‘Os comentários e transcrições feitos aqui sobre o desempenho recente do âncora e dos entrevistadores convidados pelo Roda Viva levaram o chefe de redação do programa, Sérgio de Castro, a nos enviar um email cujo conteúdo ajuda os telespectadores a entenderem um pouco mais o desafio semanal que ele enfrenta. As informações de Sérgio só contribuem para que as críticas ao programa sejam de melhor qualidade e mais adequadas ao fio de navalha ético e jornalístico que ele tem de administrar. Ao email:
‘Caro Ernesto,
Escrevemos na pagina 40 do livro-memória que editamos na comemoração dos 18 anos do Roda Viva: ‘os manuais dizem que entrevista não é debate, mas o Roda Viva é a exceção que esquenta e aprofunda uma entrevista’. E tem sido assim. Em muitas ocasiões, quando entrevistados fogem de perguntas e os entrevistadores não se satisfazem com respostas, ou as idéias apresentadas são contrapostas com mais veemência pelas partes, o programa tende ao debate, ao questionamento. Pode esquentar nessas horas e tender a uma discussão mais acalorada, a uma falação sobreposta. E pode tender até a situações mais desconcertantes, como no episódio onde o entrevistado Orestes Quércia – então candidato a Presidente da República – e o jornalista Rui Nogueira (Roda Viva de 18/07/1994 ) se desentenderam de tal forma que chegaram a trocar ofensas. Foi preciso um intervalo extra para acalmar os ânimos e retomar a ‘entrevista’.
É claro que podemos e devemos reconduzir o programa cada vez que ele sai ou parece sair dos trilhos. Temos REGRAS BÁSICAS que são repassadas aos nossos entrevistadores a cada programa, onde colocamos a importância de não ‘encavalar’ perguntas, não perguntar ‘na carona’ de uma pergunta que acaba de ser feita, de não sobrepor falas, etc…etc…. Mas o próprio formato do programa – sua idéia de espontaneidade, de liberdade de perguntar e responder, de nada ser combinado entre os participantes – parece conceder ‘permissões’ que às vezes extrapolam as REGRAS BÁSICAS. O que, dentro de limites civilizados, pode até ser salutar. ‘Enquadrar´’ jornalistas e convidados do Roda Viva não é tarefa recomendável. Não está aqui uma defesa da ‘falação sobreposta’. Mas uma relativização também no sentido de que ela ocorre muito ocasionalmente e tem pouca duração. Estamos atentos a ela.
Sérgio de Castro
Chefe de Redação
Roda Viva’.
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A diferença de 45 graus, 5 de novembro
Transcrevo, com os grifos e aspas, mensagem de Ricardo Mucci, responsável pela área de Novas Mídias da Fundação Padre Anchieta, sobre o uso de conteúdos da Internet pelo Programa Novo – um dos assuntos da coluna de ontem, 4 de novembro:
‘Ernesto,
Temos recebido várias críticas e elogios a propósito do formato e da proposta do Programa Novo que, como o próprio nome já diz, se propõe a ser novo, na medida do possível. Neste sentido, temos que respeitar as opiniões, mas temos que seguir adiante, pois o caminho da inovação nem sempre é o mais curto e mais fácil, principalmente quando se trata de uma tv pública como a TV Cultura. Só lembro que inovação sempre fez parte do DNA da emissora, por isso, o que estamos fazendo nada mais é do que dar continuidade a essa qualidade, ainda que nem todos sejam unânimes em relação a isso.
Quanto ao uso da internet, essa proposta é transversal do programa, já que sua estrutura é orgânica e interativa, por isso temos que correr o risco de veicular imagem de baixa qualidade. Entretanto, isso não elimina a necessidade de cuidarmos da relevância dos temas em respeito ao público, como vc mencionou. Sobre o vídeo comentado, da nutricionista atrapalhada, realmente é antigo e como nossa equipe é formada de jovens, ninguém sabia de sua existência, a não ser veteranos da web como eu, mas aí já era tarde. O alerta está registrado e devidamente compartilhado com a equipe.
De qualquer forma, estamos testando um novo formato de produzir e distribuir conteúdo, que difere do formato tradicional, mas encontra receptividade junto ao público que se destina. As pesquisas indicam que nosso target abrange faixas etárias de 4 a 11 e de 12 a 17 anos, ao longo dos 90 minutos do programa, que passarão a 60 ainda este mês, em razão de ajustes na nossa programação de verão. Felizmente, o público está respondendo e nossa audiência está crescendo numa faixa de horário altamente competitivo com as redes comerciais.
