Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Rede de redundância

O Grupo Bandeirantes de Comunicação vem investindo pesado no meio rádio. Nos últimos meses, assumiu o controle de várias emissoras só na cidade de São Paulo, a saber: 89FM, Alpha e Nativa. Além disso, comprou a antiga Sucesso FM, que ocupa os 96,9MHz do dial, e a transformou na Band News FM, cabeça de rede de um ambicioso projeto no segmento ‘all news’, com uma programação que traz 24 horas ininterruptas de notícia. A estréia se deu em 20 de maio. Mas a ofensiva da Bandeirantes não ficou apenas nisso. Desde o início do mês, a programação jornalística matutina (06h às 10h) da Rádio Bandeirantes AM, 840Khz, vem sendo transmitida em rede com a Rádio Brasil 2000 FM, nos 107,3MHz. A essas duas freqüências, soma-se mais uma emissora em FM que transmite o mesmo conteúdo: os 90,9Mhz, com um grande alcance na Baixada Santista.

A Brasil 2000 FM é ligada a um grupo de educação, a Universidade Anhembi-Morumbi. Está no ar desde 1985 e no início da década de 90 se estabeleceu como uma rádio de rock n’roll. Chegou a ter uma audiência média de 30 mil ouvintes por minuto. Nos últimos anos, porém, vem brigando para fugir dos últimos lugares no rannking de audiência medido pelo Ibope.

O radialista Roberto Miller Maia foi diretor da Brasil 2000 em seu período áureo. Deixou o cargo em 2000 devido a divergências com seus proprietários. Hoje, afastado do rádio, ele crê que a má fase da emissora que ajudou a comandar se deve a interrupção de um projeto que foi planejado para dar resultados a longo prazo. ‘Fiz um projeto muito meticuloso e detalhado que deveria estar hoje se consolidando no qual a rádio estaria figurando entre as 10 mais ouvidas de São Paulo’, diz.

Outro ponto apontado por Maia para o atual estágio da Brasil 2000 é a incapacidade de começar algo do zero, depois de sua saída. ‘Quando entrou um nova coordenadoria, deveriam ter mudado todo o rumo da rádio, não tentar disfarçar que a rádio era a mesma, pois nunca seria igual. Até hoje insistiram e tropeçaram no sentido de trazer de volta programas criados por mim’, afirma.

Mesmo a tentativa de um diferencial na programação musical é algo que, para Maia, não funciona. ‘É uma bobagem numa época onde você pode carregar no seu IPod ou no seu micro centenas ou milhares de musicas’, diz.

Maia é crítico com relação aos novos investimentos da Bandeirantes no rádio. ‘Que pode se dizer quando tem três emissoras transmitindo a mesma coisa das 06h às 10h. Chamar isso de que? Rede de redundância, falta de criatividade, retrocesso, ignorância. Eu só acho muito triste’, afirma. A seguir, a íntegra de sua entrevista.

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Desde que você deixou a direção da Brasil 2000, a emissora não conseguiu encontrar um rumo certo. A que isso se deve?

Roberto Miller Maia – Penso que o grande erro foi tentar dar continuidade e adaptar um modelo criado por mim. A Brasil 2000 foi um projeto muito autoral, bolei muitas estratégias e estava prevendo cada detalhe. Não é pretensão nem falsa modéstia, mas conhecia cada fio daquela radio e fiz um projeto muito meticuloso e detalhado que deveria estar ‘hoje’ se consolidando no qual a radio estaria figurando entre as dez mais ouvidas de São Paulo. Raramente pessoas traçam planos longos para veículos de comunicação, mas eu além de ser um jornalista, tenho uma formação de engenheiro, então é como um projeto que começa do alicerce. A Brasil 2000 era e é uma rádio frágil, independente e não ligada a nenhuma grupo de comunicação, ligada apenas a uma entidade de ensino. Por isso tinha de existir de uma forma muito particularizada , era o que eu estava fazendo. Houve precipitação de atitudes e falta de sensibilidade depois que eu sai. Quando entrou um nova coordenadoria, deveriam ter mudado todo o rumo da rádio, não tentar disfarçar que a rádio era a mesma, pois nunca seria igual, meu projeto era muito intrincado . Até hoje insistiram e tropeçaram no sentido de trazer de volta programas criados por mim.

