‘O jornalismo tem de esclarecer e não escurecer. Nosso trabalho é iluminar as tocas onde se escondem os hipócritas e os mentirosos.’ (Boris Casoy)
O que impede nossos jornalistas de, quando diante de assertivas descabidas de nossas autoridades, fazerem às mesmas indagações com uso de locuções interrogativas do tipo ‘por que’ (por que vossa excelência assim procedeu?). Da mesma forma nos deixa intrigados o fato dos profissionais de imprensa, quando ousam indagá-los e recebem como resposta verdadeiras imoralidades, não contestá-los fazendo uso de locuções interjetivas indignadas (mas, excelência, a lei número ‘tal’ diz justamente o contrário!). O costumeiro tem sido a mídia se limitar a noticiar os pronunciamentos dessas autoridades sem emitir qualquer juízo de valor, o que se traduz em omissão que, por sua vez, deixa a sociedade sem qualquer esclarecimento sobre fatos qu e direta ou indiretamente vão influenciar seu comportamento.
Isso vem ocorrendo de há muito. Mas não é preciso remontar ao passado distante para darmos exemplos da ora censurada atuação da mídia nacional. Citamos dois recentes exemplos na esfera do Legislativo.
A ascensão do banqueiro-empresário
Primeiro, ‘os escândalos do senador José Sarney’: comprovação de recebimento de indevido auxílio-moradia, prática de nepotismo, tráfico de influência etc. Não lhe foram feitas as interpelações que se esperava de uma mídia destemida, as quais, certamente, seriam óbice a que ele hoje desfilasse nos corredores do Congresso Nacional ostentando pose de político sem qualquer mácula na sua história, como uma pessoa ‘incomum’ e visto pelo povão como um injustiçado. E, segundo, ‘as denúncias de uso indevido das verbas indenizatórias e cotas de passagens aéreas’ pelos parlamentares. Quando da exposição dessa podridão a imprensa brasileira não só se contentou com os infundados argumentos, verdadeiros impropérios, dos parlamentares – de que as verbas indenizatórias e as cotas de passagens aéreas eram suas propriedades, delas podendo dispor da maneira que bem lhes aprouvesse, pois não existia lei que regulasse a matéria e nos regimentos das Casas Legislativas não constava disposição que lhes proibisse destiná-las da forma como vinham fazendo (observavam o princípio segundo o qual o que não é proibido é permitido) –, como também demonstrava emoção quando um parlamentar prometia devolver aos cofres públicos o que deles retirou indevidamente, como se o parlamentar estivesse praticando um gesto de nobreza. Com isso deixaram transparecer aos incautos que aos parlamentares assistia razão. Poderia a mídia evitar que essas inverdades prosperassem. Bastaria tão-só que dissesse aos espertalhões: às favas, excelências, essas justificativas não procedem! O parágrafo primeiro do inciso II do art. 55 da Constituição diz que ‘É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas’. A verba indenizatória não é propriedade do parlamentar. É quantia que lhe é posta à disposição para se ver ressarcido, ‘na justa medida’, dos gastos por ele efetivamente despendidos na defesa dos interesses dos eleitores-contribuintes. Portanto, se o quanto despendeu é de valor inferior, a sobra da verba deve ser restituída a quem de direito, para ser empregada em novas ações de interesse público. Quando a Constituição veda a percepção de vantagens indevidas está, ao mesmo tempo, dizendo que só é permitida a percepção de vantagens legalmente autorizadas. O dinheiro público é para ser gasto no interesse público. Pois é, nada lhes foi dito. O povo não foi devidamente esclarecido e pouco mudou a imoral conduta de certos parlamentares.
Na esfera do poder Judiciário chamou a atenção da sociedade brasileira, especialmente da comunidade jurídica, as maquinações elaboradas pelo ministro Gilmar Mendes para, abusando do seu ‘status’ de presidente da mais Alta Corte de Justiça da Nação, adotando comportamento ilegal e antiético, agindo como se advogado continuasse sendo, livrar da prisão o senhor Daniel Dantas. O imbróglio não era de fácil entendimento para leigos. Aos infundados argumentos do ministro Gilmar Mendes a mídia não opôs as esperadas e indignadas indagações; não se viu a mídia envidar esforços no sentido de esclarecer a opinião pública. E, por isso, prevaleceu para a grande massa a tese sustentada pelo Ministro Gilmar Mendes, qual seja, a de que a prisão do senhor Daniel Dantas tinha sido injusta, motivada por perseguição, por inveja de pessoas a quem não agrada a ascensão do banqueiro-empresário.
Aulas de desvio de conduta ético-moral
Deixou a desejar a atuação da mídia na recentíssima cena que envolveu o Executivo e que teve como ator principal o presidente da República: a nomeação do ex-advogado do PT e ex-advogado geral da União, Antônio Dias Toffoli como ministro do Supremo Tribunal Federal, sem que a figura do mesmo se revestisse das qualidades exigidas para o exercício do múnus, quais sejam, notável saber jurídico e reputação ilibada. Essa indicação, como se sabe, dependia da aquiescência do Senado Federal, que, por razões várias, juntou suas forças à do presidente para consumar – sob o protesto de pouquíssimos senadores – o vilipêndio ao dispositivo constitucional que rege a matéria. Pergunta-se: e às indagações da imprensa o que respondeu o presidente? Houve indignação da imprensa? Às indagações da imprensa o presidente respondeu com as habituais metáforas futebolísticas, provocando frouxos de risos. Como se o STF fosse um clube de futebol e que a exigência de ‘notável saber jurídico’ fosse de somenos importância, respondeu à pergunta pertinente a esse atributo: ‘Os jogadores de futebol mais brilhantes do mundo foram rejeitados por uns 30 clubes antes’. A mídia se satisfez; o senhor Antônio Toffoli virou ministro do STF e credenciado está para decidir sobre os direitos e interesses (liberdade, patrimônio, etc.) do jurisdicionado brasileiro. E encerrada foi a novela.
