Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mudança depende de todos nós

Quando houve, na noite de Natal de 1995, o maior deslizamento de terra do Brasil nas encostas da Serra Geral, no sul de Santa Catarina (ver aqui), nem a grande mídia, nem o Estado brasileiro deram a devida atenção à tragédia que arrastou 29 pessoas das áreas rurais localizadas abaixo das encostas, sendo que grande parte dos corpos nunca foram encontrados. Agricultores sobreviventes da localidade de Figueira declararam na época que a tragédia começou depois que duas nuvens de ‘cores diferentes’ se chocaram caindo inteiras sobre as encostas dos Aparados da Serra Geral, atingindo as encostas de três municípios (Timbé do Sul, Jacinto Machado e Siderópolis) e destruindo tudo que havia pela frente na bacia hidrográfica do rio Araranguá num trajeto de 40 km até o mar, entulhando a praia do Morro dos Conventos e Arroio do Silva, com troncos e toras de madeira num trecho de aproximadamente 20 km de extensão.

Diferentemente da tragédia de Angra dos Reis ou do Vale do Itajaí/SC em 2008, na citada região atingida pelos deslizamentos não havia moradias embaixo dos morros ou em qualquer área considerada de risco, como também não havia desmatamento comprometedor nas encostas. O que intriga neste inusitado caso é a imensa quantidade de chuva num mesmo momento e numa mesma área de aproximadamente 15 km ainda preservada. Na época, a gravidade do fato trouxe uma equipe de estudiosos da UFSC para avaliar durante uma semana o evento extremo que causou o gigante deslizamento, provocando prejuízos incalculáveis à agricultura e aos bens públicos dos municípios afetados, porém sem um parecer conclusivo sobre a causa da catástrofe climática.

Boicote descarado

O uso inadequado do solo tem acelerado e contribuído com os processos de deslizamentos, principalmente em perímetros urbanos. A ganância infecciosa por um desenvolvimento desordenado tem causado o desequilíbrio do clima, seja pela indústria ou pela agricultura, com a ocorrência de tormentas, vendavais, enchentes, estiagens, ciclones extratropicais, tornados e furacões. Enquanto ainda muitos continuarem pensando que todos os eventos extremos são apenas fenômenos e desastres naturais e que o lucro está acima de tudo, não podemos esperar dos governantes atitudes e medidas para reduzir o impacto das tragédias, sejam elas climáticas ou não, que estatisticamente passarão a ocorrer com mais intensidade e frequência. Mais uma vez a comunicação é importante para sensibilizar os que ainda não perceberam que algo está mudando e mudando para pior.

Baseados nas divergências entre os órgãos responsáveis pelas leituras meteorológicas, inclusive aquelas feitas pelas redes de televisão, solicitamos ao estado catarinense e brasileiro que estudos mais profundos, além da ciência da meteorologia, sejam realizados urgentemente. Estudos abrangendo a geofísica, a oceanografia, a sociologia ou qualquer outra ciência que venha esclarecer de vez a população atingida, de forma a orientar adequadamente a prevenção e adaptação às comunidades desprotegidas à força dos ventos e às que vivem em áreas de risco para enchentes e deslizamentos.

Infelizmente, a comoção pública nestas tragédias é momentânea e muitos governantes tiram proveito político eleitoral, como também grande parte dos recursos não chegam ao adequado destino. Não existe uma investigação adequada quando se trata de verbas para catástrofes naturais, pois geralmente os ‘espertos’, que estão de olho na grana, incrivelmente apelam denunciando qualquer medida cautelar que promova seriedade na aplicação. Entidades denunciam, mas a mídia não publica ou divulga. A grande e média mídia de SC tem boicotado descaradamente denúncias e alertas quando se trata de meio ambiente. A alternativa que resta às ONGs por enquanto é a internet.

Capacidade transformadora/revolucionária

Não basta só mapear as áreas vulneráveis e as áreas de risco com o anúncio da implantação de medidas de prevenção e adaptação aos novos tempos que estão chegando. Antes, é preciso mudar os corações e mentes das pessoas, fazendo-as perceber que chegamos a um limite tal de exploração dos recursos naturais que só deveríamos utilizá-los para atender às atuais necessidades sem, no entanto, prejudicar o direito das futuras gerações. Isto parece papo furado de ambientalista, mas é a mais perfeita avaliação do atual quadro geopolítico ambiental.

Desde o fato citado da noite de Natal de 1995, a divulgação pela mídia tem sido maior, até porque os eventos extremos têm ocorrido com mais frequência e intensidade, e não apenas na região sul de SC. Se todos nós somos culpados pelo desequilíbrio ecológico, o setor das comunicações talvez seja um dos mais culpados, pois mantém contato diariamente com as pessoas de todas as faixas sociais e etárias. Nossas vidas, direta ou indiretamente, estão sujeitas à influência positiva ou negativa do que vemos, ouvimos ou lemos diariamente. A mídia ainda não percebeu o poder que tem e do qual sabe muito bem se aproveitar oportunamente para manipular nossas vidas de acordo com seus interesses.

A mídia tem a função de informar com responsabilidade, divulgando não apenas os efeitos, mas investigando as causas para entender os fatos como cidadãos. Coberturas oportunistas desviam a atenção de debates mais sérios que poderiam levar os segmentos organizados da sociedade civil cobrar medidas eficazes dos governantes. Exploração do sentimento dos sobreviventes ou parentes, com entrevistas oportunistas, poderia dar lugar a informações esclarecedoras sobre as causas e medidas preventivas. A sacada mais produtiva seria saber transmitir as catástrofes de tal forma que convencesse a opinião pública a não cometer mais erros, inclusive os políticos/governantes. A mídia teria esta capacidade transformadora/revolucionária de informar educando a população, porém seus patrocinadores privados e governamentais não o permitirão, com receio de que o lucro venha ser reduzido. Como então lidar com este conflito se a possível solução está na redução da degradação ambiental, caso específico da COP 15? Por isso insistimos que a mudança não está apenas no clima, mas em todos nós!

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Coordenador dos Sócios da Natureza – ONG Conselheira do Conama, Araranguá, SC