Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Estado de S. Paulo

PUBLICIDADE
Pedro Dantas

Campanha de grife italiana irrita governo do Rio

‘Uma campanha publicitária da Relish – grife de roupas femininas da Itália – revoltou autoridades municipais e estaduais do Rio. Espalhadas por outdoors de Milão, Bolonha e Nápoles, as imagens mostram modelos aparentemente estrangeiras sendo abordadas e revistadas de forma abusiva e agressiva por policiais militares fardados. Em uma das fotos, na Praia de Ipanema, um PM com a farda do 22º Batalhão de Polícia Militar (BPM), do Complexo da Maré (zona norte), coloca a mão por baixo da saia da modelo.

O secretário de Turismo e presidente da Riotur, Antonio Pedro Figueira de Mello, repudiou a propaganda e informou que enviará à embaixada italiana pedido de retirada imediata da propaganda das ruas. ‘Esse tipo de publicidade desrespeita não só a corporação como compromete a imagem do Rio e dos próprios cariocas. Lamentável que fatos desrespeitosos e preconceituosos como esses ainda ocorram’, afirmou, em nota. Apesar da semelhança, a PM informou que a farda não é oficial, mas investigará o caso.

As fotos também ilustram o site da Relish. Apesar de na vida real o patrulhamento da orla de Ipanema ficar a cargo do 23º BPM do Leblon, na propaganda da loja PMs do 22º BPM abordam e prendem as duas mulheres após o carro em que viajam enguiçar. Em uma das fotos, um PM imobiliza uma mulher no chão enquanto ao fundo outro segura uma pelo pescoço.

‘A campanha é de mau gosto sob vários aspectos. É machista e reforça a associação perversa entre sexo e violência’, afirmou a socióloga da Fundação Getúlio Vargas, Bianca Freire-Medeiros, autora do livro O Rio de Janeiro que Hollywood Inventou. Ela ressalta que a imagem do Rio no mercado turístico global combina elementos sintetizados na propaganda italiana. ‘Somos um paraíso tropical, mas também somos o lugar do risco e da violência. Gostemos ou não, precisamos admitir nosso quinhão de responsabilidade na produção dessa imagem de um Rio corrupto e violento.’’

 

 

 

INTERNET
Renato Cruz

Golpe por e-mail fica mais sofisticado

‘Cuidado! Eles estão atrás de sua senha do banco, dos números dos seus cartões de crédito e de outras informações financeiras. Os golpes por e-mail estão se tornando cada vez mais sofisticados. Há alguns anos, os criminosos virtuais tinham como objetivo infestar o maior número de internautas que conseguissem, danificando instalações de software. Hoje, eles querem dinheiro das vítimas, que clicam em links e abrem anexos em mensagens duvidosas de correio eletrônico.

Cada vez mais, os golpes estão relacionados com atualidades. ‘Eles aproveitam um grande desastre, como as enchentes no sul do Brasil ou um furacão na China, para atrair a atenção do internauta’, explicou Eduardo Godinho, engenheiro de Segurança da Trend Micro, empresa especializada em defesas contra ameaças na internet.

Outra isca comum são celebridades. A Trend Micro fez uma pesquisa mundial sobre as pessoas mais citadas nos golpes via e-mail e a primeira da lista foi a atriz Angelina Jolie. Nos últimos dias, tem circulado pela internet brasileira uma mensagem, que tenta imitar uma notícia do site G1, dizendo que o jogador Ronaldo tem uma doença grave. Quem clica no link para a notícia falsa tem o computador infectado.

‘As pessoas têm de tomar cuidado sempre com e-mails estranhos’, afirmou Cristina Sleiman, especialista em Direito Digital e sócia do escritório Patrícia Peck Pinheiro Advogados. ‘Mesmo se o internauta conhecer o remetente, é importante prestar atenção se a mensagem tem um assunto sobre o qual costumam conversar.’

Existem requisitos de tecnologia – manter atualizadas as versões dos programas e utilizar software de segurança, como antivírus e firewall – que são essenciais, mas não suficientes. A segurança digital depende do comportamento do usuário. ‘Muitos ataques acontecem na empresa, porque o usuário se sente mais seguro para clicar nos links ou abrir anexos, porque na empresa existe um suporte técnico pronto para resolver problemas’, disse Godinho. Mas, na maioria das fraudes, a vítima só percebe que aconteceu alguma coisa depois do prejuízo financeiro.

