O site El Ciudadano, de Santiago do Chile, publicou, no finalzinho de 2009, um comentário do jornalista espanhol Bernardo Gutierrez que muito me honrou. Bernardo circulou pela Amazônia e em Belém fez uma longa entrevista comigo, transformada em matéria para outro site, este espanhol, La Insignia. Suas observações estão contaminadas pela generosidade, com a qual se sensibilizou pela minha situação (‘O jornalista-herói da Amazônia’ é o seu título). Há excesso de boa vontade para com meu trabalho. Mas uma observação que ele fez me parece inteiramente justa: a comparação entre a repercussão e o apoio mundial dado à jornalista Yoani Sánchez e a discreta cobertura sobre a perseguição da qual sou vítima. Sugiro ao leitor cético a respeito que acesse o blog de Yoani e o compare a este jornal para decidir se Bernardo acertou ou não ao apontar o contraste. Também estou ao lado da blogueira cubana perseguida pelo governo de Fidel Castro, mas seu conteúdo não explica o culto que se formou em torno dela como símbolo da resistência e da crítica consistente à ditadura cubana.
Outro ponto na postagem de Bernardo que tocou minha mente foi definir o Jornal Pessoal como ‘um verdadeiro antepassado do blog’. É ou não é? Com a palavra, o leitor. Ofereço-lhe o texto de Bernardo como um convite a usar a reflexão de uma pessoa distante como um chamado à análise de quem, estando aqui ao lado, parece ter-se homiziado em outra galáxia. (Lúcio Flávio Pinto)
2009: 76 jornalistas assassinados (60 em 2008). 33 jornalistas seqüestrados. 1456 agredidos ou ameaçados. 151 bloggers e ciberdissidentes presos. O informe anual de Repórteres Sem Fronteiras, divulgado hoje (30 de dezembro), tira o fôlego. O mundo se estremece frente a casos como o da blogueira cubana Yoani Sánchez. A direita critica (com razão) à saciedade a censura em Cuba. Mas o resto do mundo não é muito melhor. Eu apenas quero chamar a atenção de um caso, o do brasileiro Lúcio Flávio Pinto, que nem sequer está entre os 1.456 ameaçados do ano.
Em 2008, publiquei uma entrevista com Lúcio Flávio Pinto, um dos mais prestigiosos jornalistas da Amazônia, Brasil e das Américas. O título da matéria falava por si: ‘A Amazônia é uma imensa Sicília verde’. O texto desvelava a heroicidade deste jornalista que durante 22 anos tem editado seu Jornal Pessoal, um pequeno periódico independente que não aceita publicidade, é distribuído em bancas de Belém (a cidade mais influente da Amazônia), um verdadeiro antepassado do blog. Lúcio Flávio preferiu renunciar a qualquer tipo de luxo, andar sempre de ônibus, não viajar nunca, para dedicar-se integralmente ao jornalismo de qualidade.
Lúcio Flávio tem publicado tudo o que ninguém mais se atreve. Tem revelado os maiores casos de corrupção da Amazônia. Tem apontado com o dedo aos culpados. E sua independência lhe tem custado constantes ameaças de morte e 33 processos judiciais. Ninguém, curiosamente, o acusa de falsidade. Apenas de manchar a honra dos culpados. O último absurdo ocorreu em 6 de junho de 2009, quando o Tribunal de Justiça de Pará condenou o jornalista a pagar aos irmãos Ronaldo e Romulo Maiorana, proprietários do império mediático Organizações Romulo Maiorana, afiliado à Rede Globo, una indenização de 30 mil reais (uns 12.000 euros) por danos morais.
Lúcio se referiu às conexões do pai de ambos, Romulo Maiorana, com o contrabando. Além disso, a justiça o proibiu de incluir os nomes dos irmãos no Jornal Pessoal. A multa, exorbitante, impossibilita praticamente o exercício jornalístico de Lúcio. É um escandaloso atentado contra a liberdade de imprensa. E nem sequer está no informe de Repórteres Sem Fronteiras. No Brasil, nasceu um grupo de apoio através do qual qualquer pessoa pode fazer una pequena doação. Vale a pena. O jornalismo está em jogo.
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Jornalista