Passava um pouco das 19 horas do último dia 12/1 quando surgiram as primeiras informações dando conta do terremoto que devastou o Haiti, primeiramente, como não poderia deixar de ser, pelas TVs a cabo e internet, e pouco depois abrindo as manchetes dos principais noticiários das TVs comerciais. Embora sem maiores detalhes sobre a extensão dos danos causados pelos tremores, que atingiram 7,8 na escala Richter, já se sabia, ao final da noite, que além de um punhado de soldados brasileiros em missão de paz naquele país, uma brasileira ilustre estava entre os milhares de pessoas que jaziam sob os escombros, a missionária Zilda Arns, sempre lembrada, até para o Prêmio Nobel da Paz, por seu admirável trabalho à frente da Pastoral da Criança.
Apesar do horário impróprio, quando o material que vai as bancas está praticamente definido, houve tempo de sobra para que os jornais abrissem espaço para aquele que já se confirmava como um dos mais devastadores terremotos da história, com o agravante de ter sido no país mais pobre do continente. Exceto A Tribuna, de Santos, que por razões que a própria razão desconhece, limitou-se a publicar uma reles nota no pé do caderno de assuntos internacionais, sonegando de seus leitores – entre os quais familiares do contingente de soldados deslocados do 2º Batalhão de São Vicente – as informações fartamente destacadas pelos jornais de todo país e do exterior no dia seguinte. Ainda mais que os relatos de correspondentes e mesmo de blogueiros desde o primeiro momento já davam idéia da extensão da tragédia.
Frustrado e ultrajado
O que dizer sobre tamanha mancada? Que justificativa pode haver para que o jornal mais representativo da Baixada Santista, mesmo que por falta de concorrência à altura, desse de ombros, não atinasse para as dimensões do drama que se abateu sobre um país famoso pelos conflitos e pobreza extrema? Razão da presença, já há alguns anos, de tropas brasileiras, e mais recentemente, da missionária Zilda Arns entre os haitianos, no sentido de garantir um mínimo de ordem e assistência social, através do programa de amparo que já abrangia 200 mil crianças naquele país. Mesmo com a morte de 14 ou mais soldados, além da própria Zilda, só se confirmando no dia seguinte, o quadro tenebroso descrito logo nos primeiros relatos, com escombros e desespero para todos os lados, e que mobilizou a imprensa em geral, só não sensibilizou o matutino santista, cuja redação, já de touca e pijama, ou talvez vitimada pela síndrome da mosca tsé-tsé, foi incapaz de remanejar seu noticiário para não comer bola, como ocorreu.
Preguiça, má vontade, inépcia, enfim, um pouco de tudo que resume, já de longa data, a precariedade do jornalismo que caracteriza os veículos do grupo A Tribuna, notadamente o centenário jornal, com sua reputação arruinada pela sucessão de gafes e vícios de cobertura que mesmo os leitores mais desatentos percebem. Eu mesmo só leio o jornal esporadicamente, e ainda assim por cortesia da casa de café que frequento, mas o que não falta são antigos colegas e amigos, que sabem que lá trabalhei, para me chamar a atenção para as deficiências de sempre, moldadas pela mentalidade mercantilista que reina na casa, pelo regime de repartição pública que predomina em sua redução e, o pior de tudo, pelo jornalismo insípido e omisso que o clã Santini, sem ninguém que lhe faça sombra, se sente à vontade para continuar impingindo à população.
E como impinge. Posso estar sendo repetitivo ao lembrar os malefícios que o monopólio do grupo A Tribuna representa para a região, até mesmo por inibir uma concorrência mais efetiva, assim como posso estar perdendo tempo e me desgastando à toa apontando suas mazelas, mas, mais do que o jornalista, é como cidadão que falo. Um cidadão que se sente frustrado e ultrajado por ver o jornal cheio de dedos, dedicar uma página inteira à cobertura da morte do notório coronel Erasmo Dias, ocorrido há poucas semanas, relevando a sinistra reputação que o mesmo adquiriu nos tempos da ditadura, inclusive na repressão da própria imprensa, contrastando com o quase descaso com que tratou da tragédia no Haiti. A exemplo, aliás, do que já havia feito no começo do ano, quando também relegou a segundo plano a cobertura dos estragos causados pelas chuvas, notadamente em Angra dos Reis, principalmente no sentido de mobilizar as autoridades para que o mesmo não se repita nas várias regiões de risco da Baixada Santista.
Indiferença em relação à qualidade
Nesse deixa de ser emblemático que, se por um lado, a imprensa em geral costuma exagerar no tratamento de tragédias desse tipo, por sinal cada vez mais rotineiras nesses tempos de transformações climáticas, já a Tribuna não poderia ter tratado de maneira mais morosa e frívola os cataclismas de Angra e do Haiti. Coerentemente, de qualquer forma, com a linha editorial superficial e reticente que se tornou uma espécie de marca registrada da casa, e que resiste às mudanças cosméticas e seguidas trocas de chefia processadas nos últimos anos. A acomodação é tanta que as gafes e barbeiragens vão se repetindo como se não houvesse qualquer preocupação com coisas fundamentais para um órgão de imprensa, com a imagem e o respeito da opinião pública, o que de resto, o grupo A Tribuna vem perdendo a olhos vistos.
Como se não bastasse a burocrática cobertura local, quando se pensa que o jornal não tem como piorar, eis que nem mesmo manter-se antenado com o resto do mundo sua trôpega redação consegue. Uma proeza e tanto, sabendo-se que para isso basta compilar o material de agências, para não falar das informações ao vivo trazidas pela TV e internet. Tudo bem que o volume de informações hoje em dia é tão grande que muita gente nem liga se A Tribuna fez ou não a lição de casa. De repente, nem o próprio jornal, não só em função do reconhecimento das próprias limitações, mas sobretudo pela indiferença dos patrões em relação ao quesito qualidade. De qualquer forma, há sempre quem repare e para quem é do ramo, então, senões desse porte são sempre duros de engolir e não podem passar em branco, pois acabam alimentando uma espécie de círculo vicioso em que as aberrações vão se repetindo a ponto de ninguém mais se importar.
Dignidade e um mínimo de competência
Acho que nem preciso dizer que é aí que mora o perigo, pois um jornal sem credibilidade e o respeito das pessoas só serve mesmo para embrulhar peixe, forrar gaiola de passarinho. Gente muito mais entendida do que eu ensina que para fazer um jornal decente não se pode encarar a imprensa como simples negócio e que sem investir em qualidade, na valorização profissional, não há fórmula mágica.
No caso de A Tribuna, não há nem como exigir melhor desempenho de uma redação que, além de mal-remunerada e desestimulada, sabe do desapreço da casa pela velha e boa meritocracia, que nunca foi páreo para o puxa-saquismo e servilismo tão a gosto dos patrões. Isso ninguém precisou me contar. Senti na própria pele em meus dez anos de casa, com a diferença de que há vinte e poucos anos ainda era gratificante trabalhar lá, a turma era boa e o jornal respeitado, graças ao jornalismo honesto que se fazia mesmo com a repressão na cola. Bons tempos, até diria, em que pese o salário de fome, as inevitáveis decepções com falsos amigos e a descoberta de que ao contrário do que pensava, o jornalismo está longe de ser uma panacéia para todos os males.
Bem mais rodado, hoje eu sei que nem precisa tanto. Basta que seja exercido com correção, dignidade e um mínimo de competência, coisas que em A Tribuna infelizmente têm sido cada vez mais raras.
******
Jornalista, Santos, SP