Os ataques estão cada vez mais inteligentes. Existem sites mal-intencionados que verificam o sistema operacional e o navegador do internauta, ajustando o ataque de acordo com a plataforma tecnológica. Alguns tipos de software usados nos ataques identificam os sites de bancos e de comércio eletrônico mais visitados pela vítima, para disparar e-mails que se fazem passar por esses sites.

No ano passado, o Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil (Cert.br) recebeu 222.528 relatos de incidentes na internet, enviados espontaneamente por administradores de rede e usuários. Houve um crescimento de 39% em relação a 2007. Do total de ataques, 63% foram fraudes. Os casos de páginas falsas de bancos aumentaram 124%. ‘Para se proteger de fraudes online, é necessário que os usuários encarem a internet com o mesmo cuidado com que encaram qualquer atividade fora da internet’, afirmou Cristine Hoepers, analista de Segurança do CERT.br. ‘É muito importante ficar atento e, em caso de dúvida, checar com as instituições a veracidade das mensagens.’

O QUE FAZER

Tecnologia: Manter sempre atualizados o sistema operacional e outros softwares, como os navegadores; instalar e manter atualizado um bom programa antivírus; e instalar um firewall pessoal, que impede invasões via rede

Comportamento: Não acessar sites ou seguir links recebidos por e-mail ou presentes em páginas sobre as quais não se saiba a procedência; não executar ou abrir arquivos recebidos por e-mail, mesmo que venham de pessoas conhecidas; jamais executar programas de procedência duvidosa ou desconhecida; verificar a autenticidade das informações no site da instituição financeira, loja virtual ou governo

Depois do ataque: Registrar boletim de ocorrência e informar à instituição financeira sobre o golpe de que foi vítima’

 

 

 

IMAGEM
Edison Veiga

O fotógrafo da São Paulo distorcida

‘Funciona como uma metáfora da cidade, esta gigante metrópole de tantas distorções. Munido de uma câmera pinhole – uma caixa escura, sem lente nem visor, apenas com um orifício -, o fotógrafo Angelo Pastorello decidiu, em outubro, fazer um ensaio do Mercado Municipal. ‘São imagens que não têm um enquadramento lógico’, observa. ‘Para dizer a verdade, nem consigo saber direito o que estou fotografando.’ O inusitado produto dessa experiência acaba de sair em livro, integrando o recém-lançado Imagens de São Paulo, Vol. 02 (Editora Décor, 268 páginas, R$ 185).

A julgar pelos seus planos, Pastorello tomou gosto pela primitiva engenhoca de fotografar. ‘Quero juntar alguns pontos da cidade que eu acho bacanas e preparar um livro ou uma exposição só com pinhole’, adianta. Ainda no ano passado, realizou o trabalho no Aeroporto de Congonhas. ‘É um lugar que me atrai afetivamente’, diz. ‘Foi ali que vi um avião pela primeira vez, quando era criança.’ O próximo local a ganhar um ensaio distorcido já está escolhido: a Estação da Luz. Em janeiro, ele fez alguns estudos, com uma câmera digital convencional, explorando as possibilidades do espaço.

Paulistano de Santa Cecília – criado nas Perdizes, bairro onde ainda vive -, Pastorello adquiriu o gosto da fotografia ainda adolescente. ‘Quando eu tinha 14 anos, houve um curso de fotografia no colégio (o Rainha da Paz, no Alto de Pinheiros)’, lembra ele, hoje com 49 anos. ‘Eu me fascinei pelo laboratório, pela revelação, pelas possibilidades químicas.’ Quando completou 15 anos, ganhou do pai um minilaboratório para poder revelar e ampliar suas próprias fotos. ‘Eu montava no banheiro’, conta.

Aos 18, trabalhou como laboratorista na Fujifilm, no setor de ampliação. Depois virou assistente de um estúdio que fazia fotos de arquitetura e decoração. ‘Eu queria estudar Cinema, mas, como tentei duas vezes e não passei no vestibular da USP, resolvi trabalhar nesse estúdio’, comenta. Aos 22, começou a fazer fotos, como freelancer, para revistas como Vogue e Casa Claudia.

