Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa de Rondônia sofre ataque terrorista

(Foto: arquivo pessoal)

Em três dias, dois atentados contra o jornalismo são realizados em Porto Velho

Os atentados marcam mais uma agressão contra o jornalismo e a nossa recente democracia, em flagrante oposição ao que preconiza a Constituição Federal, sobretudo no capítulo Da Comunicação Social, em que o Art. 220 prevê que “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição”.

O primeiro atentado aconteceu na madrugada de 12 de novembro de 2022, quando a sede do site Rondoniaaovivo recebeu mais de 20 tiros por uma pessoa que se postou tranquilamente em frente ao local. Segundo o próprio jornal, as ameaças aconteciam há alguns dias, quando eles começaram a realizar a cobertura das manifestações do “grupo golpista antidemocrático” (nas palavras do veículo), que questiona o resultado da eleição presidencial de 2022.

Três dias depois, em plena Proclamação da República, em 15 de novembro, um docente da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) teve seu carro atacado durante o Colóquio de Comunicação e Cultura na Amazônia Rondoniense (CANOAR). Na noite em que Juliana Dal Piva, jornalista do UOL e autora do livro “O Negócio do Jair”, e Geremias dos Santos, presidente da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), debatiam sobre a importância do jornalismo na defesa da democracia, com citações diretas ao presidente Jair Bolsonaro e a sua truculência contra a imprensa e o nosso sistema de governo vigente, um professor da instituição teve o pneu do seu carro esfaqueado 13 vezes.

Mais do que a tentativa de coibir a liberdade da informação de um veículo de imprensa e da expressão de profissionais e especialistas em comunicação, os atos terroristas tinham como objetivo limitar o direito de se informar dos cidadãos de Rondônia. A intenção era reprimir qualquer pensamento divergente daquele que é majoritário no estado, reconhecido pelo amplo apoio a Jair Bolsonaro e ao movimento golpista que se deu após sua derrota no segundo turno. Em Rondônia, não é coincidência que o atual presidente teve mais de 70% dos votos e que o Estado chegou a ser o único do país a manter a manifestação antidemocrática, em mais de uma ocasião.

Os dois atentados não foram os únicos vivenciados pelos profissionais de comunicação de Rondônia nos últimos dias, pois trabalhadores da TV Allamanda, em Cacoal, da SIC TV, em Candeias do Jamari, e da TV Rondônia, em Porto Velho, sofreram intimidação. No início do mês de novembro, estes profissionais da TV da capital foram perseguidos e tiveram o carro danificado por um grupo de pessoas que interditavam uma estrada que leva para a área portuária de Porto Velho, também sob o pretexto de não aceitaram o resultado das eleições presidenciais.

As tentativas de silenciar a imprensa rondoniense não são novas e já partiram inclusive de um secretário do governo do Estado, como já abordado neste Observatório da Imprensa. Essa violência aconteceu no dia 13 de agosto de 2020 e não ganhou completo apoio sequer da imprensa local. A Rádio Plan FM, na cidade de Jaru, interior de Rondônia, foi invadida pelo secretário de Estado da Agricultura (Seagri), que partiu para cima do jornalista Roni Freitas.

Os ataques vieram a escalar com a não reeleição de Jair Bolsonaro e a cobertura das manifestações antidemocráticas. Rondônia tem sido reduto do golpismo e os jornalistas, e outros cidadãos, que tentam nomear corretamente o movimento ou se opor a ele têm sido refreados com virulência. A agressividade no estado contra a imprensa atingiu diversas empresas de comunicação, em especial a televisiva, em que as câmeras chamam atenção e geram rejeição de quem está imbuído em uma cruzada contra qualquer informação contrária aos seus ideais.

As reações contra essas agressões precisam ser enérgicas, principalmente porque, nas democracias, os jornalistas devem permanecer livres e, acima de tudo, vivos; é nas ditaduras que as regras são diferentes, ou inexistentes. Embora a prática não tenha surgido na democracia e não necessite desse sistema para existir, ainda assim, é neste regime político que a instituição jornalística se consolida, tornando-se essencial. Em governos desta natureza, informa-se, investiga-se e analisa-se, além de propiciar um espaço para discussão, empatia e mobilização. O jornalismo se tornou o quarto poder, sem a qual não existe democracia plena.

Mas em Rondônia a imprensa livre e plural parece não ter espaço. Ela é um perigo ao controle da narrativa dos manifestantes golpistas, por isso, parecem ser seu alvo predileto. E quando xingamentos, empurrões e outras formas de agressões não são suficientes para silenciar os jornalistas, eles recorrem à bala, ao armamento da população que vem sendo estimulado nos últimos anos a empunhá-la, que tem como exemplo as atitudes do presidente contra a imprensa.

Jornalismo domesticado

O ataque aos jornalistas e à imprensa dissidente, ou que tenha minimamente uma criticidade ou maior pluralidade de fontes, revela o que o público normalmente encontra ou espera da mídia rondoniense, um alinhamento direto e explícito aos ideais conservadores e reacionários. Um exemplo foi quando um jornalista do programa Fala Rolim, da RedeTV! Rondônia, zombou aberta e publicamente da manifestação contra o presidente Jair Bolsonaro, em 19 de junho de 2021.

Para o profissional, os mais de 500 mil mortos pelo novo coronavírus à época (hoje se avizinham aos 700 mil) não era motivo suficiente para se indignar contra o mandatário do Brasil, que de diversas formas e em vários momentos minimizou a crise sanitária mundial. Aliás, residir no estado com maior número proporcional de vítimas da COVID-19, no período do protesto, também não fez o jornalista ser mais crítico e responsável em sua atuação.

Mais interessante do que contextualizar o motivo da pouco adesão do movimento, no contexto caótico que vivia o país, o profissional preferiu fazer piada com os manifestantes. Não bastasse enfatizar a baixa quantidade de aderentes na manifestação, incluindo ele e o cinegrafista, o jornalista debochou ironicamente ao insinuar que tiveram dificuldade de chegar e se manter no local, por causa da quantidade de pessoas presentes.

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Allysson Martins é professor de Jornalismo e coordenador do MíDI – Laboratório de Mídias Digitais e Internet na Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Autor dos livros “Jornalismo e guerras de memórias nos 50 anos do golpe de 1964” (2020) e “Jornalismo digital entre redes de memórias na efeméride do 11/9” (2022).