Há uma semana passamos pelo primeiro turno das eleições gerais. Na quinta-feira que antecedeu a votação, The Irish Times, um dos principais jornais da Irlanda, onde resido atualmente, fez o que grande parte da imprensa brasileira tem dificuldades de fazer: chamar Jair Bolsonaro pelo que ele realmente é, um político de extrema-direita.
No editorial, o jornal destacava que o Brasil merecia sobreviver ao experimento fracassado de Bolsonaro. Trazia também os dados que envergonham qualquer imigrante: a associação de vacinas de Covid à AIDS, o comportamento misógino e racista, os discursos de golpe, entre outros.
Há uma imensa dificuldade, por parte da imprensa brasileira, de referenciar Bolsonaro como parte da avalanche mundial da extrema-direita que, infelizmente, se alastra também pela Europa, como visto nas eleições da Suécia e, mais recentemente, na Itália. A resistência quanto ao uso do termo é só a ponta do iceberg gigantesco de outras palavras, nomenclaturas e explicações que a população brasileira não teve acesso nos últimos quatro anos.
É compreensível, por um lado, a falta de liberdade e autonomia que muitos colegas enfrentam em redações Brasil afora. Infelizmente, essa abstenção midiática trouxe prejuízos seríssimos à população e à democracia. A jornalista Milly Lacombe escreveu recentemente sobre o assunto em sua coluna no UOL. No texto, ela relembra o incessante destaque que os escândalos de corrupção do Partido dos Trabalhadores (PT) tiveram na imprensa nos últimos anos, e que isso reforçou significativamente o antipetismo. Segundo ela, “a cada absurdo não confrontado dito diante das câmeras por Bolsonaro estamos naturalizando a extrema direita. A cada mentira não verificada dita em debate, idem. Não são mentiras sobre o número de escolas abertas em seu mandato. São mentiras que visam instalar paranoia, medo, bloqueio da imaginação e depressão. Não combatê-las é, proposital ou acidentalmente, naturalizar o fascismo que pulsa em Bolsonaro e em seus métodos”, ressaltou.
Para além do não uso do termo “extrema-direita”, está um conjunto de outras palavras que estão impregnadas dentro do Bolsonarismo, como explica o teólogo Ronilso Pacheco, em sua mais recente coluna no The Intercept Brasil:
[…]“extrema direita”, “nacionalismo cristão”, “reacionarismo”, “alt-right”, “fundamentalismo transnacional” e “algoritmos” nunca entraram na análise, com raríssimas exceções e nunca no mainstream midiático. Restrito a poucos especialistas, esse mapeamento e sua divulgação e exposição no espaço público faria uma diferença considerável no diagnóstico do momento atual.
Para Pacheco, os obstáculos de debater e discutir sobre a extrema direita também se deram pelas dificuldades de abordagem que a nova gramática trouxe.
Prejuízos para a sociedade e para a democracia
Na universidade, todos os estudantes de jornalismo aprendem que o primordial da nossa função social é trazer luz, esclarecer, esmiuçar, entregar a informação, que vai formar outras opiniões, da forma mais didática e clara possível.
Durante a campanha eleitoral de 2018 e os quatro anos do governo, raramente Bolsonaro foi tratado como um político de extrema-direita. Suas ameaças de golpe muitas vezes não foram contestadas. Os escândalos de corrupção de seu governo não ganharam o mesmo espaço que os dos anteriores. Jornalistas foram ameaçados e maltratados diversas vezes, o que prejudica diretamente a liberdade de expressão e o direito à informação, como mostrou o dossiê Ataques ao Jornalismo e ao Seu Direito à Informação.
Parte da população não se dá conta dos prejuízos de sermos governados pela extrema-direita. Entre os principais estão: a baixa adesão às campanhas de vacinação, aumento dos casos de violência contra minorias, a volta de doenças erradicadas há anos no Brasil, podendo levar a catástrofes sanitárias, e uma série de outros absurdos.
Daqui para frente
Quatro anos depois, frente a uma eleição extremamente decisiva, houve tempo suficiente para jornalistas, analistas e comentaristas entenderem sobre este cenário, que agora não é mais novo. A vitória de Lula é ansiada por nós, jornalistas que buscamos respeito e liberdade de expressão, pela frente democrática formada pelos principais candidatos concorrentes do primeiro turno, bem como ex-presidentes. Este é nosso primeiro passo.
Mas mesmo com Bolsonaro fora, é imprescindível não esquecer que as forças bolsonaristas, as ideias ultrapassadas e a onda conservadora permanecerão no nosso país. Mas como já mencionado, é preciso- urgentemente – dar nome aos bois.
Cabe à imprensa um momento de reflexão, e que seja urgente. Embora não seja possível consertar o que nos foi roubado nos últimos quatro anos, que tenhamos força para construir, nomear, dialogar, trabalhar e avançar frente à democracia que se aproxima, longe da escuridão de Bolsonaro. Para Milly Lacombe, o encaminhamento é simples: “Basta as palavras certas, manchetar os escândalos de corrupção, confrontar as mentiras ao vivo e repetir, repetir, repetir”.
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Tânia Giusti Mestre em Jornalismo e pesquisadora do Objethos.