Vale aqui também registrar a passividade da imprensa no que concerne ao vilipêndio da legislação eleitoral pelo Presidente da República. Escancaradamente fez propaganda eleitoral ilegal para sua candidata. A seu tiracolo foi por ele levada a fiscalizações, inaugurações e reinaugurações de obras, onde eram proferidos verdadeiros comícios. A imprensa? A imprensa a tudo assistia, ria das respostas cínicas do Presidente – a presença da ministra Dilma era imprescindível naquelas oportunidades, já que era ‘mãe’ do PAC – e divulgava as imagens e falas nacionalmente, dando sua contribuição não só para a campanha, mas também para a anarquia legal que a cada dia mais se acentua neste País. Pois é, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que para o Velho Mundo e até para a América do Norte, de quem estamos muito próximos, se mostra e é visto como o grande líder democrata da América Latina. Mas aqui no continente se mostra impotente frente ao cocaleiro Evo Morales, presidente da Bolívia, (lembremos a expropriação dos bens da Petrobrás naquele país, sob olhar passivo, covarde, de nosso governo) e um verdadeiro serviçal do ditador venezuelano Hugo Chávez, de quem copia ‘tiradas’ demagógicas e, também à sua semelhança, posiciona-se acima da lei. Simples, muito simples. Para que Constituição? Para que legislação eleitoral?
Os acontecimentos supra relatados pouco ou nenhuma repercussão tiveram no cenário internacional. Os reflexos que poderão deles advir recairão tão somente sobre a sociedade brasileira, principalmente sobre nossos jovens – futuro deste país –, que tiveram a infelicidade de assistir a verdadeiras aulas de desvios de conduta ético-moral ministradas por nossas autoridades, e que, se não muito bem trabalhados, do aprendizado farão uso não só na política, mas também no exercício das profissões que vierem a abraçar.
Votação apertada
Deparamo-nos agora com uma situação delicada, muito principalmente porque o quanto decidido a seu respeito, certamente, influirá na imagem de nossa Nação perante a comunidade internacional. Poderá se constituir tanto como título que ratifique a honradez do País, como também que o desacredite perante as demais nações. Trata-se da extradição do senhor Cesare Battisti, cidadão de nacionalidade italiana, foragido da justiça de seu país, que – por encomenda, a não ser que as evidências sejam traidoras – aqui se encontra de há muito homiziado (quando livre acobertado por autoridades e depois de preso não lhe faltaram a solidariedade e os afagos dessas mesmas autoridades). Não fossem os misteriosos interesses nela envolvidos, essa questão seria, à luz da lei brasileira, de fácil solução. Esse cidadão é reclamado pela Itália, pela via de processo extradicional, fundado em tratado de extradição que o Brasil mantém com aquela nação e que vigora desde o dia 1º de agosto de 1993. Não se sabe por obra de que o senhor Battisti despertou no Ministro da Justiça do Brasil um sentimento de empatia sem igual. O ministro Tarso Genro a todo custo, queria e continua querendo não só livrá-lo das punições a ele impostas pela justiça de seu país, mas também aqui mantê-lo. Tentando obstar o processamento do pedido de extradição, arbitrariamente – contrariando decisão do CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados) e ferindo o art. 7º da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980 (‘Não se concederá visto ao estrangeiro: …; IV – condenado ou processado em outro país por crime doloso, passível de extradição segundo a lei brasileira; …’) –, concedeu refúgio político ao preso. Inconcebível a pretensão do ministro, que, por ser um causídico e sabedor de que desde 2007 a Itália vindicava o foragido ficou exposto às mais severas – mas justas – críticas. Destemperada a atitude do senhor ministro. Esqueceu que era Ministro do Estado brasileiro e não só avocou para si a competência para apreciar a situação do paciente reclamado, como também advogou escancaradamente a sua causa. E convenhamos: não fosse a Itália a requerente, e sim um outro qualquer país sem similar expressão, mesmo mantendo tratado extradicional com o Brasil, do jeito que esse governo pensa ser o País sua propriedade, não temos dúvidas de que ele, sem muito esforço, conseguiria seu intento. Mas o ministro ‘deu com os burros n´água’. Confiando tão-só no múnus que ostenta, comprou briga com uma potência mundial, econômica e culturalmente – expoente da cultura jurídica mundial há séculos e fonte onde o Brasil muito bebeu saber jurídico, e que, portanto, não se deixaria enganar pelas frágeis e infundadas razões argüidas pelo ministro-advogado.
Não perderemos tempo com o detalhamento dos episódios estrelados pelo ministro, já que invalidadas foram suas maquinações. Limitar-nos-emos a registrar que a mídia sabia de todo o histórico do senhor Battisti: que era ele condenado foragido da justiça italiana por cometimento de crimes comuns; que era procurado pela Interpol; e que foi preso aqui em 2007, em cumprimento de mandado do STF expedido atendendo solicitação da justiça italiana. Contudo, a opinião pública não foi suficientemente informada a respeito desses detalhes. E por isso grande parte da sociedade brasileira está convencida de que o senhor Cesare Battisti é um perseguido político e que o ministro Tarso Genro é tão somente um homem altruísta e que sua ação se alicerçava no princípio constitucional da ‘prevalência dos direitos humanos’.