E é em meio a esse trabalho editorial – até hoje colabora com diversas publicações, de Época a Capricho, de Playboy a Sexy – e a fotos publicitárias – já fez campanhas para a TAM, a TIM, a Microsoft etc. – que ele se dedica a trabalhos mais autorais. ‘Eu normalmente uso meu tempo livre para fotografar’, conta. ‘Outro dia, peguei a câmera e fui até o Parque da Luz à tarde. Gosto de ficar pensando em construir a imagem.’

São dessas produções artísticas que surgem as exposições – já participou de 15, entre coletivas e individuais – e os livros. Além do Imagens de São Paulo, Pastorello participa do The Art Book Brasil – Fotografia em Preto e Branco (Editora Décor, 268 páginas, R$ 185). ‘Estou negociando outro livro, possivelmente com fotos de nu.’

Há dois anos, Pastorello é um dos professores da escola de fotografia Fullframe, em Pinheiros. Recentemente decidiu ensinar também adolescentes – e de forma voluntária. A partir de março vai promover, por meio do projeto Cidade Escola Aprendiz, uma série de oficinas voltada a alunos da Escola Estadual Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, na Vila Madalena. ‘Consegui uma doação de 12 câmeras simples, analógicas, bem comuns. Vou monitorar grupos de alunos que serão estimulados a fotografar o intervalo das aulas’, explica. ‘A ideia é usar o olhar do adolescente, empiricamente. Em um segundo momento, pretendemos expandir para um projeto que ensine noções de fotografia aos participantes.’

Quando dá uma pausa nas câmeras fotográficas – atualmente ele possui seis -, Pastorello se divide entre quatro paixões: cinema, futebol, música e bons restaurantes, especialmente de comida italiana, que ele costuma frequentar com a namorada. De música, é quase profissional. Entre 1984 e 2006, tocou contrabaixo e violão na banda de rock progressivo psicodélico Violeta de Outono – dos sete discos lançados, ele só não participou do último, de 2007. ‘Saí porque estava difícil de conciliar o tempo’, explica ele, que assina duas composições da banda: Faces e Trópico.

Palmeirense, confessa que não vai ao Palestra Itália há cerca de três anos. ‘Mas acompanho tudo pela televisão, inclusive os programas de debate’, afirma. Nunca fotografou futebol, entretanto. E tem vontade? ‘Imagina só levar a pinhole ao estádio e fotografar de dentro do gol do Marcos (goleiro do Palmeiras)’, se empolga. ‘Eu adoraria. Desde que ele não tome nenhum gol, é claro.’’

 

 

 

NOUVELLE VAGUE
Antonio Gonçalves Filho

O que resta dessa Onda?

‘A imagem acima é o epílogo do filme Os Incompreendidos (Les 400 Coups), obra seminal de um movimento que marcou a história do cinema há 50 anos, a nouvelle vague francesa. Nele, um delinquente juvenil chamado Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) caminha em direção ao mar e seus passos indecisos são acompanhados por uma câmera ainda mais vacilante, que resolve congelar o rosto do garoto por absoluta falta de respostas para seu drama pessoal. Doinel, ignorado pela mãe e o padrasto, é um desajustado. Vive de pequenos golpes, pulando de reformatório em reformatório, exatamente como aconteceu com o jovem autor do filme na adolescência, François Truffaut, então com 27 anos e já um crítico respeitado da revista Cahiers du Cinéma em 1959. É o mesmo Truffaut que, cinco anos antes, aos 22 anos, escreveu um manifesto em que expôs a tese fundadora da estética da nouvelle vague – na verdade, um panfleto contra o cinema tradicional francês e a favor do ‘cinema de autor’.

