Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Autoridade Palestina e o ‘efeito Al-Jazira’

O vazamento de documentos da Autoridade Palestina é mais um capítulo da nova modalidade em curso de atuação da imprensa: quando ela deixa de simplesmente informar e passa a influenciar diretamente o curso político. Isso sempre existiu, mas a criação do WikiLeaks transformou o fenômeno, acelerando-o.


De certa maneira, este é um acontecimento até natural, uma vez que vivemos a era da velocidade da internet. Não se poderia imaginar que a história seguiria o ritmo do século passado. A diferença, no entanto, é que a rapidez transforma a análise. Ela perde o tempo de amadurecimento para acompanhar a sucessão de eventos bombásticos. Perde também em qualidade, como não poderia deixar de ser.


É assim também diante das muitas informações apresentadas pelo canal Al-Jazira e pelo jornal The Guardian, veículos que tiveram o primeiro acesso aos cerca de 1.600 documentos que acompanham, preferencialmente, o ponto de vista da Autoridade Palestina (AP) durante as negociações com Israel e EUA.


Violência como método


Analisar os impactos de tantos e importantes dados exige uma mudança de olhar. Sob o ponto de vista ocidental, é muito bom saber que a AP estava realmente interessada em negociar. E como negociar nada mais é do que aceitar perdas – e algumas delas dolorosas –, é válido reconhecer que a liderança palestina se dispôs a perder muito. Por exemplo, o presidente Mahmoud Abbas e o negociador-chefe Saeb Erekat colocaram em xeque as próprias biografias ao aceitar abdicar da reivindicação por toda a Jerusalém Oriental.


Israel não aceitou a oferta porque ela não compreendia alguns dos principais blocos de assentamentos: Ma’aleh Adumim, Har Homa e, principalmente, Ariel. No caso deste último, é bom que se diga que se trata de um dos maiores assentamentos na Cisjordânia, com 20 mil moradores e mais uma população de dez mil estudantes universitários transitórios – num país de sete milhões de habitantes, este é um número que não pode ser ignorado.


A contraproposta israelense consistia no controle de Ariel, Gush Etzion, Ma’aleh Adumim, Givat Ze’ev e Har Homa. Na prática, seriam anexados 6,8% da Cisjordânia e em troca Israel cederia 5,5% de território, além da construção de uma rodovia ligando Gaza e Cisjordânia a ser controlada pela Autoridade Palestina.


Fica muito claro que graves consequências aguardam os líderes palestinos moderados. A reação de Abbas e Erekat mostra que ambos sabem que suas vidas correm risco; Abbas disse que todo o material exposto era de conhecimento dos demais países árabes; Erekat procurou desqualificar os documentos e dizer que a Al-Jazira tenta minar o governo da Autoridade Palestina.


O que muitos veículos de imprensa procuram enxergar como condescendência por parte da AP nada mais é do que fruto de total desamparo político. Negociar com Israel e EUA foi o que restou aos membros do governo palestino, após o grupo ser expulso de Gaza pelo Hamas, em 2007. O realismo político está por trás desses documentos – e isso ninguém parece estar disposto a dizer – para israelenses e palestinos. Se o Hamas levanta a bandeira do radicalismo, defende a violência como método e condena as negociações com Israel, só restava mesmo a seus opositores internos – a própria Autoridade Palestina que tem nos membros do Fatah seus mais importantes e numerosos representantes – seguir pelo caminho inverso.


Clima negativo


Abraçar as negociações é a própria razão de existência da AP – criada após os Acordos de Oslo, em 1993, justamente com este objetivo. Unificar o discurso com o Hamas seria decretar o fim da mais importante instituição política palestina apoiada, bancada e legitimada pelo ocidente.


A atuação do governo israelense do então primeiro-ministro Ehud Olmert também foi guiada pelo realismo político. O país em crescimento e os atentados terroristas praticamente anulados tornavam a negociação no mínimo arriscada. Aceitar perdas – como o dito, qualquer negociação compreende abrir mão de algo – era desnecessário. Deixar a situação correr em inércia era uma opção viável e que não acarretaria maiores prejuízos políticos nem a Olmert, nem para a então chanceler Tzipi Livni.


Quem mais perdeu com tudo isso foi o governo da Autoridade Palestina. Sem a menor dúvida, os muitos opositores à administração de Mahmoud Abbas irão se aproveitar do clima negativo de surpresa para tentar obter ganhos políticos. Não é impossível imaginar que o Hamas adquira ainda mais força. Até porque os territórios palestinos não estão isolados dos demais países árabes. Se a transmissão da Al-Jazira dos acontecimentos na Tunísia motivou manifestações em todo o mundo árabe, a publicação desses documentos pela mesma rede de TV promete sacudir a política palestina.

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Jornalista, Rio de Janeiro