Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um assassinato que poderia ter sido evitado

Nesta quinta-feira, 2 de junho, faz três anos que o repórter Tim Lopes foi assassinado por um bando de narcotraficantes, chefiados por Elias Maluco, quando cobria uma pauta na Favela Cruzeiro, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. O assassino acabou de ser julgado e condenado a 28 anos e meio de prisão.

O julgamento teve grande destaque na mídia, sobretudo na TV Globo, que transmitiu em quase todos os seus jornais flashes ao vivo, inclusive um bate-boca entre a promotoria e o advogado de defesa, que apresentou o assassino como ‘pintor de carros’. A sociedade respirou aliviada com a condenação de Elias Maluco. O restante da quadrilha será julgada no próximo dia 14 de junho.

Mesmo que os demais integrantes do grupo sejam condenados, o que todos esperam, o caso Tim Lopes não está encerrado. Trata-se, sem dúvida, de uma questão delicada e sobre a qual a mídia, há três anos, prefere silenciar. Algumas dúvidas não foram respondidas e toda vez que são colocadas têm provocado a reação desmesurada da direção da TV Globo. Até mesmo as representações sindicais dos jornalistas cariocas e da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que tiveram um comportamento questionável no episódio, silenciam ou preferem fazer críticas pessoais a quem cobra maiores esclarecimentos sobre as circunstâncias do assassinato do repórter. Na prática, a TV Globo acaba sendo favorecida, utilizando, quando questionada, o posicionamento sindical no caso Tim Lopes.

Até hoje a Globo não respondeu a questões relevantes que poderiam ajudar a esclarecer definitivamente o caso Tim Lopes.

O que foi feito da testemunha que a emissora disse ter retirado da Favela Cruzeiro por questão de segurança? Por que a polícia nunca questionou esse fato? Afinal, não cabe a polícia proteger quem sofre ameaças de bandidos? Ou será que o Estado delegou poderes à TV Globo nesse sentido?

Dúvidas sobre o baile funk

A TV Globo e demais órgãos de imprensa insistem em afirmar que Tim Lopes foi cumprir uma pauta por ele sugerida, atendendo a um apelo de um pai de família da comunidade da Favela Cruzeiro. Tim Lopes, segundo seus familiares, estava em férias e, ao voltar, encontrou a sugestão de pauta, que foi obrigado a cumprir.

Continua havendo uma unanimidade da mídia em torno da versão segundo a qual o repórter foi à Favela Cruzeiro cobrir um baile funk, onde supostamente meninas adolescentes eram obrigadas a participar de orgias sexuais, por exigência dos narcotraficantes. Aliás, o telefonema de um pai de família fazendo a denúncia, segundo a TV Globo, teria desencadeado a pauta que acabou em tragédia.

Nenhum jornal, televisão ou rádio, com raras exceções, apresentou a versão segundo a qual se o baile funk começava às 23h, por que Tim Lopes, nas vezes em que circulou na Favela Cruzeiro, marcava o horário das 22h para o motorista ir pegá-lo para deixar o local? Se ele marcava às 22h, como poderia filmar com a câmara escondida um evento que começava às 23h? Esta versão, não divulgada pela mídia, é garantida pelo inspetor Daniel Gomes, autor do relatório do caso Tim Lopes – relatório que, por sinal, desagradou a TV Globo e acabou fazendo com que o policial fosse afastado da delegacia da Penha e encostado em um cargo burocrático.

A mídia também não informou que, depois da prisão do bando de narcotraficantes daquela área, o tal baile funk, continuou acontecendo – e, diga-se, acontece até hoje. Não se tem notícia de que meninas adolescentes sejam obrigadas a praticar sexto explícito, como a Globo afirmara para justificar a pauta trágica.

Uma repórter que a mídia ignora

Outra pergunta esquecida pela mídia e pelas representações sindicais dos jornalistas: e a repórter Cristina Guimarães, que fim levou? Como se recorda, sete meses antes do assassinato de Tim Lopes, ela alertou a TV Globo de que estaria sofrendo ameaças de morte. Cristina havia feito reportagens na Rocinha e na Mangueira sobre a venda de drogas pesadas, sendo o complemento da matéria, no Complexo do Alemão, feito por Tim Lopes.

Como a emissora onde ela trabalhava não levou em conta o que dizia, Cristina decidiu cair na ‘clandestinidade’. Abandonou o trabalho, ficou escondida e foi caluniada ao extremo, não só pela TV Globo, como pelas diretorias do Sindicato de Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro e Fenaj (ver remissão abaixo). Ela continua até hoje fora do mercado de trabalho, mas está viva, pois preferiu se precaver e evitar que as ameaças de bandidos fossem cumpridas.

Por medida de segurança, Cristina este tempo todo evitou ser fotografada ou aparecer na televisão. Ela continua anônima, o que não aconteceu com Tim Lopes depois que ganhou o Prêmio Esso de Telejornalismo, cerca de seis meses antes de ser assassinado, quando apareceu várias vezes nos noticiários da TV Globo recebendo o troféu pela matéria ‘Feira de Drogas’.

Quem fazia matérias em áreas de risco, como Tim Lopes, não poderia jamais deixar de ser anônimo. Isso é o beabá do jornalismo com essa característica. Em dezembro de 2001, ao aparecer em todos os noticiários da TV Globo, esse cuidado foi esquecido. Os bandidos do tráfico, que tiveram os lucros afetados com a matéria ‘Feira de drogas’, queriam se vingar dos jornalistas responsáveis pela reportagem. Tim Lopes acabou sendo reconhecido pelo bando que o assassinou cruel e covardemente.

Cristina ganhou parte da ação trabalhista (acúmulo de função e hora-extra) que moveu contra a TV Globo. A decisão, em última instância –, não cabendo, portanto, recurso, segundo informou Cristina –, foi do Tribunal Superior do Trabalho. Em outro processo, Cristina Guimarães entrou, em novembro passado, com uma ação de danos morais contra a TV Globo em função, sobretudo, de declarações do diretor-executivo de jornalismo Ali Kamel, que em várias ocasiões investiu contra a honra da profissional de imprensa. Mais uma vez, as representações sindicais dos jornalistas, que teriam teoricamente a função de proteger um trabalhador contra o patrão, se omitiram e deixaram Cristina Guimarães sozinha.

A mídia em momento algum fez um paralelo entre Tim Lopes e um operário da construção civil. Se este trabalhador eventualmente morre atingido por algum objeto contundente na cabeça, não usando naquele momento um equipamento de segurança, não fornecido pela empresa construtora, o que aconteceria com o empregador da vítima? No mínimo teria de responder judicialmente por que motivo não forneceu o equipamento.

No caso de Tim Lopes, por que a TV Globo não foi cobrada pelo fato de não ter dado a segurança adequada a um funcionário que fazia uma reportagem em área de risco?

Por estas e outras razões, quer queiram ou não a TV Globo e seus áulicos, falta ainda responder devidamente muitas dúvidas para que se possa em definitivo virar a página dessa tragédia que, para muitos, poderia ter sido evitada.

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Jornalista, autor do livro Dossiê Tim Lopes – Fantástico/Ibope, da Editora Europa