O terremoto que devastou parte do Haiti ocorreu no dia 12, terça-feira da semana passada, às 19h50. Uma semana depois, em artigos traduzidos de autores estrangeiros e em relatos que se tornam mais realistas à medida que os repórteres se aprofundam nas cidades devastadas, começa a surgir o verdadeiro retrato do país.
Um deles, publicado na Folha de S.Paulo, observa que o terremoto simplesmente derrubou as construções, deixando a nu uma nação que já havia sido destruída pelos chamados países desenvolvidos.
O atual caos político que as tropas da ONU tentam administrar foi criado, em 2004, por uma intervenção do governo de George W. Bush, com apoio da França e do Canadá, quando o então presidente Jean-Bertrand Aristide foi deposto e exilado na África.
Desde que ousaram declarar sua independência, abolir a escravatura e construir a primeira democracia de descendentes de africanos, em 1804, os haitianos pagam o preço da ousadia. A partir de então, deliberadamente, os antigos colonizadores vêm tomando medidas para impedir que o país se consolide como uma nação livre. O terremoto apenas derrubou as paredes, revelando a sociedade que foi destruída ao longo das últimas décadas.
Mazelas reveladas
E o que isso tem a ver com a imprensa? Ora, a imprensa só deixa vazar a verdadeira história da miséria haitiana porque não há mais como escondê-la.
Quando Aristide, um padre ligado à Teologia da Libertação, foi deposto, a imprensa omitiu os detalhes do golpe de Estado, noticiando que ele decidira deixar o governo em função de protestos e rebeliões armadas, que provocavam grande número de mortes em Porto Príncipe.
O que a imprensa não informou na ocasião, e deixa vazar agora, é que essas rebeliões foram estimuladas pelo governo dos Estados Unidos, com apoio de franceses e canadenses. Desde então, o país encontra-se sob intervenção da ONU.
As gangues armadas que se instalaram nas grandes favelas de Porto Príncipe, e que têm sido combatidas pela força de paz chefiada pelo Brasil, são o que resta desses grupos de pressão manipulados para derrubar Aristide.
Às vezes é preciso um desastre natural para revelar as mazelas políticas que se escondem nos escombros.
Epidemia de mentiras
As revelações sobre o papel obscuro de instituições multilaterais na história recente do Haiti ajudam a entender o mundo e acabam dando razão a algumas teses conspiratórias que correm sobre o comprometimento da ONU, do FMI e outras organizações com interesses privados.
Desde o ano passado, circula pela internet um documentário produzido pelo jornalista argentino Julián Alterini, denunciando uma possível manipulação de dados sobre a gripe H1N1, a chamada gripe suína. Esses dados teriam sido forjados por interesse de grandes indústrias farmacêuticas.
Na edição de terça-feira (19/1), o Estado de S.Paulo publica reportagem produzida por seu correspondente em Genebra informando que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu rever as regras para a declaração de futuras pandemias.
Pressionada pelo Parlamento do Conselho Europeu, a entidade resolveu se antecipar ao resultado de investigações que apontam suspeita de influência indevida de indústrias farmacêuticas em suas decisões. Segundo o Estadão, os parlamentares europeus iniciam nesta semana uma investigação sobre manipulação de dados no caso da gripe suína.
O caso veio à tona quando a imprensa da Dinamarca obteve oficialmente informações de que alguns cientistas da OMS eram financiados por multinacionais do setor de medicamentos. Um deles chegou a receber mais de 9 milhões de dólares em financiamento da GlaxoSmithKline, uma das empresas que fabricam a vacina contra a gripe suína.
GSK, Sanofi, Novartis e outras farmacêuticas aparecem no rol das empresas que teriam influenciado decisões de cientistas ligados à Organização Mundial da Saúde.
O leitor atento há de se lembrar que, há oito meses, a OMS decretou que o vírus H1N1 havia saído de controle, após a ocorrência de alguns casos no México, e que o mundo estava diante da primeira pandemia do século 21.
A imprensa, inclusive no Brasil, embarcou e agitou a onda de pânico, aproveitando para fustigar as autoridades sanitárias brasileiras.
A notícia do Estadão ajuda a esclarecer a epidemia de mentira.