O golpe militar que derrubou o presidente João Goulart completou 40 anos e invadiu as páginas dos principais periódicos. A Notícia iniciou a celebração no dia 28, domingo. Os textos marcados pela história de pessoas que viveram os tempos difíceis de 1964 atrelados à contextualização dos fatos foi um ponto de partida do jornal. Dessa forma, o diário de Joinville mostrou histórias de pessoas comuns e políticos que viveram o golpe, como foi o caso do advogado Carlos Fernando Priess, presidente da Associação Catarinense de Anistiados Políticos. ‘Todos os nossos sonhos foram sepultados pela ditadura, e ainda ficamos acomodados, pois a tortura e os métodos empregados contra aqueles que lutaram e foram presos, nos acomodou, pois, pessoalmente, achei que tínhamos apenas dado murro em ponta de faca, pois o capitalismo é extremamente poderoso, que conseguiu, sem um só tiro, terminar com a União Soviética, que era um referencial de todos os comunistas do mundo, em verdade, uns românticos, que sonhavam por melhores dias para a humanidade’.
Desde o início da cobertura, A Notícia priorizou o noticiário local, e este foco sobrepôs-se ao nacional, que não pode ser descartado já que é necessário para contextualizar os fatos.
O AN procurou explicar como o golpe aconteceu, as pessoas que estavam envolvidas, mas sempre utilizando personagens do estado. Além disto, prestou um serviço à sociedade revelando formas de pedir indenização pela perseguição sofrida. A informação de como o governo lidava com a situação também foi prioridade no jornal.
Os 40 anos do golpe de 1964 ganharam as primeiras páginas do jornal tanto no dia 28 como no 31 de março. Mas a opinião da empresa aparece explicitamente só na data que marcava o aniversário do fato, inclusive com chamada de capa para o editorial. O periódico abriu espaço também para os leitores opinarem por meio de artigos. De maneira geral, o tom era de indignação como revelam as frases do contabilista Carlos Alberto Kaminski em ‘Revolução ou Golpe?’: ‘Essa discussão até hoje está em aberto. E foi o general Olímpio Mourão Filho que na madrugada de 31 de março de 1964 botou o cachimbo na boca, deu umas baforadas, encheu o crânio de fumaça e precipitou o golpe, por sua própria conta e risco. E sem conhecimento dos demais, saiu de Juiz de Fora com um punhado de jovens soldados inexperientes para a derrubada do governo, antecipando em pelo menos 20 dias o movimento que deveria eclodir a partir do Rio de Janeiro’.
O assunto esteve nas páginas do jornal nos dias seguintes ao dia 31. Em forma de pequenas notícias sobre sessão solene em comemoração ao fato (01/04), em artigos (03/04) e como o fato marcou a vida das pessoas que estão nos poder hoje (04/04).
O clima emocional sobrepôs-se ao informativo em algumas partes dos textos que revelam a história do Golpe. ‘Nem sempre se tem consciência de estar fazendo História. Soldado raso no 14º Batalhão dos Caçadores (hoje 63º Batalhão de Infantaria) de Florianópolis, Valmor Agostinho acordou várias vezes no ano de 1964 com a ordem para ajudar a caçar comunistas. Empoleirado em um caminhão com vários colegas, coberto apenas por uma lona, lá se ia Agostinho salvar o Brasil da cubanização, do perigo vermelho, dos comunistas ateus, o diabo’ (O absurdo que foi naquela época, 31/03).
Opinião, só no dia 1º
No Jornal de Santa Catarina, o golpe de 64 começa a ganhar as páginas no fim de semana que antecede os 40 anos. As matérias, na maioria assinadas, partem do local para explicar o contexto nacional. Essa característica é apontada na edição de 27 e 28 de março quando o jornal avisa que ‘Até quarta-feira, o Jornal de Santa Catarina publica uma série de reportagens que resgata a história de pessoas ligadas a Blumenau que testemunharam fatos marcantes’. O início da matéria ‘Prontidão e marcha a Itajaí’ do dia 29 é um exemplo: ‘Era de ansiedade e inquietação o clima entre os militares do 23o Batalhão de Infantaria de Blumenau na abafada tarde de 30 de março de 1964, uma segunda-feira (…). Neste mesmo dia, (…), o presidente João Goulart faria um discurso para cabos e sargentos da marinha que serviria de estopim para a deflagração do golpe’.
Os textos estão repletos de descrições. Ambientes e até emoções de pessoas que sofreram com a ditadura aparecem nas matérias. ‘O Brasil se veste de cinza’ de 27 e 28 traz: ‘O som do manejo de fuzis era o prenúncio de que algo muito ruim estava prestes a acontecer. Olhos vendados, mãos amarradas e a audição em alerta. Perfilados à frente de um paredão, os presos (…) preenchiam o ambiente com o coro de respirações ofegantes (…)’.