Precisamos prestar atenção nas críticas quando construtivas, mas aproveito para fazer um convite a vc e ao público para que acompanhem o bate-papo do programa ao vivo, para ver que nem sempre a ‘leitura’ dos mais velhos coincide com a dos mais jovens e é a eles que nosso Programa Novo se destina. Estamos a postos para outros eventuais esclarecimentos.
Obrigado pelas observações.
Um abraço,
Ricardo Mucci’
Agradeço o pronto retorno, como sempre, de Ricardo Mucci. Seria leviano afirmar que meu comentário não sofreu qualquer influência da ‘leitura’ que minha geração – refiro-me a profissionais da área que estão por volta dos 50 anos – faz dos padrões técnicos e de conteúdo do atual cruzamento da televisão com a Internet. Mesmo assim, considero que o debate sobre inovação e interatividade, especificamente no que se refere à televisão, ainda está longe de seus desfechos e conclusões mais permanentes.
Para ilustrar o sentido desta reflexão, vale reproduzir um episódio que testemunhei, como jornalista, quando o presidente mundial da Sony, Norio Ohga, esteve no Rio de Janeiro, no início desta década. Um dos repórteres que participavam da entrevista coletiva, realizada num dos salões do Copacabana Palace, perguntou quando a tela de TV ia desaparecer do mercado e da vida das pessoas em função do crescimento da tela da Internet.
A resposta de Ohga foi o breve relato de um episódio que ele diz ter vivido com Bill Gates, durante um congresso de tecnologia, quando o dono da Microsoft apontou para um televisor de 29 polegadas que estava num canto da sala e provocou:
– Esse seu negócio vai acabar…
O sucessor de Akio Morita reagiu com humor:
– Não vai acabar, não. E sabe por quê?
Bill Gates fez que não, desafiante. E Ohga respondeu:
– Por causa da diferença de 45 graus…
– Como assim?
Imediatamente, Ohga fez a mímica de corpo de uma pessoa na postura normal de quem está no computador, ereto, em forma de ‘L’ e explicou:
– O seu negócio funciona assim…
Logo depois, cruzou os braços sobre o peito, inclinou a cabeça para trás como se estivesse num banco reclinável, fez cara de descanso e arrematou:
– O meu é assim…
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De quem é o brinquedo?, 4 de novembro
Entre um e outro texto publicado após a notícia da morte de Claude Lévi-Strauss, chamaram a atenção deste ombudsman duas citações, feitas por Fernando de Barros e Silva, na página de opinião da Folha de S. Paulo, relacionadas ao que o antropólogo viu e sentiu quando morou em São Paulo, nos anos 30: uma sobre a elite paulista, para ele ‘uma flora indolente e mais exótica do que imaginava’, e outra sobre a cultura, por aqui, segundo ele, ‘um brinquedo para os ricos’.
Sete décadas depois, apesar da vertiginosa multiplicação do poder dos meios de comunicação – televisões públicas e privadas incluídas – quem teria coragem de afirmar que essas impressões de Claude Lévi-Strauss estão ultrapassadas? Ficando apenas no âmbito da missão básica das emissoras públicas, quem poderia afirmar que todos os que têm sido responsáveis pelos conteúdos da TV Cultura, por exemplo, realmente têm deixado de lado a indolência para dividir, com o chamado telespectador comum, de forma deliberada, abrangente e verdadeiramente democrática, o ‘brinquedo de rico’ da grade de programação da emissora?
Vale tudo. Ou não?
O uso abundante de conteúdo originário da Internet por parte do Programa Novo é um convite urgente para várias reflexões importantes. A primeira delas deveria se dar em torno da qualidade pra lá de sofrível da maioria dos vídeos transpostos para a TV e das páginas da rede abertas na TV de tela plana instalada no estúdio.
Ironicamente, no momento em que nosso mercado é invadido por espetaculares televisores de alta definição, as telas – especialmente a do Programa Novo, no caso da TV Cultura – são invadidas por imagens que, independentemente do interesse que despertem, acabam resultando num mosaico visualmente desconfortável, pelo menos para uma parte dos telespectadores. É como se fosse uma volta aos tempos do VHS.