O texto de Truffaut na Cahiers du Cinema não combatia apenas o cinema comercial, de entretenimento. Tinha como alvo o cinema de reconhecidos realizadores franceses da velha geração, seguidores de uma ‘tradição de qualidade’ – filmes baseados em obras literárias, bem-feitos mas que pouco acrescentavam aos livros que os inspiravam. Diretores como Claude Autant-Lara ou René Clement, que deviam seu prestígio a grandes escritores, sentiram-se particularmente atingidos pelo panfleto, assim como roteiristas adaptadores do porte de Jean Aurenche (Sinfonia Pastoral) e Pierre Bost (O Diabo no Corpo). Estava armada a polêmica.

De um lado, os defensores do cinemão francês. Do outro, os quatro cavaleiros do apocalipse cinematográfico, além do líder Truffaut, todos defensores da ‘política dos autores’: Jean-Luc Godard, Eric Rohmer, Jacques Rivette e Claude Chabrol. Para eles, o verdadeiro autor não era o diretor fiel à tradição literária, mas alguém capaz de abrir mão da narrativa literária e revolucionar a linguagem do cinema ao impor seu estilo – um cineasta, enfim, com poder de decisão sobre a imagem e o som de seus filmes, alguém como Orson Welles, Rossellini, Jean Renoir ou Fritz Lang, que o quinteto cansou de reverenciar na Cinemateca Francesa, verdadeiro berço da nouvelle vague. Sem o trabalho de Henri Langlois, fundador da Cinemateca, em 1936, e do crítico André Bazin, o pai da cinefilia, ficaria mais difícil para o quinteto irreverente ver obras de Bergman, Dreyer, Eisenstein, Lang ou mesmo autores como Orson Welles, proibido durante a Ocupação e redescoberto pelo público francês graças ao movimento cineclubista.

O panorama francês do pós-guerra favoreceu – e muito – o advento da nouvelle vague. O processo de reconstrução da identidade francesa, abalada pela Ocupação, sacudiu violentamente os antigos valores morais. A França existencialista implodia o núcleo familiar, falava em controle da natalidade, desenvolvia filosofias e métodos psicanalíticos de inspiração marxista – e todo esse material era evidente demais para ser ignorado pelos cineastas da nouvelle vague, em busca de temas fortes como prostituição, triângulos amorosos, feminismo e marginalidade. Num mesmo ano, 1959, o Festival de Cannes viu quebrar em suas telas a ‘nova onda’ violenta que trouxe para sua praia um menor abandonado (Os Incompreendidos) e um improvável casal inter-racial formado por uma francesa e um japonês (em Hiroshima Mon Amour, de Alain Resnais, filho temporão do movimento). No ano seguinte a França seria sacudida por um sociopata ladrão de carros que mata um policial e tenta convencer a namorada a fugir com ele para a Itália (Acossado, de Godard).

Além da convicção de que um filme bom deve ser uma obra de expressão artística pessoal, os cineastas da nouvelle vague defendiam que seus autores deveriam seguir convenções – não há movimento sem regras, como comprovariam mais tarde o Cinema Novo e os escandinavos do Dogma 95, signatários do manifesto lançado em 1995 pelos dinamarqueses Lars von Trier e Thomas Vinterberg, dois herdeiros de Godard e Truffaut.

Se comparadas, as regras da nouvelle vague francesa e do Dogma não diferem em nada: filmagens em locações externas, câmera na mão, luz natural, diálogo improvisado, som direto (o gravador Nagra foi lançado nos anos 1960), longas tomadas de câmera e, principalmente, uma edição não-naturalista, montagem feita de ‘jump cuts’, cortes abruptos que desafiam a lógica. Oficialmente, isso foi feito mesmo antes da estreia de Os Incompreendidos (por Agnès Varda em La Pointe-Courte, em 1955, Chabrol em Le Beau Serge e Rivette em Le Coup de Berger, ambos de 1958). Meio século depois, as lições da nouvelle vague ainda são consideradas por cineastas da geração pós-Truffaut (Jean Eustache, Bertrand Tavernier, André Techiné, Phillipe Garrel) e da geração de Christophe Honoré e François Ozon – autores da chamada ‘new wave’ do cinema francês, todos na faixa dos 40 anos , como Yves Caumon (Cache-Cache, 2005), Jean-Paul Civeyrac (À Travers la Forêt, 2005) e Philippe Ramos (Capitaine Achab, 2007). A onda, como se vê, não morreu na praia.’

 

 

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