‘A secção ‘Sobe e desce’, inserida na última página do PÚBLICO, continua a suscitar polémica. O mais recente pomo da discórdia, impresso a 4 deste mês, é uma referência negativa a Jaime Gama pelo sucessivo fracasso da instituição a que preside – a Assembleia da República – na escolha de novo provedor de Justiça, como constitucionalmente lhe compete. ‘É difícil imaginar comportamento mais irresponsável na ‘casa da democracia’’, sintetizava a nota, assinada por Paulo Ferreira, director adjunto do PÚBLICO, que classificava a demora como ‘vergonhosa, indigna e desprestigiante’, embora sem atribuir responsabilidades directas a Gama, mas sim às ‘lideranças parlamentares do PS e do PSD’.
O deputado socialista José Lello, também secretário nacional do PS e presidente do Conselho de Administração da Assembleia da República, manifestou ao provedor (do leitor, não de Justiça) a sua indignação, considerando que Paulo Ferreira ‘deu em estigmatizar o Dr. Jaime Gama, com uma seta negativa’, mas que ‘o argumento para tal é conhecido e já foi anteriormente utilizado, injustamente e à saciedade, nessa rubrica, onde, não raras vezes, por motivações estranhas, algumas bem perceptíveis, se achincalham personalidades de relevo da nossa vida pública’.
No caso concreto, José Lello rebate: ‘Como a coisa tinha a ver com a Assembleia da República, culpou-se o seu presidente, que é a face visível do Parlamento. Ora, esse argumento, para além de simplista, é injusto. Particularmente neste caso, em que a responsabilidade pelo dito atraso deveria ter sido assacada aos prupos parlamentares do PS e do PSD e ainda porque, se alguém tem feito diligências para sensibilizar os responsáveis dos ditos grupos parlamentares, esse alguém tem sido o Dr. Jaime Gama O que é do conhecimento geral, menos, pelos vistos, do tal jornalista Paulo Ferreira. Daí a injustiça praticada nesse ‘Sobe e desce’’.
Sem que o provedor entenda a relação, José Lello acrescentava ainda: ‘Já agora, a manterem idêntico princípio, se eventualmente se debruçarem sobre a temática da destruição e ruína do comércio tradicional, espero que coloquem a fotografia do Eng. Belmiro [de Azevedo], o mesmo dos shoppings comerciais, com expressiva seta para baixo!’
De qualquer modo, com shoppings ou sem shoppings, importava ouvir o comentário de Paulo Ferreira à crítica do parlamentar socialista, tendo replicado o director adjunto que ‘a resposta à inquietação e ao protesto de José Lello consta do texto original que ele pretende contestar e foi até bem assimilada pelo deputado, como o seu email denota’.
O jornalista reconhece que ‘a responsabilidade pela demora na eleição do novo provedor de Justiça é das lideranças parlamentares do PS e do PSD’, mas que ‘o desprestígio institucional e público do facto é do Parlamento (até porque a lei atribui a escolha ao Parlamento e não aos grupos parlamentares A ou B)’. Deste modo: ‘Jaime Gama não pode ser responsabilizado pela demora, mas é a ele, enquanto presidente da AR, que deve preocupar antes de mais ninguém o desprestígio da instituição. E é ele, nessa condição, que terá que lidar com mais esta corrosão na imagem parlamentar. Se há uma figura do Estado que hoje representa todos os deputados ela é, para o bem e para o mal, Jaime Gama. Por mais injusto que isso seja. É esse o sentido desta ‘seta para baixo’. Discutível? Sem dúvida. Mas por várias vezes esta lógica tem sustentado avaliações positivas ou negativas. Se o desemprego sobe a culpa não é do Governo, mas é este que tem que lidar com o facto. O gigante défice orçamental americano não é da responsabilidade de Barack Obama, mas o problema é do novo presidente dos EUA (veja-se também num ‘desce’ recente). Da mesma forma que Belmiro de Azevedo passará um mau bocado se uma catástofre natural se abater sobre o Centro Comercial Colombo e que a imagem da classe política sai afectada quando se praticam financiamentos partidários ilícitos, por exemplo. As ‘motivações estranhas’ invocadas por José Lello são, como se vê, menos estranhas do que seria conveniente para o deputado passar do protesto casuístico para a crítica generalizada’.