Após muita procrastinação, nesse tempo computadas as afrontosas ingerências do senhor Ministro da Justiça, resolveu-se pela submissão do processado extradicional à apreciação da mais Alta Corte de Justiça do nosso país.
Com uma surpreendente votação – já que a opinião pública tinha conhecimento de que a Itália havia demonstrado sobejamente que os crimes atribuídos ao paciente-reclamado não tinham conotação política, pois ultrapassaram as raias do admissível como tais –, os ministros do STF decidiram pela extradição do reclamado: cinco (5) votos pela procedência da súplica da Itália e quatro (4) pela improcedência – um sufrágio surpreendente sim, mas que decorreu de análises subjetivas dos fatos que lhes foram apresentados nos autos. Cada ministro expressou seu livre convencimento, para o que estão autorizados por lei. Portanto, não cabe a quem quer que seja censurar o veredicto extraído dessa votação apertada.
Talvez movidos pelo clamor dos aficionados do senhor Cesare Battisti, dentre eles o ministro da Justiça, o Supremo Tribunal Federal tomou uma posição inesperada, qual seja, a de submeter a escrutínio a seguinte proposição: a quem compete cumprir o entendimento consagrado pela maioria dos Doutos Magistrados integrantes do Colendo Supremo Tribunal Federal, ou seja, conceder a extradição? Acrescente-se ao termo ‘surpreendente’ os vocábulos ‘inconcebível’, ‘injustificável’ e ‘decepcionante’ e a expressão ‘atestado de submissão e covardia’ e estaremos diante do que simbolizou o quanto decidido – por, mais uma vez, cinco (5) votos a quatro (4) (poderia ser por 8 X 0, 7 X 1 e seria igualmente injustificável) – pela ‘Sábia Máxima Corte de Justiça’ de nosso país: ‘Caberá ao presidente da República aquiescer ou não ao entendimento adotado pela maioria dos juízes-ministros do STF, e, por conseqüência, extraditar ou não o senhor Cesare Battisti.’ Nesse caso não há que se falar em livre convencimento. É questão de observância do quanto exposto na legislação pertinente.
À vista disso tudo, não se viu a mídia envidar esforços para se inteirar do assunto e expressar sua legítima opinião; adotar uma postura destemida, agradasse ou desagradasse a quem quer que fosse, mas cumprindo o múnus social inerente ao exercício do jornalismo e, sobretudo, manifestando seu apreço pela legalidade e, por consequência, pela justiça.
Foi lastimável o comportamento da imprensa. Desde que invalidado o fantasioso abrigo político concedido pelo ministro Tarso Genro se especulava que a decisão pela extradição ou não do senhor Cesare Battisti caberia ao presidente Lula, entendesse o que entendesse do Supremo Tribunal Federal. Já no dia 15 de novembro de 2009 determinado periódico noticiava: ‘O processo de Battisti está no Supremo Tribunal Federal (STF), que deve retomar o julgamento na quarta-feira. Conforme o Estado apurou, o STF deve autorizar a extradição, mas não tomará nenhuma decisão para obrigar o presidente a entregá-lo ao governo da Itália. Ficaria a cargo de Lula decidir o que fazer’.
O referendo do Congresso Nacional
Se a imprensa tivesse sido diligente, todo o imbróglio em que se envolveu o Poder Judiciário brasileiro – representado no episódio por sua Mais Alta Corte, que, em face de sua infeliz postura, já deve estar percebendo arranhões em sua imagem perante a comunidade jurídica internacional – seria evitado. Outrossim, pouparia as nações brasileira e italiana da desnecessária expectativa que até então vivenciam, à espera de uma imprópria decisão do presidente da República. A imprensa continua silente, como se rendendo aos descabidos argumentos dos simpatizantes do foragido-reclamado e ao incompreensível e esdrúxulo declínio de competência do Supremo Tribunal Federal. Uma superficial leitura da legislação – que é diminuta, a começar pela Constituição Federal – a credenciaria a tanto. O mínimo que se poderia esperar da mídia eram indagações; se não indignadas, curiosas, do tipo: de onde tiraram a idéia de que a extradição do senhor Cesare Battisti depende de ato arbitrário do presidente da República? Certamente, receberia como resposta (dos aficionados do reclamado-foragido): extraditar ou não é ato discricionário do Presidente Lula, e assim sendo, ele não está obrigado a seguir orientação do STF, e sim, formar seu livre convencimento e decidir da maneira que bem lhe aprouver. A imprensa, facilmente, com um simples passo a passo, poderia fazer cair por terra esses infundados argumentos. Bastaria lhos dizer:
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a Constituição da República Federativa do Brasil, no seu art. 84, diz: ‘Compete privativamente ao presidente da República: …; VIII – celebrar tratados, acordos e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional’ (grifos nossos);**
o Brasil mantém tratado de extradição com a Itália, assinado em Roma, em 17 de outubro de 1989;**
esse tratado foi referendado pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), através do Decreto Legislativo nº 78, de 20 de novembro de 1992;**
as ratificações desse tratado foram trocadas entre Brasil e Itália, em Brasília, em 14 de junho de e 1993;**
esse tratado foi promulgado, no Brasil, pelo Decreto Presidencial nº 863, de 9 de julho de 1993, publicado no Diário Oficial de 12 de julho de 1993, entrando em vigor, nos termos do art. 2º desse decreto, no dia 1º de agosto de 1993.A legislação brasileira dispensou à extradição os cuidados indispensáveis à delicadeza e seriedade do instituto. A Constituição Federal outorga poderes, privativos, ao presidente da República para celebrar tratados, acordos e atos internacionais. Mas condiciona a validade desses instrumentos ao referendo do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal). É com esse referendo que eles – tratados, acordos e atos – adquirem força de lei e passam a vigorar como se emanados do povo brasileiro.
