Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um balanço da Conferência

Depois de anos de reivindicações da sociedade civil para a realização de uma conferência nacional que discutisse as comunicações no Brasil, finalmente, depois de muitos tumultos, ela ocorreu, em Brasília, em dezembro de 2009. Contou com associações civis de diferentes perfis, com os poderes públicos e com representantes de empresas.

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), como uma associação de defesa dos consumidores que, desde sua fundação, participa ativamente das discussões sobre as telecomunicações no Brasil, apresentou suas propostas à Conferência, tendo inclusive enviado um delegado. Em regra, todos os pontos defendidos visam, de alguma forma, em sua área temática, assegurar direitos dos consumidores, tais como a liberdade de escolha, a modicidade tarifária, a qualidade do serviço prestado, dentre outros.

Uma das mudanças mais urgentes a serem realizadas pelo poder público é a instituição de um marco normativo setorial coerente, convergente e flexível. Ao longo do século 20, a atividade regulatória das comunicações desenvolveu-se baseada em tecnologias e serviços com arcabouços normativos específicos, já que os serviços eram prestados separadamente. Com o atual processo de convergência, o mesmo serviço pode ser ofertado ao consumidor por diferentes tecnologias e diversos serviços podem ser ofertados ao consumidor por meio da mesma tecnologia ou plataforma. Nesse contexto, a continuidade da fragmentação legislativa e normativa é uma barreira à evolução do setor, causando conflitos de regras, competências, obrigações e direitos, sendo fundamental a instituição de uma nova lei geral para as comunicações.

Em qualquer processo democrático, no entanto, é imprescindível a participação da sociedade civil nas discussões. Por isso, devem ser instituídos mecanismos de diálogo e tomada de decisão com forte participação social, inclusive de caráter deliberativo, não meramente consultivo. Além disso, o processo de decisão deve privilegiar o debate público, com publicação de documentos prévios às consultas públicas, audiências e reuniões que objetivem envolver os cidadãos e cidadãs.

Interesses e conveniências

Outro ponto sensível na discussão diz respeito à banda larga, serviço cada vez mais essencial na vida de todos, de evidente importância, nessa nova forma de relacionamento com o mundo, para os diferentes aspectos da vida cultural, social e econômica. É imperioso pensar o acesso à internet como um direito fundamental e o Estado precisa assumir a responsabilidade pela universalização da banda larga. A consequência direta disso será a instituição desse serviço a ser explorado em regime público, com a imposição de obrigações de universalização e continuidade, com o controle de preços e tarifas e com a possibilidade de utilização dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust).

Mesmo com um novo marco regulatório e com a instituição do regime público para a prestação do serviço da banda larga, é essencial desagregar as redes para que a concorrência exista de fato. Essa desagregação nada mais é do que o cumprimento da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), que previu que prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo deverão ‘disponibilizar suas redes a outras prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo’. O acesso de outras empresas às redes das concessionárias de STFC, contudo, ainda não se tornou realidade, e o resultado da omissão dos órgãos reguladores é os consumidores do serviço de telefonia fixa e de banda larga manterem-se reféns de uma única empresa, com os conhecidos efeitos sobre o preço e qualidade dos serviços.

Nesse ambiente, a desagregação estrutural das redes apresenta-se como condição sine qua non para criar condições para o acesso não-discriminatório para todos os demais prestadores de serviços, para criar um ambiente de maior competição na oferta dos serviços, com diversos prestadores valendo-se da infra-estrutura das concessionárias, permitindo o exercício do direito de liberdade de escolha dos consumidores.

No centro da discussão das comunicações do Brasil estão, também, a neutralidade de redes e a proteção da privacidade dos usuários.

As operadoras de telecomunicações, que fornecem ao consumidor o acesso à Internet, conseguem determinar, em tempo real, o perfil da informação que trafega em sua infra-estrutura. Ao não tratar de forma isonômica aqueles que fornecem serviços concorrentes ao seu, as detentoras das redes eliminam competidores e impedem que o serviço contratado seja utilizado de acordo com os interesses e conveniências do consumidor. Por isso, o acesso a conteúdos e aplicações na Internet deve ser universal e não-discriminatório.

Primeiros passos

Com o avanço das técnicas de armazenamento e transmissão de dados, as possibilidades de violação da privacidade são maiores, criando um ambiente onde o usuário dos serviços de telecomunicações é colocado sob risco permanente de supressão de seus direitos fundamentais. Por isso, deve ser formulada e aprovada legislação infraconstitucional específica – de caráter civil, não criminal – que garanta aos cidadãos o direito de determinar: quando; como; por quanto tempo; sob que circunstâncias; e para que fins seus dados pessoais poderão ser armazenados, processados, divulgados, agregados ou combinados a outros dados.

De quinhentas propostas aprovadas, houve algumas especialmente importantes para o consumidor, em consonância com as sugestões encaminhadas pelo Idec. A exploração da banda larga em regime público e o reconhecimento do serviço como um direito fundamental do cidadão, uma das principais reivindicações do Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor, foi acatadas por unanimidade. Além disso, foi aprovada também a proibição à publicidade destinada ao público infantil; a garantia da privacidade dos usuários de internet e neutralidade das redes; e a reforma da lei de direitos autorais.

Apesar de não ter efeito prático imediato, as medidas deferidas na Conferência podem subsidiar mudanças na legislação em vigor e nas políticas do poder executivo. O importante, em 2010, é que os primeiros passos – ainda que tardios – sejam dados de forma urgente, e que o poder público e as empresas reconheçam tudo aquilo que foi discutido e aprovado pela sociedade civil, tomando decisões e implementando medidas que sejam efetivamente legítimas e democráticas.

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Advogada do Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor