Se existe uma área do jornalismo onde a pesquisa acadêmica é essencial para o futuro da profissão, ela é a da busca da sustentabilidade financeira, especialmente para projetos independentes e locais. Mas não é apenas a sobrevivência econômica destes projetos que está em questão. Ao que tudo indica, a sustentabilidade vai deflagrar também mudanças radicais no exercício do jornalismo na era digital.
Segundo dados da empresa norte-americana CBInsights, especializada em pesquisas sobre projetos digitais, cerca de 70% das novas empresas surgidas na internet desde 2018 jogaram a toalha em até um ano e meio depois de criadas. O dado indica um altíssimo índice de mortalidade entre startups, inclusive as jornalísticas, provocado pela redução de 23% no volume de financiamentos recebidos por empresas iniciantes.
O desafio da sustentabilidade é anterior à recessão econômica global produzida pela pandemia. Esta só agravou o problema e agora os jornalistas foram colocados diante de um difícil dilema: ceder ao pessimismo provocado pela falta de alternativas financeiras ou deixar que os grandes conglomerados jornalísticos junto com plataformas como Google, Facebook, Instagram e Youtube decidam quem sobrevive e quem desaparece no universo da informação.
Papel da universidade
A universidade ocupa um papel chave na busca de sustentabilidade financeira em projetos informativos online porque tem condições de preencher uma lacuna crítica na exploração de alternativas futuras para o jornalismo: o conhecimento de como pesquisar a realidade, codificar e categorizar resultados para formular hipóteses a serem testadas na prática.
Esta expertise falta à maioria dos novos empreendedores jornalísticos que não têm tempo para pesquisas complexas porque sua prioridade é produzir notícias para conquistar audiências e ganhar espaço no mercado. Já as grandes empresas estão mais preocupadas, de forma imediatista, com a própria sobrevivência e com a manutenção dos dividendos pagos aos acionistas.
As experiências acumuladas até agora por pesquisadores norte-americanos, como Penelope Abernathy, da Universidade Northwestern, e Sarah Stonbley, da Universidade Montclair, mostram que o estudo da sustentabilidade financeira de iniciativas jornalísticas locais precisa partir de uma pesquisa detalhada da ecologia informativa do local onde cada projeto está ou será desenvolvido. Isto é fundamental para identificar quais as informações que as pessoas mais procuram, como chegam até elas e o que estão dispostas a dar em troca das notícias acessadas.
Quanto mais detalhada for esta pesquisa maior a possibilidade de desenvolvimento de informações de real interesse da população. Sarah Stonbely, por exemplo, constatou em seus estudos que os limites geográficos e administrativos são muito menos representativos das preferências individuais do que a pesquisa baseada em ecossistemas informativos, já que com a internet as pessoas se informam numa grande diversidade de fontes.
Engajamento, fidelização e modelos múltiplos
A conclusão é que dificilmente haverá um modelo único capaz de ser usado em diferentes locais e com diferentes tipos de público. Isto torna a pesquisa bem mais complexa, fazendo com que ela seja desenvolvida por quem tem as habilidades e competências para executá-la, já que seus resultados vão determinar o tipo de produto que será oferecido por cada projeto. Surge daí a necessidade de uma colaboração cruzada entre jornalistas no exercício da profissão e pesquisadores acadêmicos.
O conteúdo das notícias, sua apresentação e os canais de disseminação são essenciais para determinar a sustentabilidade do projeto. Estes três fatores são fortemente influenciados pelo tipo de relação que o profissional estabelece com o público do seu projeto. É o tão falado processo de engajamento entre jornalistas e a comunidade, em que o repórter deixa de ser um visitante para ser um participante desta mesma comunidade. Com isto, o profissional tem condições de produzir notícias em condições de criar a tão procurada fidelização das audiências.
A fidelização é a base de qualquer modelo funcional de sustentabilidade em projetos jornalísticos não vinculados a conglomerados e empresas de comunicação. É com base nela que os profissionais podem propor formas de pagamento das notícias produzidas. Não há como escapar da necessidade de receitas monetárias e não monetárias para que a atividade jornalística seja sustentável, mesmo em projetos não lucrativos.
Garimpando experiências ao redor do mundo é possível identificar uma variedade enorme de formas diferentes de captar recursos para manter um site, podcast ou vídeo online baseados numa agenda noticiosa focada nas pessoas e não em interesses partidários ou corporativos.
Interdisciplinaridade
As opções vão desde a cobrança de acesso (assinaturas), até a troca de trabalho por notícias, passando por rifas, doações, promoção de eventos com acesso pago, prestação de serviços e financiamentos públicos ou privados. A troca de trabalho por notícias é muito praticada em populações muito pobres, em que as pessoas prestam serviços, como divulgação, limpeza, vigilância, venda de rifas ou participação na organização de eventos.
Para quem atua ou atuou em algum projeto jornalístico online, a importância da sustentabilidade é uma questão óbvia. O que ainda não é consensual é o fato de que ela integra um conjunto de fatores que se não forem levados em conta tornam quase impossível a sobrevivência do projeto. As lições colhidas até agora em trabalhos como os das professoras Monica Chada (Arizona State University) e Summer Harlow (Houston University) mostram que a pesquisa de modelos de sustentabilidade precisa ser holística e interdisciplinar.
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.