Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Entre o futebol, a política e o jornalismo está a camisa amarela

Foto: Qaleb Studio/Freepik

Não sei vocês, mas ainda não consigo olhar com simpatia para a camisa amarela. E parece que tem mais gente com esse sentimento, afinal não foram poucas as legendas “é para a copa” sob as fotos das amarelinhas. Será que um dia conseguiremos superar esse ranço?

Superar que pessoas foram às ruas em defesa de um governo negacionista, que pediram intervenção militar e que continuam acampadas (já nem se sabe mais o motivo) em frente aos batalhões militares? Sinceramente, espero que um dia o brasileiro supere isso. Eu ainda não consegui, confesso. Mas, adotei a estratégia de olhar a história que nos trouxe ao caos para tentar entender (e superar) tudo isso.

Primeiro, vale lembrar a própria formação social e econômica do Brasil: uma colônia de exploração. Isso implica em uma sociedade extremamente desigual, em que poucos têm muito e muitos têm pouco – sejam bens, educação, liberdade… E nossa economia e nossa política se desenvolveram a partir dessa estrutura. Não a superamos com a proclamação da República, não a superamos com o direito ao voto, obviamente não a superamos com a ditadura militar, e tampouco com a redemocratização. As elites econômicas ainda “governam” em prol dos seus e dos seus interesses… Talvez seja nessa perspectiva que possamos começar a entender toda a movimentação que culminou com o aversão pela amarelinha.

Isso porque essas eleições escancararam a desigualdade brasileira, marcada pelo preconceito, pelo racismo e pela exploração. Indiretamente, defender o bolsonarismo é defender esse status quo.É claro que isso é uma simplificação extrema, mas, todo esse processo (desde o impeachment da presidente Dilma até o acampamento na frente do quartel) é uma tentativa de forçar a manutenção dessa estrutura. E, infelizmente, o jornalismo da grande mídia tem contribuído para isso.

A questão é que quando saímos da graduação de jornalismo, muitas vezes, temos uma determinada percepção do que é fazer jornalismo – muito mais próxima de uma idealização do que do mercado. E quando olhamos para os grandes conglomerados midiáticos não conseguimos enxergar como é que eles poderiam defender a democracia, o interesse público e por aí vai… Isso porque essas não são suas prioridades. Elas são empresas dentro de um sistema neoliberal, criadas e geridas pela classe que muito tem. Obviamente, seu discurso será nessa linha em prol de manter esse status quo, e, quando for conveniente, adotar um discurso de jornalismo como pilar da democracia e blá blá blá.

A questão é que os posicionamentos adotados por essas empresas, os enquadramentos noticiosos escolhidos e até mesmo o silenciamento diante de alguns assuntos contribuíram para instalar esse caos. E o pior é que tudo isso é feito no melhor estilo jornalístico: uma colcha de retalhos de informações que não contribuem para nenhum pensamento crítico tampouco para a compreensão das implicações dessas informações. O que, muitas vezes, apenas fomenta um caos sem sentido. E essa estratégia (de incitar o caos) foi adotada e aperfeiçoada pelas fake news.

Ah, mas então precisamos boicotar os grandes conglomerados midiáticos? Não! Se por um lado eles contribuíram para gerar esse tsunami de informação, por outro também têm seus méritos, esforços de reportagem, materiais informativos, programas culturais e oferecem cada vez mais informações contextualizadas (felizmente – ou por pressão do mercado – as coisas estão mudando). O ponto é que o jornalismo ainda é a melhor forma de seleção e organização de informações voltadas ao interesse público, a questão é que algumas empresas midiáticas, às vezes, sobrepõem os interesses privados sobre os interesses públicos. E aqui vale lembrar que existem várias outras iniciativas jornalísticas muito mais alinhadas aos princípios do jornalismo, por isso, tenhamos fé, nem tudo está perdido.

Comecei o texto expressando tristeza, passei pela indignação, flertei com a racionalidade, inflei os ânimos para terminar com esperança. Estamos vivendo em meio ao caos, recentemente vivemos dias  duros de pandemia e certamente não foi fácil para ninguém. Quando olhamos o passado e vemos que a história brasileira já passou por momentos ainda piores, lembramos do nosso passado de exploração, de sofrimento, mas também de luta. Acredito que os movimentos antidemocráticos que vemos atualmente – mas que gradativamente vem perdendo fôlego – são pulsações desse passado que estamos deixando para trás, e, certamente, isso se refletirá em todos os setores sociais, inclusive nas empresas de jornais. E essa retrospectiva e olhar “racional” sobre a construção do Brasil me dão esperança de um dia poder ver a camiseta amarela novamente com carinho, na verdade um misto de respeito e de sensação de superação.

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Mariane Nava é Doutoranda em Jornalismo no PPGJOR e pesquisadora do objETHOS