Falta de qualidade técnica à parte, a predominância de material pescado na Internet, no Programa Novo, além de nos remeter para reflexões sobre os limites éticos e legais da reprodução de conteúdo alheio, deixa no ar uma sensação de que falta produção própria como a que havia, por exemplo, no extinto Pé na Rua – um programa que também lançava mão de material da rede, só que de forma equilibrada e cuidadosa, na opinião deste ombudsman.
Há também uma certa falta de compromisso com a atualidade e com o ineditismo dos conteúdos. E nem sempre os apresentadores fazem contextualizações importantes como a que se fez necessária na semana passada, depois da exibição de um clássico brasileiro do YouTube: o vídeo da nutricionista que empaca ao falar de sanduíches durante um telejornal do Nordeste.
A falta de uma explicação clara sobre a origem do problema – a confusão mental causada na nutricionista pelo delay (atraso) no retorno do áudio de sua própria voz, no fone de ouvido que ela usava durante a entrevista ao vivo – levou uma telespectadora a enviar para este ombudsman um email indignado no qual ela acusa o Programa Novo de ‘estar na contra mão dos valores e dos princípios que a TV Cultura sempre prezou e pelo respeito à diversidade e multiplicidade de culturas’. A telespectadora considerou os comentários dos apresentadores ‘humilhantes’. Abaixo, uma de suas queixas:
‘O pior foi na colocação de uma legenda escrita absurdamente incorreta, propositalmente, sugerindo que a nutricionista não sabia falar corretamente. Ora, onde fica a regionalidade da pessoa? Ela não fez concordâncias erradas e a sátira foi em cima da fonética e sonoridade da sua fala….’
Não se trata, necessariamente, de dar razão a tudo que foi dito e escrito pela telespectadora. O que o caso sugere é que o fato de ter acesso livre, pelo menos por enquanto, a conteúdos da Internet, não exime o Programa Novo – ou qualquer outra produção da emissora – da responsabilidade de avaliar, sempre e com rigor redobrado, além da qualidade técnica, os cuidados necessários a serem tomados na hora de exibir esses conteúdos.
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Som, imagem e palavra, 3 de novembro
Transcrevo trechos de três dos emails enviados a este ombudsman no último final de semana. O primeiro, por lembrar, com sabedoria e sensibilidade, a importância que o som tem, juntamente com as imagens, na linguagem de televisão. O segundo, por conter uma reivindicação que pode, quem sabe, inspirar uma mudança nos padrões de inserção de caracteres durante a exibição das reportagens. E o terceiro, por ser representativo de uma série de outras manifestações críticas em relação à maneira como boa parte dos entrevistadores da bancada do Roda Viva têm se comportando diante dos convidados do programa.
Som
‘Que pena, mesmo! O Jornal da Cultura de 30 de outubro tratou da notícia da apresentação pública de um violino de som especialíssimo (como ressaltou o próprio texto da notícia) da mesma forma padrão como edita qualquer outra notícia, sem atentar para a especificidade dela. Junto com as imagens, um texto foi falado o tempo todo da apresentação das imagens e do seu som (ou as imagens duraram o mesmo tempo do texto). O telespectador não pode apreciar o som que o próprio texto dizia ser especial e que ficou ao fundo. Textos podemos ler em jornais, mas o som, ele deveria ter feito parte de alguns segundos da reportagem. Ele era parte da mensagem que deveria ter sido passada para o telespectador (Carlos Percinotti, São Paulo)’
Imagem
‘Gosto da TVCultura (…) do Roda Viva, do Provocações, dos concertos da OSESP etc (…) Sugiro que nas legendas que acompanham as matérias e que aparecem em baixo, na tela, os nomes dos jornalistas, entrevistados, locais, dados, musicas, autores, maestros (no caso dos concertos) e qualquer informação apareçam mais vezes e que não sumam em seguida ou fiquem no ar durante a matéria, para que possamos acompanhar. Até para que as crianças que estão em fase de alfabetização (e adultos também) possam acompanhar as letrinhas. Lamentavelmente, nas emissoras de TV, as legendas somem logo. Acho que na TV cultura não deveria ser assim… (…) (Luiz Patrício Salgueiro, de Eldorado do Sul – RS)’
Palavra
‘Procuro assistir o programa Roda Viva. Tenho ficado bem triste com as intervenções do mediador e dos entrevistadores. Será que os jornalistas poderiam ser menos palpiteiros e se aterem à pergunta sem querer interferir, colocar, ou impor seu pensamento ou sua ideologia aos entrevistados? Os jornalistas deveriam saber que do outro lado tem gente que sabe pensar. (Luciano Andrade, Belo Horizonte)’’