O recente acordo com o Grupo Bandeirantes é um indício de que a Universidade Anhembi-Morumbi poderá se desfazer da emissora no futuro?

R.M.M. – Não acredito, pois se tivesse que se desfazer já teria feito antes. Na minha opinião é a primeira tentativa de enterrar o passado da rádio, o que é muito certo. Porém é uma pena, a Brasil 2000 é como se fosse um país que é auto-suficiente em tudo e insistisse em importar matéria-prima, um grande desperdício.

A Brasil 2000 tentou apostar numa programação segmentada, tendo a frente Kid Vinil, lembrando muito o trabalho que você desenvolveu no começo dos anos 90. Porém, essa experiência não deu certo. O que teria ocorrido? O público que curte rock nos dias de hoje é mais refratário a novidades que no passado?

R.M.M. – Não acho que tem a ver com o público, as pessoas não mudam tanto assim. Aliás o publico nunca teve acesso a tantas novidades como hoje me dia, nem precisa de uma rádio para isso. A novidade pela novidade não é nada, é excesso de informação sem conteúdo. Os comunicadores têm de mandar uma mensagem que atraia o publico. Não é trabalho do publico entender as viagens dos comunicadores. Ser alternativo não é falar um idioleto, nem pregar para os convertidos, é saber ser diferente sem ser hermético, saber inovar nas entrelinhas, ser novo não é ser incompreendido. Repetir a história do passado é farsa, parafraseando Marx. O que faltou foi uma verdadeira ousadia, uma assumida inovação.

O mercado publicitário também não deu o retorno esperado a essa volta da Brasil 2000 ao alternativo. Houve uma falta de competência do departamento publicitário ou o mercado realmente não se sensibiliza com fórmulas diferentes?

R.M.M. – Não posso falar dos profissionais da área comercial da rádio, pois aconteceram muitas mudanças que eu não acompanhei. A verdade é que o mercado quer números, ninguém vai pagar um comercial em uma rádio que esta em último lugar. Depois a formula da Brasil 2000, naquele período, não tinha nada de diferente, muito pelo contrario, era extremamente arcaica e, pior, soava amadora. Se basear em um ‘diferencial’ só musical é uma bobagem numa época na qual você pode carregar no seu IPod ou no seu micro centenas ou milhares de musicas. O publico quer algo mais . Uma rádio é interatividade, polemica, opinião, inovação a cada dia, dinâmica e muito mais, ou seja, tudo que estão esquecendo de fazer, hoje em dia, de uma maneira geral. Para citar um dos poucos bons exemplos que sobraram na rádio, o melhor do programa Garagem é o papo inovador e o jeito irreverente deles, e não as músicas que tocam, muitas delas na verdade são chatérrimas.

Como você analisa essa investida do Grupo Bandeirantes no meio rádio, comprando emissoras como a Sucesso, a 89FM, a Nativa, a Alpha e ocupando esse horário matutino na Brasil 2000? Seria uma revitalização do meio rádio ou mais uma forma de monopólio?

R.M.M. – Analiso que com a queda da indústria fonográfica as rádios brasileiras ficaram pobres de dinheiro, pois pobres de idéias já estão há um bom tempo, salvo as exceções e os modelos consagrados. As igrejas saíram comprando um monte de rádios e os grupos mais poderosos também. Vai sobrar pouco, uma pena, pois todo mundo adora rádio. Uma revista de que eu gosto muito chamada Wired publicou na capa da sua edição de março que estamos chegando a fim do modelo de rádio que conhecemos, e que acontece uma revolução com um novo modo de fazer rádio independente, o que seria fantástico neste momento no país. Um boom da segmentação. Para variar, aqui estamos na contramão do tempo. Que pode se dizer quando tem três emissoras transmitindo a mesma coisa das 6h às 10h. Chamar isso de quê? Rede de redundância, falta de criatividade, retrocesso, ignorância. Eu só acho muito triste. Estou sem trabalhar em rádio há anos e nem tive um único convite nunca mais, não só eu como tantos outros profissionais, muito bons, que eu conheço. Acho melhor dizer que isto é para se pensar na cama!

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Colaborador dos sítios Laboratório Pop, Bacana e Papo de Bola; blog pessoal (http://onzenet.blogspot.com)