Normas e condições estabelecidas
O Tratado de Extradição Brasil-Itália observou as formalidades legais, ou seja, foi celebrado, por delegação, pelo Presidente da República Federativa do Brasil; foi referendado pelo Congresso Nacional brasileiro; teve seus termos ratificados e trocados pelas nações celebrantes e; por fim, foi posto em vigor por força de decreto presidencial. É lei no sentido próprio da palavra.
O art. 1º do Decreto Presidencial nº 863, de 9 de julho de 1993, diz o seguinte: ‘O Tratado de Extradição, firmado entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, em 17 de outubro de 1989, apenso por cópia ao presente decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém‘ (grifo nosso). No Artigo I do Tratado de Extradição Brasil-Itália está estabelecido: ‘Cada uma das Partes obriga-se a entregar à outra, mediante solicitação, segundo as normas e condições estabelecidas no presente Tratado, as pessoas que se encontrem em seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciárias da Parte requerente, para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena restritiva de liberdade pessoal’ (grifos nossos).
O art. 102 da Constituição Federal preceitua: ‘Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originalmente: …; g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro; …’ (grifos nossos).
O art. 83 da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Estatuto do Estrangeiro) estabelece: ‘Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão‘ (grifos nossos).
A República Italiana não firmou Tratado de Extradição com o ministro Tarso Genro, nem com o Presidente Lula, nem com o Partido dos Trabalhadores (PT) e muito menos com o Hugo Chávez ou com o Fidel Castro. A celebração foi com a República Federativa do Brasil, com a Nação brasileira, que, por delegação, por seus lídimos representantes – o Congresso Nacional –, obrigou-se a cumprir e executar o quanto acordado no tratado. No tratado convencionou-se a obrigação recíproca de entrega do paciente-reclamado à nação requerente, desde que observadas as normas e condições nele estabelecidas.
Princípio da independência dos poderes
O legislador brasileiro cercou-se de todas as cautelas para que o pedido de uma eventual extradição fosse observado com a merecida acuidade. Assim é que para a concessão ou negação de extradição delegou poderes à elite da cultura jurídica nacional – o Supremo Tribunal Federal – e razão outra para isso não teve senão a de garantir uma apreciação extremamente técnica da questão e uma decisão não comprometedora da honradez da Nação brasileira. Repetimos, o legislador foi exigente na medida da importância do instituto da extradição. A necessidade de uma apreciação extremadamente abalizada fez com que ele não se contentasse com um exame da legalidade e procedência do pedido de extradição por um ministro-juiz do STF; nem por uma de suas Turmas. Determinou que a verificação dos pressupostos legais e, por conseqüência, a procedência ou não da vindicação fosse encargo do Supremo, na sua composição plena. À exigência de composição plenária do Supremo o legislador fez corresponder uma confiança plena no quanto por ele decidido. A certeza de juridicidade de sua decisão é tamanha que não se admite reforma do entendimento consubstanciado no veredicto (‘…, não cabendo recurso da decisão‘), ou seja, faz-se coisa julgada (imutável) desde que prolatada e, também, imperativa – prescinde, a decisão, de determinação explícita para o seu cumprimento, já que a obrigação decorre de mandamento estabelecido no Tratado-Lei. Até mesmo uma explícita lembrança a quem se obrigou legalmente de que deve cumprir o quanto decidido seria deselegante, em se tratando de Poderes independentes e harmônicos. Po deria transparecer imposição de obrigação ao Executivo pelo Judiciário, quando, nesse momento, o Executivo deve cumprir uma obrigação a si imposta por ele próprio.
Antes dissemos que talvez o clamor dos simpatizantes do reclamado, entre estes autoridades governamentais – em ordem decrescente, a começar pelo presidente – tenha levado alguns juízes-ministros do STF a chegarem à decepcionante conclusão de que o quanto por eles decidido deveria ficar submetido aos caprichos do Presidente da República. Mas preferimos nisso não acreditar, pois difícil é admitirmos que os honoráveis ministros-juízes do STF abdicassem de seus compromissos para com a justiça para cederem aos reclamamos desses inconformados. Optamos por entender que se tratou de um instante de rara infelicidade; de uma desatenção. Uma desatenção que já custou caro ao prestígio da Corte Máxima de Justiça nacional perante a comunidade jurídica internacional, pelo só fato, repeti mos, de submeterem a escrutínio essa questão. Uma desatenção que infelizmente não pôde deixar de simbolizar covardia e submissão de um dos Pilares da República a outro, quando nossa Carta Maior assegura aos mesmos independência (Art. 2º. ‘São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário’).
