Na quinta-feira (26/5) lideranças religiosas de vários credos participaram da gravação do direito de resposta concedido pela Justiça Federal em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal contra os programas evangélicos da Rede Record e Rede Mulher, por repetidas ofensas aos cultos e religiões afro-brasileiras [ver remissão abaixo].
Representantes do Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira (Intecab) e do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), co-autores da ACP movida pelo MPF, organizaram o programa Diálogo das Religiões, gravado em forma de debates entre os demais membros da comunidade, autoridades políticas e acadêmicas.
Gravado no Teatro Tuca, da Pontificia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, o programa dirigido pelo cineasta Joel Zito Araújo, autor do documentário A Negação do Brasil, reuniu uma diversidade de lideres religiosos. Budistas, espíritas, católicos, judeus, muçulmanos, entre outros. Todos expressaram respeito mútuo às práticas e ritos alheios aos seus.
Segundo o líder religioso e membro do Intecab, Francelino Shapanan, o projeto foi idealizado no intuito de esclarecer maus entendidos propagados pela mídia, em especial as emissoras envolvidas no processo.
Em busca do debate
Em clima descontraído, a platéia interagiu bastante graças à apresentação de Tony Garrido, ator e vocalista da banda Cidade Negra, e da atriz Maria Ceiça. Dividido em quatro blocos, o programa levantará questões sobre a mídia, como a visibilidade das religiões afro-brasileiras – além dos aspectos jurídicos do caso, nas visões do Procurador Regional dos Direitos do Cidadão Sergio Gardenghi Suiama e da procuradora da República, Eugênia Augusta Fávero, co-autora da ação que gerou o direito de resposta.
De acordo com a procuradora, o processo é baseado em princípios constitucionais e não induz em censura. Ela lembra que o direito de resposta foi concedido porque a Justiça Federal brasileira fez valer esses direitos reconhecendo que tenha havido uma ofensa reiterada às religiões de matrizes africanas. ‘A ação não é um instrumento de censura. É uma celebração do direito à democracia, do direito de viver e do estado democrático de direito. Somos diferentes. Somos diversos. Mas, somos iguais em direito, em direitos e no exercício da cidadania.’
As lideranças religiosas, por sua vez, dialogaram sobre a harmonia e a convivência pacifica entre seus semelhantes. ‘O convite das religiões afro-brasileiras as outras religiões mostra a posição de igualdade. Queremos mostrar para a sociedade que somos diferentes. Acreditamos em nossas divindades de formas diferentes, mas respeitando o outro. O que buscamos com esse debate é respeito.’
Princípios constitucionais
As emissoras devem transmitir durante sete dias consecutivos o programa realizado em forma de direito de resposta. Durante uma hora, os debates promovidos pelo Intecab e o Ceert desmistificam os cultos e hábitos das religiões de matrizes afro-brasileiras. Além disso, as rés terão de transmitir três chamadas diárias na programação habitual.
Todos os custos de produção e transmissão serão pagos pelas emissoras. O direito de resposta deverá ser transmitido no mesmo horário dos programas Sessão de Descarrego e Mistérios. A multa diária para o descumprimento da ação é de 10 mil reais.
Na decisão inédita da juíza federal Marisa Cláudia Gonçalves Cucio, foi determinado o cumprimento imediato da liminar, apenas dez dias após a citação da emissora, cujo prazo vence na quarta-feira (1/6), pois os danos causados pelos programas da igreja aos praticantes de cultos afro-brasileiros são de difícil reparação. Ela destacou que a Constituição Federal prevê um estado laico e com liberdade de culto.
Para o Ministério Público Federal e as entidades, os programas religiosos das duas emissoras, exibidos em horário noturno, desrespeitam os princípios constitucionais da liberdade religiosa ao ‘demonizar’ as religiões afro-brasileiras em cultos exorcistas e ao se referir de forma metaforizada aos pais e mães de santo como ‘pai e mãe de encosto’, entre outros termos pejorativos para desqualificar as religiões afro-brasileiras, como ‘sessão de descarrego’, ‘bruxaria’ e ‘feitiçaria’.
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Jornalista da Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República em São Paulo