Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O ‘non’ e o fim do mundo

Más notícias são as melhores notícias para um tipo de mentalidade jornalística. O que é mais atraente: um desastre com 4, 40 ou 400 mortos? Não há setor da cobertura que fuja a essa receita: ruim é pouco, péssimo é bom.

Nos jornais brasileiros do fim da semana, com duas exceções de que se falará em seguida, a velha regra voltou a prevalecer. Tendo as pesquisas de opinião deixado praticamente líquido e certo que a Constituição da Europa seria rejeitada pela maioria do eleitorado francês no plebiscito de domingo (29/5), as editorias internacionais dos nossos principais matutinos se puseram a rezar a missa de corpo presente da União Européia.

Para usar um desses verbos catastrofistas que os editores econômicos usam dia sim outro também quando a Bolsa (ou o câmbio, ou os indicadores da atividade produtiva) cai, a nova Europa está fadada a desabar com o ‘non’ da França à sua Carta Magna.

Visão simplista

O desmanche da integração européia foi dado como quase tão certo quanto o de um queijo de pâte molle quando exposto a temperaturas tropicais. Afinal, não bastasse ser a França o colosso que é – e sócia-fundadora, com a Alemanha, do que viria a ser a União Européia –, dá mais drama, e presumivelmente prende mais a atenção do leitor, alardear que o resultado do referendo francês contaminará como uma nuvem radiativa as populações dos outros 24 países-membros desse formidável organismo que vai da Suécia a Chipre, de Portugal a Letônia.

Entre outros, passou meio batido o fato de que, antes da França, a Constituição já tinha sido ratificada pelo voto parlamentar e/ou popular em nove países, que representam pouco menos do que a metade da população total da União Européia.

Os jornais até que deram um panorama razoável do histórico da UE, de suas medidas vitais e das questões que durante meses polarizaram as forças políticas e o eleitorado francês como não se via há muito tempo. Falharam, porém, em oferecer ao leitor uma visão menos simplista das conseqüências do êxito do ‘non’ para os demais parceiros europeus.

Excitação impressa

Agora, as proverbiais exceções que confirmam a regra: o destaque com que O Estado de S.Paulo deu domingo a entrevista do ex-primeiro-ministro italiano Massimo D’Alema a Eduardo Salgado, sob o título eloqüente ‘Derrota do ‘sim’ não será o fim do mundo, diz deputado europeu’; e, principalmente – por se tratar de reportagem – da matéria ‘Sem riscos para a integração do bloco’, de Vivan Oswald, de Bruxelas, no Globo também do domingo.

O fim do mundo e a desintegração de seja lá o que for são mais excitantes do que o seu oposto. Nem por isso são mais verossímeis – e jornal bom é o que leva isso em conta.