Friday, 29 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘A CADA DOIS ANOS, quando ocorrem eleições para presidência das duas Casas do Congresso, o jornalismo político vive período de êxtase.

Concentram-se em poucos dias conchavos, fofocas, traições, balões de ensaio que fazem a delícia de repórteres e leitores viciados em noticiário político convencional.

Para a sociedade, o resultado disso tudo em geral é quase nulo. O carnaval das vaidades este ano o demonstrou outra vez.

A Folha fez o trabalho preguiçoso de sempre. A reposição em seus tronos de veteranos que já os haviam ocupado duas vezes é a máxima expressão de sua previsibilidade, coroada na manchete de terça que anunciou o que todo mundo já sabia que iria acontecer havia semanas e já era realidade fazia quase um dia inteiro.

Não é preciso ser assim. Um mínimo de vontade editorial poderia tornar a cobertura do universo de Brasília muito mais relevante para o país.

No mesmo dia em que a mesmice se repetia, o presidente da República enviou ao Congresso, como determina a Constituição, sua mensagem anual ao Legislativo, para prestar contas do que fez no ano anterior e revelar suas prioridades para o que se inicia.

Exceto por duas notas na coluna ‘Painel’, este jornal ignorou por completo o documento, que constitui nada menos do que a agenda do Executivo para 2009.

Esse documento deveria ser o mote para um grande debate nacional, referência de todos os editores do jornal para fazer pautas, cobrar compromissos assumidos, checar se o governo fez o prometido, discutir se o que ele considera importante também o é para a sociedade, medir a relação entre ele e o Congresso.

Os EUA não são necessariamente exemplo positivo de coisa alguma. Lá, no entanto, esse mesmo documento do presidente ao Congresso, entregue em cerimônia transmitida em rede nacional de TV, é esmiuçado pelos meios jornalísticos no detalhe e orienta a população no seu julgamento das ações do Estado. Melhor do que o festival de jogo de cena motivado pela eleição dos dirigentes do Senado e da Câmara.

O cidadão que tem conhecimento do que o governo diz que vai fazer no ano também tem mais condições de controlar seu comportamento. Que melhor papel para a imprensa do que municiá-lo com essas informações, que afinal são públicas?

Em contraste, que utilidade tem para o cotidiano do leitor a montanha de balelas que foram ditas por candidatos a postos na Mesa da Câmara e do Senado e por quem tentava influenciar o resultado da eleição?’

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‘Paraisópolis é só a ponta de um grande iceberg’, copyright Folha de S. Paulo, 8/2/09.

‘A Folha fez cobertura inexplicavelmente acanhada dos incidentes de violência na favela de Paraisópolis, em São Paulo, esta semana.

Discretas chamadas de capa, pequeno espaço interno, pouco empenho editorial, mínima cobrança de explicação às autoridades estaduais a marcaram.

Só sexta, quando um colunista resolveu escrever sobre o assunto com vigor, é que o jornal deu o primeiro sinal de vitalidade em relação ao tema ao editar parte de seu texto na primeira página.

Os fatos foram suficientemente graves para justificar esforço muito maior. Mas a grande falha foi não aproveitá-los para agitar o debate sobre a proliferação de favelas.

Seu aumento exponencial exige do jornal resposta à altura do problema, um dos mais graves que o Brasil enfrenta e que parece submerso há décadas.

O registro anódino de suas explosões é irresponsabilidade jornalística e social.’

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‘Para ler’, copyright Folha de S. Paulo, 8/2/09.

PARA LER

‘Jornalismo Político’, de Franklin Martins, Contexto, 2005 (a partir de R$ 24,52) – Observações feitas em 2005 a partir de 40 anos de atividade como repórter político do agora ministro da Comunicação Social

‘Jornalismo e Política Democrática no Brasil’, de Carolina Matos, Publifolha, 2008 (a partir de R$ 42,42) – Excelente análise sobre como imprensa e política interagiram no Brasil entre 1984 e 2002

‘O Repórter e o Poder’, de José Carlos Bardawil (entrevista a Luciano Suassuna), Alegro, 1999 (a partir de R$ 49,86) – Memórias de um dos melhores repórteres políticos do país, que atuou de 1967 até morrer, em 1997

PARA VER

‘A Difícil Arte de Amar’, de Mike Nichols, com Jack Nicholson e Meryl Streep, 1986 (disponível para locação) – Comédia romântica sobre casal de jornalistas em Washington (o personagem masculino é inspirado no repórter Carl Bernstein) mostra a vida de profissionais da imprensa em centros de poder

‘Tempestade sobre Washington’, de Otto Preminger, com Henry Fonda, 1962 (à venda em sites americanos) – Relato impiedoso sobre como podem agir políticos inescrupulosos em votações de grande importância

ONDE A FOLHA FOI BEM…

GANHO REAL

Trabalho de levantamento próprio rende ao jornal boa manchete na quinta sobre ganho real de trabalhadores em acordos coletivos

MALHA FINA

Reportagem exclusiva resulta em importante notícia na sexta sobre liberação de restituições do IR a 100 mil pessoas presas na malha fina

ANTIBIÓTICOS

Outra matéria exclusiva desnuda na sexta venda de remédios sem receita médica e esquemas para ‘empurrar’ medicamentos ao consumidor

…E ONDE FOI MAL

DÉFICITS

Em 22 de janeiro, jornal deu nota sobre primeira queda anual do déficit da Previdência desde 1995 em página interna abaixo da dobra; na terça deu submanchete de capa para primeiro déficit mensal na balança comercial desde 2001: critérios desiguais para fatos similares são sempre erro grave

ABDELMASSIH

Espaço nobre de ‘Tendências/Debates’ ainda não foi cedido para acusadores do médico, que o ocupou para se defender

LUXEMBURGO

Espaço do ‘Painel do Leitor’ vira arena para confronto entre técnico Vanderlei Luxemburgo e colunista Juca Kfouri; assunto deve ser tratado nas páginas de Esporte’