fotos, ótima diagramação e tom adequadamente comedido
AJUDA E DEMISSÃO
Reportagem na quinta presta serviço público ao mostrar que setores da economia mais ajudados por governo são os que mais demitem
…E ONDE FOI MAL
JURAMENTO E BLACKBERRY
Jornal quase ignora dois aspectos curiosos da posse de Obama: a necessidade do segundo juramento devido a erros no original e a permissão para o presidente usar Blackberry
WYETH E ROBÔ
Jornal se atrasa menos para noticiar morte de ator que viveu robô na série ‘Perdidos no Espaço’ do que a de um dos maiores pintores americanos do século 20, Andrew Wyeth’