Mais uma vez parece ao provedor que a referência ao proprietário do PÚBLICO (sem dúvida motivada pela anterior, mas aqui num contexto diferente) é metida a martelo. Porém, de novo com shoppings ou sem eles, afigura-se como sustentável a argumentação de Paulo Ferreira. Embora Jaime Gama não seja o responsável directo pelo escandaloso impasse na escolha do sucessor de Nascimento Rodrigues, é a instituição a que preside que fica atingida na sua credibilidade, e concomitantemente a sua própria figura de nº 2 da hierarquia do Estado. Estamos pois dentro do espírito, por muito controverso que seja, em que estas secções de ‘positivo/negativo’ costumam ser elaboradas na imprensa, julgando não só os envolvidos nos acontecimentos mas também os que são atingidos colateralmente, como é o caso de Jaime Gama.
Poder-se-ia, claro, argumentar que seria a instituição Parlamento a merecer a seta para baixo e não o seu presidente, à semelhança do que, no mesmo dia 4, Paulo Ferreira fez com a ‘Justiça’ (a propósito de um processo que se perdeu nos seus ‘meandros’) e não com o presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Sucede porém que o próprio Jaime Gama tem metido, debalde, as mãos na massa no que respeita à escolha do novo provedor. Aliás, é o próprio José Lello que fornece um argumento para a seta descendente, ao admitir indirectamente a esterilidade dessas ‘diligências’.
Tal como José Lello vê ‘motivações estranhas’ que ‘achincalham personalidades de relevo da nossa vida pública’ (mas sobre as quais não pode o provedor pronunciar-se, por falta de particularização de quem acusa), também o leitor Manuel Monteiro o sente, relativamente a José Sócrates, nas páginas do PÚBLICO, que ‘faz mais ataques ao primeiro-ministro que os outros jornais (julgo que há estudos, ou análises, sobre isso, pois li qualquer coisa sobre o assunto)’. O provedor já abordou este tema em crónicas an,k’teriores, mas confessa que desconhecia a explicação agora adiantada por este leitor: ‘Diz-se que tal se deve ao director [do PÚBLICO, José Manuel Fernandes], pois que criou, e mantém, uma cultura de ‘contra’ na redacção e que tal se deve a o pai dele ter tido graves problemas no Ministério do Ambiente quando José Sócrates era lá ministro. Será isso verdade? Se não for, fico satisfeito. Se for, o nosso director terá de fazer ‘uma declaração de interesses’. Deixo-lhe esta batata quente’.
Já sabemos que dar expressão a uma insinuação deste tipo, não sendo fundamentada, é sempre contraproducente, mas, por outro lado, se o provedor não satisfizesse a curiosidade do leitor, poderia permanecer uma incómoda dúvida sobre o assunto. Por isso, a ‘batata quente’ foi passada ao próprio director, que respondeu: ‘O meu pai reformou-se do Ministério quando era ministro Carlos Borrego e governava o PSD. Jubilou-se como director-geral. Julgo que só conheceu José Sócrates porque era (não sei se ainda é) militante do PS e este lhe foi apresentado para que lhe desse umas aulas sobre ambiente, pois ele sabia pouco do assunto e queria tornar-se no ‘ambientalista’ do PS. Isso deve ter acontecido há uns 20 anos, e nem sei se gosta ou se antipatiza com o primeiro-ministro. E, se há cultura do contra no jornal, ela vem da fundação, do tempo de Vicente Jorge Silva [o primeiro director]’. Para o provedor, assunto encerrado.’