A cobertura das emissoras de TV Globo, Record, Bandeirantes e SBT sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-III) é falha por não ouvir o ‘outro lado’ e não informar à sociedade qual foi o processo de elaboração do referido documento. É o que se constatou em acompanhamento noticioso entre os dias 12 e 15 de janeiro deste ano.
Tais pressupostos deveriam ser elementares na prática profissional, como garante, por exemplo, o Código de Ética do Jornalista (do artigo 1º ao 5º, referentes ao direito à informação; do 7º e do 9º, relativos à conduta profissional do jornalista). O código pode ser visto aqui.
As TVs deram espaço para a Abra (Associação Brasileira de Radiodifusores), Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), integrante da OAB (Ordem dos Advogados) de São Paulo, jurista, políticos do DEM e alguns parlamentares do governo, todos contrários ao plano.
Trataram o documento como obra exclusiva da atual gestão do governo federal, omitindo que o decreto 7.037, de 21 de dezembro de 2009, referente aos Direitos Humanos, é resultado de um processo de discussão de dois anos. Os debates envolveram a sociedade civil organizada, os poderes executivo e legislativo, totalizando a participação direta de 14 mil pessoas em vários estados do país.
A base do documento são as resoluções da 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos, realizada no fim do ano passado, e propostas aprovadas nas mais de 50 conferências nacionais temáticas promovidas desde 2003. Entre elas, a de Educação, Saúde, Habitação, Igualdade Racial, Direitos da Mulher, Juventude, Crianças e Adolescentes, Pessoas com Deficiência.
Entidades não ouvidas
Para cada matéria veiculada, portanto, não bastaria tentar ouvir o executivo (que preferiu não falar, na maioria das vezes). O correto, para escutar o outro lado, seria entrevistar integrantes das entidades que participaram da construção do plano. Aí, as emissoras poderiam explicar à sociedade os argumentos favoráveis à criação de mecanismos de controle social da mídia, à garantia de direitos trabalhistas às prostitutas e à discriminalização do aborto.
Também teriam condições de compreender e apresentar os motivos da defesa da criação da Comissão da Verdade (para apurar crimes cometidos contra os direitos humanos na ditadura) e de comissões de diálogo para resolver ocupações de terra antes que tais situações sejam encaminhadas ao judiciário. Isso para ficar nos temas evidenciados pela mídia comercial em relação ao documento, que possui centenas de proposições. Acesse o texto completo aqui.
Por que as emissoras não ouviram entidades como o Movimento Nacional de Direitos Humanos, MST, Movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros, Associação Nacional das ONGs, Conselho Federal de Psicologia, Associação dos Magistrados Brasileiros, Organização de Mulheres Negras? Essas e dezenas de outras participaram da elaboração do documento.
Clique aqui e veja os posicionamentos de entidades da sociedade civil que não tiveram espaço nas emissoras.
Sem profissionalismo e ética
Além da presidência da República, 28 ministérios assinaram o decreto, demonstrando concordância com seu conteúdo, mas por que as emissoras informaram apenas as posições contrárias de dois (Defesa e Agricultura)? Registra-se ainda que a Secretaria Especial de Direitos Humanos contestou a postura do Ministério da Agricultura, expondo que o órgão não poderia ser contra o plano, pois participou de sua elaboração. Isso também não repercutiu nas emissoras. Veja aqui a notícia omitida.
A cobertura das emissoras foi um exemplo de antijornalismo. Supervalorizou as vozes contrárias ao plano e omitiu as favoráveis. Isso evitou o debate democrático e provocou um desserviço à população, pois excluiu informações importantes para a compreensão do tema. Sem profissionalismo e ética, as TVs fizeram o pior neste caso: roubaram da população o direito de conhecer o assunto de forma ampla, para daí escolher o que pensar ou formar uma posição crítica.
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Jornalista, professor universitário e militante de movimentos sociais