O art. 86 do Estatuto do Estrangeiro está assim redigido: ‘Concedida a extradição, será o fato comunicado através do Ministério das Relações Exteriores à Missão Diplomática do Estado requerente que, no prazo de sessenta dias da comunicação, deverá retirar o extraditando do território nacional’ (grifos nossos). Como antes dito, o legislador brasileiro foi por demais cuidadoso na regulação do instituto da extradição. Seria um absurdo, uma incoerência imperdoável, estabelecer que a decisão do Poder Judiciário ficasse submetida ao crivo do Poder Executivo, tanto em face do princípio da independência dos Poderes da União, como também por ter ele, legislador, deixado claro que da decisão do Supremo Tribunal Federal, em processo extradicional, não cabe recurso, sendo, pois, imutável. A Constituição Federal não outorgou poderes para conceder extradição a quem ela atribuiu competência para firmar tratado de extradição – o presidente da República (art. 84, inciso VIII); e, nem a quem ela incumbiu de, em nome da Nação brasileira, dar força de lei ao entabulamento extradicional – , o Congresso Nacional (também art. 84, inciso VIII). Repetimos, credenciou o Poder mais tecnicamente qualificado para tanto –, o Poder Judiciário e, na sua mais alta expressão, o Supremo Tribunal Federal na sua composição ‘Plena’.
Explicações para o inexplicável
De superficial leitura do quanto preceituado no art. 86, retro transcrito, depreende-se facilmente que o Supremo Tribunal Federal não pode, e não deve, ser havido como órgão consultivo do Executivo e tampouco sua decisão ser interpretada como autorizadora ou, muito menos, opinativa sobre extradição. O Supremo Tribunal Federal é a instituição concedente da extradição. Dessa análise também se conclui que o honroso papel que desempenha o Poder Executivo num processo de extradição é de ‘porta voz’ do povo brasileiro, o que não se faz necessariamente com a intervenção direta do seu Chefe Maior. A comunicação da concessão ou não da extradição é, via de regra, feita à nação requerente por delegação. ‘A extradição será requerida por via diplomática ou, na falta de agente diplomático do Estado que a requerer, diretamente de governo a governo…’ (grifos nossos) – art. 80 do mesmo diploma. Vê-se, pois, que só excepcionalmente o chefe do governo brasileiro intervém no processo extradicional, mas como elo de ligação entre a nação requerente e o Judiciário brasileiro; não como ‘fiel da balança’. O Artigo 10 do Tratado de Extradição Brasil-Itália reza: ‘1. Para os fins do presente tratado, as comunicações serão efetuadas entre o Ministério da Justiça da República Federativa do Brasil e o Ministério de Grazia e Guistizia da República Italiana, ou por via diplomática…’ (grifos nossos).
Se o fato de se reunirem para discutirem o óbvio, ou seja, a competência para conceder a extradição, foi uma decepção, a conclusão a que chegou o Supremo Tribunal Federal – ressalte-se, não por unanimidade – traduziu-se numa verdadeira humilhação. Não conseguimos tirar de nossa mente a imagem de nove (9) juízes-ministros do STF (a composição plena no julgamento – dois (2) não participaram), trajando suas vistosas togas pretas, ajoelhados e curvados diante do Presidente da República e, a nove (9) mãos, entregando-lhe o acórdão e dizendo-lhe: ‘Senhor presidente, nós concluímos que a súplica da Itália está revestida das formalidades legais, que seu pleito tem procedência e, assim, decidimos pela concessão da extradição. Mas, como o Senhor é o Todo Poderoso, a decisão de entregá-lo à I tália fica ao bel-prazer de Vossa Excelência.’
Dissemos linhas atrás que a conclusão a que chegou o STF só pode ser atribuída a uma infelicíssima desatenção dos ministros que acabaram por concluir que a concessão da extradição ficaria a critério do Presidente da República. Mas parece que essa nossa boa vontade nos deixou numa sinuca de bico. É difícil se admitir que acadêmicos de Direito desconheçam que o magistrado tem como funções precípuas aplicar as leis nos casos concretos e fazê-las cumprir. Como admitirmos então que magistrados sábios e experientes, tanto que guindados para exercerem a magistratura na Suprema Corte nacional, olvidem que essas prerrogativas são exclusivas do Poder Judiciário? O Tratado de Extradição celebrado entre a República Federativa do Brasil e a República italiana, como antes já ressaltamos, é lei no legítimo sentido da palavra. Portanto, só, e tão somente só, ao Poder Judiciário compete aplicar esta lei ao caso concreto e fazê-la cumprir. É imperativo legal; não só contido no art. 83 da Lei da Lei nº 6.815/80 (‘Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal …’ – grifo nosso) mas também, e principalmente, no art. 102 da nossa Carta Maior (‘Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originalmente: …; g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro; …’ (grifos nossos). Pois é, como visto, ficamos numa ‘senhora sinuca de bico’. Para evitarmos conjecturas mais desastradas do que a própria postura adotada pelo Supremo, optaremo s por reconhecer que o seu posicionamento decorreu de um estado de letargia motivado por influência de ‘forças ocultas’, que o deixou desnudo de sua peculiar lucidez. Assim, ficaremos livres de tentarmos dar explicações convincentes para o desastre; explicações para o inexplicável.
Poder discricionário
A decisão do Supremo de declinar de sua competência em favor do Presidente provocou o ressurgimento dos descabidos comentários do Ministro da Justiça. Após o julgamento, assim falou Tarso Genro: ‘Esse é um juízo solitário do Presidente. No momento em que ele está decidindo, não está desautorizando ninguém. Ele tem que decidir em função dos interesses do país’ (grifos nossos).
