Quem foi à orla de Juazeiro (BA) na noite da terça-feira (13/01) percebeu uma movimentação extraordinária. Às margens do rio São Francisco, um trecho da orla havia se transformado em cinema ao ar livre. Isso mesmo. Um telão, algumas cadeiras e pessoas que chegavam e iam ficando. O motivo? Juazeiro vivia naquele momento grande expectativa pela estréia do Big Brother Brasil 10, edição que conta com a participação da PM juazeirense Anamara.
As fotos confirmam. Familiares, amigos, vereador, imprensa local, segurança pública… crianças e adultos atentos, vestindo camiseta com a foto da PFem povoavam o espaço reservado para o povo de Juazeiro prestigiar em praça pública o reality show. A imagem lembrava os cineclubes das pequenas cidades onde a sala de cinema não existe. Bem lembrado, Juazeiro não tem cinema, não tem cineclube na praça, mas naquela noite parou em frente a uma grande tela ao ar livre para ver a policial mais conhecida no Brasil, pelo menos neste momento.
Mas, assim que o programa teve início, eis que vem a chuva. Em busca de proteção, as pessoas saem correndo para o bar mais próximo e, sem pedir licença, logo se acomodam ocupando todo o espaço próximo à TV de tela plana. Se estivéssemos falando de trabalhadores e trabalhadoras sem-terra, talvez fosse registrada uma invasão do bar.
Naquele meio, jornalistas obrigados a cumprir pautas registravam cada detalhe, explorando bem a euforia do povo ao ouvir uma fala da jovem Anamara. Funcionários públicos também aguardavam o espetáculo e a chuva terminar para recolher as cadeiras molhadas. Enquanto isso, a chuva continuava.
‘A gente não quer só comida’
Na Adolfo Viana, umas das principais avenidas de Juazeiro, o retrato de uma cidade vazia ou pelo menos das pessoas recolhidas em suas casas. A chuva? Sim, não resta dúvida, mas ao longo do caminho muitos televisores ligados e pessoas atentas à programação global da noite de verão. Enquanto isso, na calçada de uma loja, dois homens dormiam, provavelmente sem saber da existência da mobilização em torno do ‘grande irmão’. Grande irmão que expõe a mulher como um objeto de pouco valor, que incentiva a disputa, a competitividade, que valoriza a espetacularização da intimidade das pessoas. Grande irmão que parece dizer que não é possível viver em coletividade, ao contrário, alguém terá de se dar bem e pra isso passará por cima dos demais.
Um show da realidade onde para ganhar um milhão e meio basta conseguir conviver com outras pessoas numa casa e ganhar a simpatia do público. Um público que segue direitinho as regras impostas por interesses privados, interesses dos donos das redes de televisão, das empresas patrocinadoras, dos que sugam a cada dia o suor da classe trabalhadora. Uma classe trabalhadora que paga a conta de luz no final do mês, que consome os produtos divulgados pelo Big Brother, que acaba seguindo os comportamentos, a moda, formando opiniões a partir do que a Rede Globo permite que seja ‘espiado’.
Numa parada na pastelaria, a decepção de ver no vídeo a música de Jorge de Altinho (‘Nas margens do São Francisco nasceu a beleza…’) antecipar a fala da PM que menciona a música ‘Um tapinha não dói’, do grupo Furacão 2000. A chuva parece cessar. Já dizia uma música dos Titãs: ‘A televisão me deixou burro, muito burro demais! E agora eu vivo dentro dessa jaula junto com os animais…’ Que o Brasil, em tempos de BBB e em outros tempos também, possa lembrar de outra música, também dos Titãs, que diz: ‘A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte… a gente quer saída para qualquer parte’.
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Estudante de Comunicação Social – Jornalismo em Multimeios da Universidade do Estado da Bahia (Uneb/Campus Juazeiro) e militante da Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social (Enecos)