Entre matérias de tortura, exílios e morte, aparece no dia 30 uma entrevista com o ex-senador e ex-governador Antônio Carlos Konder Reis e suas declarações destoam das apresentadas até então. Konder Reis afirma que: ‘Em 31 de março de 1964 não houve nem revolução, nem golpe militar, o governo desmoronou. O movimento militar foi mera coincidência’. Ainda diz mais adiante: ‘Esta afirmação que a mídia está fazendo que houve ditadura não é verdadeira. Durante todo o período da chamada revolução houve eleições. O regime era um regime autoritário, coisa diferente de ditadura’.
Apesar de o golpe ter sido chamada de capa nas edições de 27 e 28, 29, 30 e 31, o assunto só apareceu nas páginas de opinião no dia 1o de abril. O artigo intitulado ‘Faz 40 anos…’ aponta que ‘um governo eleito pelo povo que descumpre compromissos não se diferencia, fundamentalmente, de um governo autoritário’. Mas defende que ‘nada melhor do que a liberdade para o povo escolher, não apenas os governantes, mas também o modelo de sociedade desejado’. A ausência de um editorial tratando do assunto pode levar o leitor a pensar que o jornal não quer tomar uma posição para não se indispor com alguma parcela de seu leitorado. Mas se não há posicionamento frente a um fato ocorrido há anos, o que podemos esperar de um tema polêmico da atualidade?
Série de reportagens
No Diário Catarinense, a cobertura dos 40 anos também começou no dia 28 de março, quando o jornal trouxe a primeira das quatro reportagens especiais que se estenderiam até o dia 31, data do golpe, sendo inclusive manchete de capa. Nesta primeira reportagem, intitulada ‘O golpe que o país nunca vai esquecer’, e assim como nos dias seguintes, merece destaque o tratamento gráfico empregado nas matérias, trazendo diversas fotos, citações e boxes, que deram um ar mais dinâmico ao periódico, diferenciando as reportagens das demais seções do jornal. Também se mostrou interessante e prática o uso de uma linha cronológica no ‘pé’ das páginas, retratando as datas e acontecimentos que tiveram destaque durante o regime militar.
No dia 28, o DC reservou quatro páginas para retratar os principais fatos que levaram à derrubada do governo Jango e posterior implantação do regime ditatorial no país. O jornal prestou atenção especial aos catarinenses envolvidos na resistência ao golpe, como o advogado Rogério Queiroz, presidente da União Catarinense dos Estudantes (UCE) na época, e Eglê Malheiros, ex-presa e esposa do proprietário da Livraria Anita Garibaldi, que teve muitos dos seus livros queimados por vândalos em Florianópolis, logo após o golpe. Vários outros personagens e situações foram retratadas, trazendo a repercussão do fato em Santa Catarina.
No dia seguinte, o DC continuou sua cobertura dando ênfase ao desaparecimento de vários resistentes catarinenses, políticos contrários ao golpe. O jornal trouxe à tona várias situações carregadas de dramaticidade, como a do prefeito de Balneário Camboriú Higino João Pio, dado como morto em 3 de março de 1969. Também são retratados casos de tortura motivados por perseguições políticas, como no trecho que relata o sofrimento de Círio Arnoldo Vicente, preso durante a operação Barriga Verde, desencadeada em Santa Catarina pela Polícia Federal, junto com Exército, Marinha e Aeronáutica, em 1975. ‘Vi de tudo naqueles 10 dias no Dops, pessoas recebendo choques, palmatórias, agulhas sob as unhas, afogamento e cabos de vassoura no ânus’. No mesmo dia, o Diário Catarinense registra um episódio pouco conhecido pelos catarinenses: a guerrilha em Nova Veneza, no sul do Estado.
Dia 30, na terceira reportagem da série, o periódico veio com uma extensa entrevista com o ex-senador e ex-governador Konder Reis, que interpreta e analisa as causas e conseqüências do movimento militar de 64. Já no dia seguinte, data do golpe, o DC finaliza a cobertura retratando a passagem do presidente João Figueiredo em Florianópolis, em 30 de novembro de 1979, episódio conhecido como ‘Novembrada’, além de trazer uma página com um resumo sobre os fatos e articulações que levaram à redemocratização do país, em 1985. Ao fim da reportagem, são sugeridos ao leitor vários títulos de livros referentes ao assunto, para quem possa se interessar mais sobre o controverso período da ditadura militar brasileira.
De modo geral, o Diário Catarinense trouxe extensa e interessante cobertura sobre os 40 anos do golpe militar, embora não tenha se manifestado sobre o episódio em seus editoriais em nenhuma edição no período analisado, o que deixa o leitor sem saber a posição oficial do jornal.