A mídia o ouviu como se fosse ele a sumidade que pensa ser. Faz-se assim porque encontra uma imprensa disposta a ouvir suas abobrinhas sem qualquer contestação. Um temor reverencial que não se justifica. E agora, enganadamente, está a sociedade brasileira cônscio de que trata-se o ministro não só de homem altruísta, mas também de um patriota, que todo esforço tem despendido para livrar o senhor Cesare Battisti de uma extradição ‘para o bem de todos e felicidade geral da Nação’.
Com ‘juízo solitário’ quis o ministro da Justiça dizer que extraditar ou não é ato discricionário, arbitrário do presidente da República, sem, contudo, apontar o dispositivo legal que o autoriza a tanto. E nem poderia, pois o processo extradicional regulado no Direito brasileiro não comporta discricionariedade de quem quer que seja – em nenhuma situação. Comporta, sim, sobrestamento da extradição, o que se verifica nas condições espelhadas no art. 89 e no parágrafo único desse mesmo artigo (Lei nº 6.815/80).
Na suposição de não termos conseguido a alguns convencer a contento de que o processo extradicional regulado no Direito brasileiro não comporta discricionariedade de quem quer que seja, vamos aqui admitir a absurda hipótese da intromissão do presidente da República num processo extraditório, e veremos se as conseqüências de tal inconveniente será do agrado de alguém. Tentaremos ser o mais didático possível.
Exemplo 1. Uma nação requer a extradição de um seu nacional que se encontra em território brasileiro, para cumprimento de pena que lhe foi imposta pelo cometimento de crimes. O STF verifica que o crime imputado ao reclamado é cristalinamente de natureza política e, com lastro no art. 5º, inciso LII, da CF, conclui pela improcedência do pedido e, conseqüentemente, não concede a extradição. O presidente, contrariando o entendimento do STF e usando do seu poder discricionário concede a extradição.
Pretensão de se perpetuar no poder
Exemplo 2. Uma nação requer a extradição de um brasileiro para cumprimento de pena de prisão perpétua que lhe foi imposta pelo cometimento de crimes hediondos naquele país. O STF de plano decide pela não concessão da extradição, uma vez que a Constituição Federal veda a extradição de brasileiro (art. 5º, inciso LI). O presidente, contrariando o entendimento do STF e usando de seu poder discricionário, concede a extradição.
Vê-se que em ambos os casos as decisões do Presidente vilipendiaram a Lei nº 6.815/80 (art. 77, incisos VII e I, respectivamente) e, ainda mais grave, a Constituição Federal (art. 5º, incisos LII e LI, respectivamente). Seriam do agrado de alguém as deliberações do Presidente? São deliberações para serem suportadas num país que ‘constitui-se em Estado Democrático de Direito’ (art. 1º da CF)? Acreditamos que a resposta seja não! A insegurança jurídica é incompatível com o estado democrático de direito, como também o é a instabilidade institucional motivada pela inobservância dos princípios da independência e harmonia dos poderes. As incongruências retro exemplificadas são próprias de regimes autoritários. E regime autoritário o povo brasileiro já experimentou, não gostou e reprovou com veemência. Felizmente o Brasil, ainda, não está submetido a uma ditadura nos moldes de Cuba e Venezuela, que deixaram suas instituições se fragilizarem a ponto de, hoje, serem simplesmente figuras decorativas, que só existem para compor o quadro institucional traçado em suas cartas constitucionais.
O processo extradicional adotado pelo Direito pátrio é deveras simples, muito embora a legislação que o regula seja, como aqui relatamos, extremamente zelosa com relação aos interesses nele envolvidos – do extraditando e da Nação brasileira. Resume-se no seguinte: a nação interessada requer a extradição; o STF, apreciando os pressupostos legais, concede ou não; e o governo entrega o preso que está sob sua custódia ou o livra do constrangimento que lhe foi imposto – a prisão – em razão do pedido de extradição. Nada mais do que isto.
Assim, esperamos sinceramente ter deixado claro que o ‘poder discricionário’ atribuído ao presidente Lula – e que foi para ele prato cheio para fomentar ainda mais o espírito ditador que tem cultivado durante seus mandatos, supervisionado pelos doutos ditadores Fidel Castro e Hugo Chávez – nada mais é do que fantasia, maquinação criada dentro do próprio governo, que tem demonstrado escancaradamente desapreço pelas instituições e pelas normas de condutas traçadas no nosso ordenamento jurídico.
Pelo quanto indevidamente interferiu o ministro Tarso Genro no processo extraditório do senhor Cesare Battisti, só se pode concluir que quando ele diz ‘Ele tem que decidir em função dos interesses do país’ (grifos nossos) só pode estar atribuindo ao extraditando uma importância para o Brasil que até então a Nação brasileira desconhece. Seria hilariante se não estivessem envolvidos no processo a liberdade de um ser humano e a honradez da Nação brasileira. Não é nossa intenção zombar de quem quer que seja, especialmente do paciente-extraditando. Estamos verdadeiramente intrigados. Que importância seria essa? Sem o senhor Cesare Battisti aqui o ‘Pré-sal’ não vai avante? O bolsa-família acabará? O PAC se transformará em frustração? A Petrobrás entrará em processo falimentar? A Copa do Mundo deixará de aqui se realizar? As Olimpíadas terão a mesma sorte da Copa? A doutora Dilma Rousseff não será eleita? O PT verá cair por terra sua pretensão de se perpetuar no poder?
