Há 36 anos no ar, com a portaria nº 140, assinada, dia 5, pelo secretário de Cultura do DF, Bartolomeu Rodrigues, a rádio Cultura FM foi carimbada como emissora “chapa branca”. Chapa branca é a cor da placa dos carros oficiais que servem aos que ocupam cargos públicos. A emissora que, por lei, deveria estar focada na produção e transmissão de programas educativo-culturais, ficará agora sob o comando da assessoria de comunicação da secretaria de Cultura, área subordinada diretamente ao secretário de Cultura e comandada por profissionais comissionados, de sua inteira confiança. Em um momento pré-eleitoral como o que vivenciamos, as mudanças preocupam. Elas foram imediatamente alvo de protestos; há o temor do aparelhamento da emissora.
Pelo que estabelece o artigo 3º da portaria, será o chefe da assessoria de comunicação do secretário de Cultura quem terá o poder de supervisionar diretamente as atividades comunicacionais da Rádio Cultura, cabendo a ele, dentre outras funções, coordenar planos e programas de comunicação no âmbito da rádio; definir a política de divulgação institucional do Governo do Distrito Federal na Rádio Cultura e supervisionar as redes sociais da emissora. Vale lembrar que as assessorias de comunicação das secretarias e demais órgãos do GDF seguem orientações e diretrizes emanadas da secretaria de Estado da Comunicação Social, pasta diretamente ligada ao governador Ibaneis Rocha (MDB). Para a representante do Centro-Oeste no Conselho Nacional de Cultura (CNPC), Rita Andrade, a Cultura FM sempre foi o ponto tradicional de conexão dos conteúdos de jornalismo, entretenimento, compromisso social e difusão cultural. “Agora, vai virar refém dos interesses governamentais, via gabinete da secretaria de Cultura.”
A seção distrital do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que na capital reúne dezenove entidades, dentre elas os sindicatos dos Jornalistas Profissionais e o dos Radialistas do DF; emitiu nota em que afirma ser a portaria um atentado contra a autonomia profissional e editorial da emissora pública, que cumpre papel fundamental na difusão das expressões culturais do DF. Para o FNDC-DF o ato configura intervenção na Rádio Cultura FM de Brasília.
O Fórum lembra ainda que os instrumentos legais de controle social sobre a emissora vêm sendo desconstituídos paulatinamente. “Os ataques da secretaria à rádio não vêm de hoje. O primeiro foi a não recomposição do Conselho Curatorial da Rádio, espaço que congregava sociedade civil, acadêmicos e produtores culturais, com a finalidade de pensar e discutir propostas editoriais e caminhos de gestão transparente da única rádio pública do DF. Depois da destituição arbitrária do Conselho, único espaço de participação social na gestão da rádio, a secretaria de Cultura retirou do ar programas históricos, alegando cumprimento de decisão do TCDF. Faltou gestão e vontade política para solucionar um problema que afetou de maneira drástica a programação da rádio, que hoje, para se manter no ar, exige grande esforço dos jornalistas e profissionais que nela trabalham”, diz nota da entidade.
A gestão da rádio vinha sofrendo intervenções pontuais há algum tempo. Jornalistas e radialistas concursados estavam sofrendo interferência superiores em suas atividades. Recentemente, as senhas dos profissionais que geriam as redes sociais da emissora foram canceladas. A última postagem da emissora no twitter foi dia 29 de junho e, no Instagram, se referia a agenda cultural do início de maio.
Privatização
O GDF parece não saber exatamente o que fazer com a emissora. Em 2021, chegou a lançar um edital para privatizar a gestão da emissora. A privatização ganhou a criativa denominação de “gestão compartilhada com uma organização da sociedade civil (OSC)”. A proposta era passar para terceiros a responsabilidade de gerir e captar fundos para a emissora. Além disso, a entidade seria remunerada antecipadamente com a importância de R$ 1,5 milhão para cobrir durante um ano as despesas de operação, produção, transmissão multimídia e integração em redes colaborativas culturais.
Embora a legislação federal proíba a captação de anúncios pelas emissoras educativas e culturais, pelo edital, o novo gestor teria direito de captar recursos externos. O edital não definia se os valores captados seriam investidos obrigatoriamente na rádio, ou poderiam ter outro destino. A reação foi grande, partidos e entidades civis protestaram. O Psol entrou com uma representação no Tribunal de Contas do DF. Que recebeu parecer favorável pela área técnica do TCDF, mas a ação foi posteriormente arquivada, pois o GDF recuou da privatização.
Emissoras Públicas
O artigo 221 da Constituição Federal dividiu em três categorias as emissoras de rádio e TV: privada, estatal e pública. Desde 1988, pela falta de uma lei infraconstitucional, perdura uma incompreensão da diferença entre estatal e pública. Há, contudo, um consenso de que a mídia pública pode ser mantida por recursos estatais, entretanto haverá controle social da gestão e, em especial, da linha editorial desses veículos. O objetivo é evitar que eles virem “chapa branca”, divulgando apenas aquilo que interessa ao governante de plantão. Segundo o Dicionário Informal da Língua Portuguesa, disponível na Internet, jornalismo chapa branca é aquela que é “manipulada pelo governo”. Já o Dicionário Criativo traz a definição cunhada pelo jornalista Paulo Nogueira, criador do site Diário do Centro do Mundo, em que “jornalismo chapa branca” pode ser definido como a defesa, pelas palavras ou pelo silêncio, da “plutocracia predadora”. E o consequente abandono do interesse público.”
Controle Social
As emissoras educativas-culturais devem possuir um conselho que dê espaço à sociedade civil contribuir na linha editorial e de conteúdo. Assim, evita-se o oficialismo nessa poderosa ferramenta de comunicação. Legalmente, o objetivo maior de emissoras dessa categoria é a promoção e o fortalecimento da educação básica e superior, da divulgação cultural, pedagógica e de orientação profissional. Esses propósitos devem orientar o jornalismo, os programas culturais e de entretenimento dessas emissoras. O melhor exemplo nacional de gestão de veículos dessa natureza é o da TV Cultura, de São Paulo, inspirado nas regras da BBC de Londres. O Estado custeia o funcionamento, mas é a sociedade quem dá as diretrizes. Vale lembrar que informar e ser corretamente informado são direitos constitucionais de todos os cidadãos brasileiros.
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Chico Sant’Anna é Jornalista e Documentarista, Mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília, e Doutor em Ciências da Informação e Comunicação, pela Université de Rennes 1 – França, com tese publicada na área de Comunicação Pública.