Na madrugada do dia 12 de janeiro de 2011, o Brasil perdeu um dos mais importantes cientistas do mundo. O físico teórico Jayme Tiomno morreu, aos 90 anos, no Rio de Janeiro e mais uma vez não vimos sequer uma linha escrita sobre o fato nos grandes veículos de comunicação do país. Concordo que a contratação de um grande craque do futebol para um dos maiores times brasileiros possa ser a primeira página – afinal, o futebol é uma paixão nacional. Uma tragédia como a da região serrana carioca deve ocupar também as chamadas principais. Porém, nem uma nota de rodapé noticiando a perda de um cientista da envergadura de Jayme Tiomno. Isso chega a ser uma indelicadeza, uma falta de respeito com a memória nacional.
O professor Tiomno foi um dos precursores no desenvolvimento da física no país e, juntamente com César Lattes, José Leite Lopes, Marcelo Damy e Mário Schemberg, entre outros, ajudou na formação de uma sólida estrutura de pesquisa. Ele também participou da fundação de instituições como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) no Rio de Janeiro. Pouco é divulgado, mas o Brasil conta com uma das mais sólidas escolas em física de partículas do mundo e grandes avanços na área foram protagonizados por pesquisadores brasileiros como Jayme Tiomno. O prestigiado físico norte-americano John Archibald Wheeler declarou certa vez, em 1998: ‘Eu sempre penso que Tiomno foi um físico pouco reconhecido. Seu trabalho de 1947-1949 sobre captura e decaimento de muons foi pioneiro e mereceria o devido reconhecimento via premiação adequada’.
Amadorismo, contra-senso e sensacionalismo
Estaria Wheeler se referindo à Real Academia de Ciências da Suécia? Sim, em carta escrita ao físico sueco Stig Gunnar Lundqvist, em 6 de fevereiro de 1987, Wheeler recomenda a inclusão de Tiomno na concessão da honraria daquele ano (o Prêmio Nobel de Física). O episódio está relatado em mais detalhes em artigo da Revista Brasileira de Ensino de Física publicado em 2003 pelos físicos José Maria Filardo Bassalo e Olival Freire Júnior, professores das Universidade Federal do Pará e da Universidade Federal da Bahia respectivamente. Neste artigo, intitulado ‘Wheeler, Tiomno e a física brasileira’, os autores passam em revista as relações entre o físico brasileiro e o físico norte-americano, seus trabalhos em parceria e como o regime militar afetou o desenvolvimento desta ciência no país.
O reconhecimento de Wheeler não foi suficiente para o comitê do Nobel, mas o impacto dos trabalhos de Tiomno é amplamente reconhecido na literatura especializada da área. Todos os dias no mundo inteiro suas formulações são utilizadas, mesmo que no nosso país pouco se saiba sobre este e tantos outros cientistas.
Para mim foi tão espantoso a ausência de qualquer comentário acerca do assunto na grande mídia, que me debrucei teimosamente sobre algumas editorias de ciência. Nenhuma citação sobre a morte do cientista. Em lugar de uma pauta como essa, estampava na chamada principal da editoria de ciência de um ‘grande’ jornal do país: ‘Cientistas criam frangos que não desenvolvem gripe aviária’. Chega a ser patético tamanho amadorismo, contra-senso e sensacionalismo. Acredito eu que o leitor, de qualquer que seja o nível, entenderia que cientistas modificam e não ‘criam’ frangos. Com esse exemplo, talvez até Aldous Huxley, no universo ficcional do seu brilhante Admirável Mundo Novo, com seus ovos bokanovskizados, acharia mise-en-scène, factoide e deselegante a atual cobertura de ciência e tecnologia da mídia nacional.
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Físico, professor do Cefet/MG e editor do fóton Blog (www.fotonblog.com)