‘A rainha da cocada-preta’
Por maior esforço que façamos, não conseguimos vislumbrar a importância do senhor Cesare Battisti para os ‘interesses do país’. Pelo seu histórico, e principalmente pelos métodos por si usados para se contrapor a quem não comungava com sua ideologia, pode ser de grande importância sim, mas para os interesses do PT, especialmente como estrategista para a consecução dos claros objetivos do partido, que é a perpetuação no poder. Mas interesses do Brasil não se confundem com os interesses do PT.
Acreditamos que já ficou bem claro que ao Senhor Presidente da República não cabe decidir nada no processo extradicional do senhor Cesare Battisti ou em qualquer outro processo extradicional. A decisão já foi proferida por quem de direito, ou seja, o Supremo Tribunal Federal e, por tudo quanto ao longo dessas mal traçadas linhas expusemos, com a acuidade que ao caso merecia ser dispensada e, sobretudo, em função dos interesses do Brasil, que foi a salvaguarda da honradez da Nação brasileira, compromissada em Tratado-Lei de extradição firmado com a República italiana. Certeza temos de que o STF se ateve tão-só à análise dos pressupostos que autorizaram a extradição requerida. Não foi a decisão prolatada em razão da pessoa e nem do ideário político do senhor Cesare Battisti. Como foi ele o reclamado poderia ser o senhor Silvio Berlusco ni ou – perdoe-nos o sacrilégio, o Papa. Atendidos que fossem os pressupostos autorizadores da extradição, outra não poderia ser a decisão do STF que não a concessão da extradição. Cumprindo o Brasil o quanto obrigou-se, preservada estará sua honradez. O senhor Cesare Battisti que siga sua sorte, que, espera-se, seja a melhor possível.
Estamos diante de uma situação deveras inusitada: um Supremo Tribunal Federal como se desnorteado estivesse; como um boxeador no ringue nocauteado, cambaleando. Não se encontra em texto legal pertinente que tem o Supremo de noticiar a extradição por si concedida diretamente ao Presidente da República. A notícia da decisão, segundo se depreende do quanto contido na Lei 6.815/80, deve ser transmitida ao Ministério da Justiça. Esse mesmo diploma, no art. 77, parágrafo 2º, e art. 83, defere ao STF competência exclusiva para se pronunciar sobre a legalidade e procedência da extradição requerida. Em momento algum é atribuída competência ao presidente da República para emitir pronunciamento sobre o pleito. E não poderia ser diferente, pois semelhante disposição não só contrariaria o quanto disposto no art. 102 da Constituição Federal como também configuraria uma descabida ingerência do Executivo em decisão do Judiciário, ferindo, assim, o princípio da independência dos Poderes da União, consagrado no art. 2º da C.F. Não estamos dizendo que ao STF é vedado comunicar a decisão ao Presidente, mas, sim, que o STF comunicando ao Ministério da Justiça já se desincumbe do seu encargo.
Por que a imprensa, munida dos textos legais pertinentes, não se dá ao trabalho de procurar os devidos esclarecimentos junto ao STF e deixa de ficar no encalço do presidente Lula procurando saber qual será sua ‘decisão’, com o que alimenta sua vaidade e prepotência, ‘enche sua bola’, ‘enche-o de ar’ – modificando sua silhueta, o que o faz assemelhar-se a um ‘sapo cururu’ –, fazendo-o sentir-se ‘a rainha da cocada-preta’, consagrando-o não só como o ‘filho’, mas como o ‘dono’ do Brasil?
Omissões dos parlamentares
Insistimos, ao Supremo Tribunal Federal o legislador atribuiu competência para decidir sobre a procedência ou não de um eventual pedido de extradição. Ao Presidente da República, por si ou por delegação, o legislador deferiu a honrosa missão de comunicar à nação requerente a decisão da Nação brasileira, de certeza indubitável, presume-se, pois consubstanciada no entendimento de sua mais Alta Corte de Justiça, que, também se presume, ser a essência do saber jurídico nacional.
Não há como fugir desta conclusão. A extradição ‘entabulada’, ‘convencionada’, é um instituto delicadíssimo; envolve um dos mais relevantes interesses de uma nação, qual seja, a sua honradez perante a comunidade internacional, em especial as com quem celebra tratado ou convenção. Esse interesse não pode ser preterido em favor de ideologias ou quaisquer outros interesses. Com o Brasil não pode ser diferente. Não há por que se abdicar da honradez do país em favor de ideologias do presidente da República e tampouco de seus correligionários, que, ressalve-se, com as quais não compartilha a maioria do povo brasileiro. Se pretendesse o legislador que a extradição ficasse a critério do presidente da República, certamente, não perderia seu tempo numa elaboraç ão legislativa tão rica em zelo. Bastaria tão-só deferir ao presidente a prerrogativa de extraditar ou não, e ele, por sua vez, se cercaria de cuidados necessários, a seu juízo, para decidir.
Muito nos admira é a passividade do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) diante da grave situação que se nos apresenta. Não se dá conta de que está na iminência de não ser observado pelo presidente da República tratado extradicional por ele, Congresso, referendado e transformado em lei, como se do povo brasileiro tivesse sido emanada. Não se vê um parlamentar se manifestar com voz altiva lembrando ao presidente a imperatividade do cumprimento do quanto decido pelo STF e, pois, do quanto se obrigou a Nação brasileira perante a nação italiana. E, também, não se vê a imprensa assediando parlamentares na busca de explicações para suas omissões.
