‘Governo de São Paulo admite usar professor reprovado em exame’ (JB Online) e ‘SP admite ter de usar professor reprovado’ (Folha de S.Paulo) foram títulos de matérias daqueles dois jornais, no mesmo dia (23/01). O verbo ‘usar’ traduz uma forma de ver a realidade do professor brasileiro. Reprovado, só lhe resta ser usado (abusado) por aqueles que o reprovaram.
O vocábulo infeliz reproduz, em ponto pequeno, a imagem desvalorizada da carreira docente. Os professores, muitos deles com anos de experiência, foram submetidos agora a uma prova. O propósito, segundo o secretário da Educação de São Paulo, Paulo Renato Souza, é verificar se estão aptos a trabalhar em sala de aula. Dos 181 mil docentes que fizeram o exame, praticamente metade (48%) não acertou 40 das 80 questões.
A perplexidade se instala duplamente. Primeiro, acreditando-se que essa prova prove alguma coisa, descobrimos que cerca de 87 mil professores, a maior parte deles já atuando na rede pública como temporários (ou seja, não efetivos), não deveria lecionar em hipótese alguma. Em segundo lugar, descobrimos que desses mesmos 87 mil, muitos acabarão sendo ‘usados’… porque é somente deles que dispomos! Mais ainda, eles aceitam ser ‘usados’ porque já se acostumaram aos baixos salários, já se sentem ‘usados’ e ‘reprovados’ com ou sem provas.
10 mil vagas em ano eleitoral
Mas se o exame não é eliminatório, por que falar em ‘reprovados’? Exame ‘humilhatório’, portanto? E como não se sentir ‘usado’ também o cidadão cujos filhos serão alunos de professores estigmatizados por essa reprovação que só humilha?
A saída decente e coerente para esse quadro teria sido abrir vários concursos públicos ao longo dos últimos 10 anos, oferecendo aos candidatos a oportunidade de exercer o magistério no estado mais rico do país. Mas uma oportunidade real, implicando salário melhor, vantagens profissionais (com exigências concretas em contrapartida), horizontes de crescimento. Certamente muitos que seriam ou são bons professores teriam se empenhado por uma vaga.
Em ano eleitoral, o governo de SP acena agora, finalmente, com um concurso para professor efetivo na educação básica: 10 mil vagas. O edital está aqui. As datas das provas ainda não foram definidas. E dentre os livros da bibliografia obrigatória, pelo menos um deles, Metáforas novas para reencantar a educação, de Hugo Assmann, encontra-se esgotado há mais de dois anos e é dificílimo encontrá-lo até mesmo nos sebos.
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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br