Parece que nos últimos anos (e talvez um pouco tarde demais) finalmente tenhamos chegado a um ponto em que uma série de pontos sobre a Mudança Climática aparentam ter se solidificado entre as autoridades que levam seu trabalho minimamente a sério, sejam elas políticas, científicas ou de qualquer outro campo:
-
O impacto da ação humana na Mudança Climática é central e inegável.
-
Não é possível proteger a humanidade dos riscos dessa mudança sem reverter os níveis atuais de emissão de carbono.
-
Essa reversão precisa ser feita dentro de pouco tempo para ser efetiva
É significativo que tão pouco tempo depois do resultado da eleição presidencial e com uma série de questões absolutamente urgentes demandando a atenção do presidente eleito, como as movimentações golpistas que bloquearam estradas, a participação de Lula na COP 27 tenha sido considerada uma prioridade. E que em meio a tantas pautas que dizem respeito à própria manutenção de alguma funcionalidade democrática do governo brasileiro, a maioria dos veículos de imprensa normalmente considerados de referência no país tenham dedicado atenção a essa viagem do futuro Presidente. Aliás, não apenas a ida de Lula mas também a da recém-eleita deputada federal, Marina Silva, que vem sendo especulada como uma das prováveis lideranças na área de políticas ambientais do futuro governo “Lula 3”.
Fica bem evidente que pautas ligadas ao tema da Mudança Climática e da redução da emissão de carbono hoje são vistos como altamente noticiáveis e isso é ótimo. Mas se a impressão é que as pautas sobre os perigos da Mudança Climática se tornaram relativamente comuns em veículos como a Folha de S. Paulo, o Estadão e o G1, o mesmo não pode ser dito das pautas sobre a transição energética necessária para enfrentar essa ameaça. A cobertura desse tema parece ficar restrita a veículos com algum foco em meio ambiente ou em energia, sendo o Valor Econômico uma das exceções. E mesmo assim, no caso do Valor há o aspecto de um direcionamento mais voltado a orientar as decisões de negócios do seu público e menos a um entendimento holístico do tema.
Falar em descarbonização ou neutralidade climática sem dar a devida atenção à transição energética não parece fazer sentido. É falar do “o que” sem falar do “como”. Claro que a alteração da matriz energética não é o único elemento da estratégia de combate à Mudança Climática, afinal como pontuou a pesquisadora do Oxford Institute for Energy Studies, Ieda Gomes, no evento Fair Gas Transition este mês em Florianópolis “não há como pensar em garantir a quantidade de energia consumida pelo americano médio para todo mundo, uma transição energética justa passa por reduzir o consumo médio dos países desenvolvidos”. Ainda assim, medidas de redução do consumo energético, como a reurbanização das cidades para aumentar a caminhabilidade, são medidas que demandam um tempo maior para serem amplamente realizadas, muito tempo para quem pretenda levar a sério o horizonte de alcançar a neutralidade climática em 2050.
Dado esse contexto, acredito que não seja possível pensarmos um avanço efetivo das discussões sobre Mudança Climática perante a opinião pública se a “grande imprensa” não se propuser a impedir que esse aspecto do “como” da transição energética fique limitado aos veículos especializados. É natural que esses dois tipos diferentes de veículos produzam coisas diferentes, afinal o público não é o mesmo, a proposta editorial não é a mesma. Ainda assim, não parece crível que um “cardápio” limitado apenas a matérias sobre estudos que demonstram consequências ruins da Mudança Climática, ou sobre as “guerras de declarações” de governantes mundiais ajude a sociedade a entender como exatamente estão acontecendo esses processos de tentativas de reduzir as emissões de carbono, seus avanços, seus retrocessos. Noticiar questões sobre infraestrutura energética provavelmente é bem menos atraente do que essas outras coisas, mas talvez seja necessário. Sem isso, o jornalismo acaba não colaborando para evitar que o zeitgeist sobre essa questão vital para o mundo fique à mercê dos atores que tiverem as melhores estratégias de publicidade e acabamos com um mundo de gente que acha que solução para a neutralidade energética é comprar carro do Elon Musk.
***
Vinicius Augusto Bressan Ferreira é Mestrando em Jornalismo no PPGJOR e pesquisador do objETHOS