Reconhecimento de ‘incompetência’
A mídia nacional – enquanto alimentando a vaidade e prepotência do presidente da República e deixando de buscar esclarecimentos junto ao STF – está perdendo uma grande oportunidade de prestar mais um relevante serviço à Nação brasileira. Não temos dúvidas de que se dirigisse ao Supremo Tribunal Federal as locuções interrogativas e interjetivas indignadas de que falamos no início destes comentários já o teria despertado do estado de letargia em que se encontra. O STF certamente refletiria; reconheceria o erro em que incorreu ao se reunir para decidir que a decisão da extradição do senhor Cesare Battisti ficaria a critério do presidente. Mas, com a mesma certeza, asseveramos que perceberia que essa decisão é ‘extrajulgado’, que se trata de decisão de mero expediente e que não deveria e não deve fazer parte do acórdão – o que é apreciado no julgamento é a legalidade e a procedência da extradição (art. 83 da Lei nº 6.815/80). O acórdão deve se limitar a conceder a extradição requerida pela Itália; é o espelho do quanto decidido no julgamento. Deve, é claro, determinar sua comunicação ao Ministério da Justiça ou ao Presidente da República (quem pode o mais pode o menos), mas sem qualquer sugestão. Dito isto, vê-se que o STF pode, serenamente, se redimir do erro em que incorreu. E para esse alerta – que, por via de conseqüência, salvaguardará não só a imagem do Judiciário brasileira, mas também a honradez da Nação e, indiretamente, o conceito de que goza nosso Presidente no cenário internacional – o povo brasileiro só pode contar com a imprensa ‘descompromissada’, que tem sido e será, a interlocutora da sociedade brasileira. Não podemos deixar de reconhecer que as instituições de quem poderíamos esperar essa interlocução estão fragilizadas. E com essa ajuda da imprensa só poderemos contar enquanto esse governo permita que voz altiva tenha, enquanto a ditadura que se ensaia não seja instalada.
E não há por que o STF temer qualquer crítica à retificação que, acertadamente, vier a fazer no que concerne à errônea comunicação sugestiva. Primeiro, porque a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição (art. 102, ‘caput’, da C.F.) e, pois, das leis. E a lei pertinente determina que ele aprecie tão-só a legalidade e a procedência da extradição. E, segundo, porque a mantença da opção do cumprimento, pelo presidente, do ‘decisum’ poderá deixá-lo em situação ainda mais constrangedora do que a que se vê até então. Pelo quanto tem demonstrado, não resta a menor dúvida de que o Presidente Lula, ‘prepotente e irresponsavelmente’ – pois já deve ter sido esclarecido de que carece de competência para decidir sobre a matéria –, negará a extradição do senhor Cesare Battisti. Ma s quem está requerendo essa extradição não é uma Etiópia. É a Itália, que de forma alguma se renderá a uma decisão arbitrária do Presidente da República do Brasil; uma decisão não só contrária ao tratado de extradição celebrado consigo, mas também à própria legislação brasileira. Não se colocando um freio no Presidente Lula, certamente, o Brasil terá que enfrentar tribunais internacionais. Mas voltemos à situação em que poderá se ver o STF. Temos certeza absoluta de que desse imbróglio todo em que se envolveu o STF o que mais ansiosamente o Presidente Lula espera é o acórdão concedendo a extradição, mas com expressa menção de que ‘a entrega do paciente ficará a seu exclusivo critério’. É tudo o que ele quer. É a segurança de que precisa para denegar a extradição requerida pela Itália. Recebendo o acórdão ‘nos termos em que espera’ – que o traduzirá como uma expressa autorização para extraditar ou não –, o presidente Lula, ciente de que todos os preparativos – malas prontas, dinheiro do povo brasileiro, avião do governo venezuelano, ou mesmo cubano (não se descarta o desplante de usar o ‘aeroLula’ ou um avião de carreira), por nós custeado –, já estarão à disposição do senhor Cesare Battisti para uso imediato, ‘em cima da perna’, proferirá despacho denegatório da extradição requerida e determinará o incontinenti livramento do paciente e sua acomodação em carro oficial, acompanhado de batedores, para conduzi-lo, com sua família, ao aeroporto. E a Itália ficará a ver navios, ou melhor, a ver um avião desaparecer entre as nuvens rumo a Caracas, ou Havana. É claro que a Itália não se conformará e tomará providências que culminarão com o desprestígio do Brasil junto à comunidade internacional. E, para o STF, o pior virá. Por provocação ou mesmo ex-officio, já que é guardião da Constituição e das l eis dela consectárias, se o Presidente da República não cumprir o quanto por ele decidido, deverá chamá-lo a responder por crime de responsabilidade – art. 85 e seu inciso VII da C.F.. E aí está o ‘x’ da questão. Instado a responder por crime de responsabilidade, em sua defesa, se declarará inocente e não hesitará em atribuir culpa ao Supremo Tribunal Federal por tê-lo induzido a erro. Aí, prepare-se nossa mais Alta Corte de Justiça para ser internacionalmente reconhecida ‘incompetente’. E livrar-se-á incólume o -presidente-‘filho-dono’ do Brasil.
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Advogado, Salvador, BA